Meu nome, Faith, significa fé, mas para conviver com um aquariano só isso não é suficiente.
Tem dias que você precisa renunciar a toda sua sensibilidade, e se transformar em um ser indiferente para sobreviver ou não cometer um crime hediondo quando se conversa com um.
Ser indiferente é algo que a minha constelação de peixes se recusa a ao menos tentar.
Lá estava eu, a caminho da Itália de um dia para o outro, sem muitos preparativos.
Acordei um dia com um pesadelo, eram imagens abstratas e sem sentido.
Uma sensação horrível de câmera lenta e eu ali de espectadora desfrutando daquele sentimento tão estranho.
Acordei suando, com a respiração pesada e o coração apertado.
Em momento nenhum apareceu algo relacionado a nada ou ninguém, mas eu saí daquele pesadelo com uma certeza.
Precisava ver Vigário.
No dia seguinte, arrumei minhas coisas e fui ansiosa ao encontro do meu grande e amável amigo Vigário, sem pestanejar.
Vigário havia se mudado por um tempo para morar em Florença na Itália.
Além de ajudar Ari em uma investigação por lá, aparentemente pelo que lia nos seus textos, ele andava um pouco melancólico nos últimos tempos na Irlanda.
Mas não tínhamos contato.
Toda vez que me preocupava, pegava um voo e ia visitá-lo.
Vigário é averso a celulares e redes sociais.
Usava apenas as ferramentas do seu blog e e-mail para pendências pontualmente profissionais.
Então minhas notícias sobre ele, vinham uma vez ou outra por Ari, que raramente conseguia tirar nada dele, e pelo meu dom em ler nas entrelinhas dos seus textos.
Com o passar dos anos eu aprendi a ler mensagens subliminares no que ele escrevia.
Ele jamais deu o braço a torcer sobre isso, mas era apenas por orgulho.
Mesmo não sendo leonino, flertava sem perceber com um pouco de orgulho.
Acho que mais por uma bagagem que vem com essa coisa de escritor do que pela sua característica própria.
Mas passa longe de um leonino, que morre por orgulho só para proteger o brilho da sua juba.
Quando cheguei na Itália, fui em um pequeno apartamento que ficava escondido estrategicamente em uma linda viela da antiga Florença.
Era lá que vigário estava se refugiando.
Ari tinha a chave, mas nunca usava.
Olhando a janela aberta, para entrada do sol no apartamento, Ari tinha certeza de que vigário não estava em casa.
Ari então me levou para uma praça, a famosa Piazzale degli Uffizi.
Uma área rodeada por palácios, museus e lindas artes por todo o caminho.
Em uma escadaria lá estava ele, com um semblante caído que intercalava com pequenos sorrisos.
- Ele vem aqui sempre.
Compra um sanduíche, pega uma cerveja e fica assistindo ao mímico, horas e horas.
Já foi até preso por protestar contra uma multa porque estava sentado comendo.
Ele e o mímico foram presos juntos, pelo que a polícia chamou de provocação da desordem e distúrbio social. - Ari me contava com um sorriso no rosto de quem se orgulhava do feito de Vigário.
A cidade de Florença tinha aprovado uma lei que multava quem comia sentado em pontos da cidade histórica.
A multa ia a valores como 500 euros, e ao que parece a vida de Vigário era usar todo seu dinheiro para comprar seus sanduíches, bebidas e pagar multas na Itália.
Lá estava ele, sentado com seu sanduíche, sem nenhum tipo de apreensão.
Como bom aquariano, Vigário era idealista, brigava por transformação social sempre que estava ao seu alcance.
Um inconformado por natureza e que mesmo que ele tentasse segurar esse sentimento, era um revolucionário.
Fato que ele aplicava mais na sua escrita.
Resolvi segui o mesmo caminho, comprei meu sanduíche onde Ari me dizia ser o melhor sanduíche de Florença e de onde Vigário não saia, e fui silenciosamente me sentar ao seu lado.
