Precisava escrever hoje mais do que nunca.
Nesse ócio que ando, me peguei divagando o passado.
Eis ai o maior erro que sempre cometemos.
Tédio é uma merda.
Sempre vai te levando devagar para lama, sem que você perceba.
Sou um canalha e reconhecido por tal fato, mas não foi sempre assim.
Parece clichê, mas me afundar no álcool e em mulheres em excesso, foi uma espécie de casca de defesa que se criou, depois de um grande amor.
Sou fã de amores.
Os coleciono.
Gosto dos diferentes sabores.
Porém sempre vai ter um único que vai te marcar.
Na melhor das hipóteses como cicatriz ou uma tatuagem, ou da pior forma, virando seu câncer para o resto da vida, até te enterrar.
Você pode ate esquecer por anos, mas misteriosamente alguma recordação vai brotar como mágica ou simplesmente essa marca começa a latejar e aparecer na sua frente com um sorriso dos mais lindos no rosto.
Abrindo meus arquivos achei uma carta antiga.
Sou um pouco saudosista com textos, e do mesmo jeito que o passado me faz bem, ele me corrói.
Foda se, masoquismo sempre fez parte de minhas qualidades.
A carta se referia à despedida da mulher da minha vida.
A despedida atemporal, que continua ecoando, assim como o meu amor por ela.
Não falo sobre suas características físicas.
No caso dela não funciona dessa forma.
Ela vai além de qualquer definição ou descrição.
Diferentes das lindas ruivas que me fazem pirar em um bar, as belas e ousadas ciganas loiras que me encantam pela rua, a beleza dela sempre foi algo indecifrável.
Ali a coisa funciona mais com os cinco sentidos e vai além.
Sinto por ela uma atração de alma mesmo.
O amor da minha vida, por ser tão grandioso veio com um grande peso negativo, a depressão.
Tentando diminuir um pouco o seu sofrimento, fazia o que estivesse ao meu alcance, e com isso potencializava o meu sofrimento.
Talvez eu sofra de uma punição divina.
Como o Titã Atlas, que na mitologia foi condenado pelo Deus Zeus a carregar nos ombros o céu.
Só não me lembro por qual motivo,decerto algo que trago no carma.
A depressão nessa época não me pegou.
Não me dava a esse luxo.
Precisava me manter forte e focado para reerguê-la e trazer de volta o brilho e a beleza de seus olhos.
Fiquei anos próximo da loucura.
Sendo o seu melhor confidente e conselheiro.
Deixando de viver minha vida e vivendo a dela.
Não tinha mais foco para nenhum plano ou sonho.
Na verdade não havia espaço para isso.
Meu maior sonho sempre foi sua felicidade, mesmo que eu não estivesse incluído nela.
Anos se passaram.
Seus medicamentos não surtiam mais efeitos e ela os tomava como balas.
Suas crises perderam o controle e sua solução era se trancar, chorar e dormir por dias.
Minhas conversas eram ignoradas nesse ponto.
Ela se trancou no seu interior.
Vivia com sua depressão acumulando negatividade.
Eu fui virando um ser invisível para ela.
Seu brilho no olhar sumiu.
Seus encantos se apagaram.
Logo em seguida achei essa carta de despedida.
Ela deixara com poucas e frias palavras, apenas se afastando sem muita explicação.
Acredito que ela chegou ao auge de sua negatividade.
Simplesmente se mudou e sozinha foi viver uma nova vida.
Com essa carta na mão, lembro de que nunca me livrei dessa minha cicatriz.
E que mesmo no alto de meu egoísmo e arrogância que vivo, tenho olhos ate hoje em seu progresso.
Ate porque me sinto responsável por ela e me culparia se ela deixa-se a depressão vencer.
Ao que parece esta mais forte e no caminho sadio de sua vida.
O antigo brilho no olhar aos poucos esta voltando.
Eu a acompanho, mas de forma reservada e sem a deixar percebe.
Por mais duro que seja ficar longe do amor da minha vida ,eu coloquei como meta a sua felicidade.
Mesmo que tenha que sacrificar a minha.
Todas as vezes que pego nessa carta,lembro do fardo que tenho que carregar e vem os mesmos sentimentos depressivos.
Sem problema.
Os afogo como sempre na melhor dose de etílico que acho a minha volta.
E o velho sorriso canalha me volta ao rosto.
Não existe melhor maquiagem para essa cicatriz.
E faço questão de levar o céu em meus ombros por ela.