Pratos e panelas

Minha rotina na Europa estava sendo um pouco diferente da que levava em minha cidade.

Fazia meus textos com menos paciência e até andava escrevendo bem menos do que o habitual.

Nunca gostei de depender dos outros, então a chamada “mesada” que Ari deixava em um envelope na minha casa, jamais era aberto.

Eu apenas pegava e guardava o envelope no cofre.

Para bancar minha bebedeiras eu arrumei um trabalho em um restaurante em uma cozinha.

Passava doze horas do meu dia lavando pratos e panelas, cinco dias por semana.

Era uma ótima forma de passar os dias, comia o tempo todo, bebia sempre que queria, não precisava socializar com as pessoas, já que todo mundo da cozinha falava uma língua diferente.

Eram robôs treinados para aquele serviço, ninguém nem olhava para o lado, e não ter que socializar era a melhor parte desse trabalho.

Não havia estresse nessa rotina na minha cabeça, quando eu queria relaxar simplesmente ia ao deposito do restaurante e tomava dose de qualquer bebida que eu escolhesse.

Ninguém sentia minha falta, eu era invisível naquele trabalho.

Terminava meu dia fedendo a gordura, bem cansado, mãos e coluna destruídos, mas era ótimo chegar em casa, sem ter ninguém para dar satisfação e apenas mergulhar em minha cama e curtir aquele cansaço de forma simples.

Mantinha um ritmo robótico para a coisa não perder o controle no trabalho e com isso podia viver em paz, longe de John e Ari.

Os dois viviam pelo mundo bêbados em maior parte do tempo, sempre me procuravam para me arrastar mas raramente me encontravam.

A cidade de Limerick deve ter uns trezentos pubs diferentes, além disso qualquer cidade vizinha aqui era muito próxima de ir, com isso era muito fácil também me manter invisível para esses dois.

Porém, John tinha o faro investigativo, e algumas vezes usando do seu dom com o dinheiro de Ari ,conseguiam me encontrar.

Ai não tinha fuga, os dois juntos sabiam encher meu saco ao ponto de eu entregar os pontos e seguir com eles para onde quer que fossem.

Certa vez eu já desconfiava que John estava pelas redondezas me procurando, e eu estava no pub sem disposição para correr, mas tinha uma carta na manga.

Quando ele entrou no pub com seu largo sorriso, simplesmente joguei meu passaporte na lareira que tinha ali.

John não descongelou seu sorriso e eu fiquei sem entender.

- Vigário, você acha mesmo que não pensamos nisso? – John falava com tom de vitória.

- Com o dinheiro de Ari eu te levo para a Coreia do Norte sem passaporte.

- Grande idiotice você está dizendo, seu dinheiro não compra tudo, típico pensamento de
advogado com dinheiro – Rebati

- Ok, isso é um desafio? – Questionou John

- Sim, desafio você a me colocar hoje de frente para a estátua do Líder da Coreia do Norte, não conseguindo, vocês me deixam um ano em paz aqui na minha rotina.

- Porra Vigário, sempre excêntrico, mas tudo bem, vamos daqui direto, umas 18 horas estamos lá. – Falou sem nem pensar sobre.

- Depois de lá vamos a Grécia que era o plano inicial, então prepare seu sorriso para essa longa viagem.

Dei de ombros e segui John com total descrença.

John como bom advogado sempre foi bom em blefar até o final, então só aguardava ele entregar os pontos.

O único erro de John foi o tempo que faríamos de viagem, pois 24 horas depois dessa conversa eu estava em Pyongyang, sendo recepcionado pelo próprio Líder norte coreano.

Foi nesse dia que descobri que secretamente o Líder Norte Coreano falava inglês e era um conhecido de Ari ,que sempre estava nas melhores festas pelo mundo.

- Dinheiro é uma merda mesmo, e ainda dizem que não compra a porra toda -  Resmunguei para John que apenas saboreava o momento.

Um dia conto sobre essa experiência maluca que foi participar de uma festa com um dos caras mais loucos e temidos do mundo.

Depois dessa viagem, eu estava a caminho da Grécia como tinha combinado se perdesse o desafio.

Um dos berços da civilização agora seria minha morada por 1 mês.

Por um minuto pensei no meu trabalho em Limerick e antes de perguntei, Ari já me informou que não me preocupasse com o trabalho, pois minhas férias já estavam autorizada.

- capaz de todo esse tempo eu estar trabalhando para você seu filho da puta – Ari apenas sorriu

Realmente era algo que fazia sentido agora na minha cabeça, toda a minha liberdade era uma ilusão.

Resolvi não pensar nisso naquele momento.

No fundo eu até admitia que podia ser interessante essa experiência no país dos velhos deuses.

Mas jamais dê o braço a torcer para John e Ari, sua vida será um inferno.

O ciclo continua...

No auge da minha noite, demasiadamente afogado no meu copo, eu não sinto nada.

Não tem rotina que me pegue.

Eu simplesmente consigo fugir do mundo e de todas suas armadilhas que são criadas para fazerem eu perder minha maldita sanidade.

Talvez eu esteja apenas cansado e desapontado, porem chegar a essa conclusão não alivia toda essa pressão sobre meus ombros.

Eu sempre estive lutando por você.

Olhei para trás para ver todo o meu passado e tentei achar o caminho.

Mas nunca pareceu tão difícil.

Você não pode caminhar por alguém um caminho que ela não vê.

Isso não quer dizer que você esteja no caminho certo ou ela no caminho errado, só diz que são caminhos diferentes pela frente.

Não há racionalidade no nosso mundo, na verdade o mundo estaria bem melhor sem nos.

O problema é o ciclo, que continua nos jogando um contra o outro repetidas vezes.

Sempre fui acusado de ser egoísta, o cara que não se importa com ninguém.

Algo que eu realmente sempre quis que fosse verdade, é muito mais fácil de se viver assim.

Mas inconscientemente eu sempre pensei mais nos outros do que no que realmente me afetava, sempre foi assim, mesmo que eu jamais assuma isso em minha rotina de vida.

Existe milhares de formas de você se odiar, e uma delas é você colocar como prioridade alguém que não seja você.

Eu sinto muito, não parece ,mas eu gosto de mim.

Gosto de mim mais do que eu gosto de você.

Não importa que isso simplesmente signifique viver minha vida na tentativa diária de se matar aos poucos.

É o jeito que achei para me defender desses ciclos.

Por que sei que ele tenta retornar a todo o instante.

E eu odeio ciclos...