Ele estava realmente acompanhando o show com atenção e um semblante mais leve, e não percebeu minha chegada.
O que por alguns segundos achei ofensivo.
Vigário tem uma intuição para mulheres bonitas a sua volta.
Peguei minha cerveja e perguntei se ele brindaria comigo.
Ele me olhou surpreso, absorvendo aquela informação e sorriu.
Algo realmente sincero como ele sempre se faz transparecer.
Dei lhe um abraço com todo o calor que a minha sensibilidade gerava, e ele retribui com aquele velho ato sem jeito, de braços duros e incômodos por demonstração de afeto, do velho homem de gelo de antigamente.
Um aquariano indiscutivelmente raiz.
Acertei o braço dele com um soco e torci o nariz para ele.
- Vigário vim aqui só para te ver, e olha sua reação. – Falava, fulminando ele com os olhos, vermelha de raiva e, ao mesmo tempo, querendo me derramar em lágrimas.
E ele idiotamente sorria da minha reação.
Ok Ok, meu signo não me deixar enganar ninguém.
Sou um poço de sensibilidade, às vezes eu mesma não me aguento.
Além de nesse momento específico estar na tpm, o que agravou um pouco mais aquela recepção nada calorosa.
Mas minha sensibilidade passa longe da criação de cena de um canceriano, por exemplo, então mantive a pose.
Ficamos um tempo calados apreciando o show do mímico, já que eu me segurava para não chorar e bater nele repetidamente pela sua frieza.
E por incrível que pareça, consegui sentir o que aquele show entregava a Vigário.
Paz.
Era uma apresentação simples, leve e divertida.
E Vigário usava aquilo como uma espécie de terapia, para transformar as energias negativas em positivas.
E realmente funcionava.
Quando pisquei, já estava ali sentada ao seu lado mais de uma hora, sem nenhum sentimento ferido.
Um guarda se aproximou com um sorriso irônico no rosto e uma frase que parecia rotineira.
- Desculpe Vigário, vou ter que multar você e sua amiga, o comandante está aí hoje e não gosta de você. – O policial falava parecendo se sentir culpado.
Vigário sorriu, tirou um envelope do bolso que tinha escrito seu nome e deu ao policial.
- Acho que esse dinheiro paga o valor dos dois - Entregava o envelope ao policial como se fosse algo natural.
Logo em seguida assinou um documento da multa.
Vigário e o mímico faziam uma atuação rápida daquele acontecimento.
Enquanto vigário recebia a multa, o mímico estava atrás imitando o policial em forma de deboche.
Parecia que o ascendente em Áries brotava naqueles dois, que imploravam por confusão.
Assim que Vigário assinou a multa, ele pegou seu recibo e entregou com um semblante sério ao mímico, como se estivesse atuando como o policial.
O mímico por sua vez encenava como se fosse vigário sendo multado, com aquele sorriso irônico no rosto e bebendo da sua cerveja imaginaria.
O policial parecia ser um dos bons, e saiu com um sorriso no rosto meio desconcertado em frente ao público da praça que assistia.
Lá, no fundo da praça, o comandante se corroía em raiva.
- Achei uma utilidade para esses envelopes com a mesada que o Ari deixa no meu apartamento – Ele falava sendo como sempre o velho irônico de sempre.
Saímos dali ovacionados como parte do show do mímico.
Vigário e o mímico já eram celebridades em Florença.
O mímico, um artista de rua politizado, e vigário como ele mesmo se definiu, um escritor de boteco que as pessoas têm pena.
Essa definição aparece quando Vigário está para baixo.
Ele não é de se gabar, mas também não menospreza seu dom com as palavras.
Voltamos para o seu apartamento, e fizemos aquele nosso ritual de reencontro.
Sentamos para conversar com as nossas cervejas e nada para importunar.
Ari tinha me deixado na praça e ido para um compromisso.
O mímico tinha marcado de beber em outro dia.
Então tínhamos nossa sessão de terapia ali.
- O que rolou na Irlanda que você trouxe para cá esse peso que vejo aí nas suas costas? – Eu perguntava diretamente para ele se abrir.
Vigário era fechado, mas sempre bem direto.
Então para conseguir fazer ele se abrir não podia dar muita volta.
Se ele se sentisse seguro e confortável, seria direto e se abriria.
E eu sabia que o peso da investigação do desaparecimento do irmão de Ari com um recente
termino de relacionamento, tinha derrubado ele um pouco.
- Existe dias bons e dias ruins, e estou intercalando eles um pouco.
Nada de mais.
Tudo normal no mundo de Vigário. – Ele respondia com um real sentimento.
Essa coisa do equilíbrio, que para um libriano faz parte do dia a dia, é um pouco mais complicado para um aquariano.
Eu tenho uma teoria que o aquariano flerta com a esquizofrenia.
Ele é um ser de um dualismo enorme, que é a base de alguém de aquário.
O libriano lida muito bem com isso.
A pessoa de Gêmeos, ignora isso e usa suas duas personalidades para interagir com essa dualidade.
Mas o aquariano vive uma única personalidade, tentado ser os dois.
Vigário é exatamente isso.
E todo mundo conhece um Vigário.
A frieza e a empatia no mesmo lugar.
O melhor conselheiro e ouvinte, ao mesmo tempo que se tranca na sua solidão.
Um moderno que pensa no passado.
Um espírito feliz como poucos que vive lutando contra a assombração da depressão.
Esse tipo de dualidade que faz do aquariano um ser que por essência está sempre flertando com a loucura.
Uma vez eu pedi a ele para fazer o mapa astral.
Ele se recusou educadamente, dizendo que não acredita nessas coisas.
Como ele gostava de dizer, estrela nenhuma era culpada pelo canalha que ele se tornara.
E essa talvez seja uma das poucas coisas que não vejo nele como um bom aquariano.
Ele não fala o que você quer ouvir.
Ele não é um conquistador barato, muito menos se envolve com facilidade.
Nunca tivemos nada, somos grandes amigos e mesmo em algumas situações que poderia ter acontecido algo, ele se afastou em proteção no que parecia ser para me proteger.
Também não me lembro de ver ele com uma aquariana, mas gostaria.
Acho que essa mistura de loucuras talvez seja o caminho certo, mas ele não me ouve.
Prefere se relacionar com os estilos mais diferentes possíveis, que eu mesmo não consigo entender como ele se adapta tão fácil as coisas tão distintas.
E assim como eu, por algum motivo, ele tem algum sofrimento vindo da casa de peixes no amor.
Partilhamos muita coisa, sendo vizinhos de signo.
Aquário e peixes são um dos poucos que sabem sobreviver em água quente e fria.
E por essa parceria, eu criei um vínculo muito forte de amizade com esse ser metódico e apaixonante que é vigário.
Um metódico mais por individualismo, diferente de um Virginiano metódico por pura loucura mesmo.
E vou sempre brigar por ele.
Mas estou proibida de fazer seu mapa astral para descobrir suas fraquezas.
Você que é de aquário com certeza se vê espelhado em muita coisa do Vigário.
Sua liberdade é seu maior bem.
Qualquer coisa que ameace isso, acaba com sua essência.
Tira seu sentido de viver.
E eu sei que por mais que essa casca faça parecer que vocês são um iceberg, são seres amáveis que só precisam sempre lutar por evolução na relação de como demonstrar o sentimento que vocês têm.
Eu não tenho nenhum problema com signos, talvez com Áries, porque eles nascem problema.
Mas sempre tive algo especial por aquário.
Essa loucura, que é algo que não tenho, parece ser o caminho mais próximo de uma receita para felicidade.
Todos os signos buscam por isso.
Mas aquário está anos-luz a frente nessa busca.
Eu podia ficar aqui no auge da minha ironia de uma pisciana, dando agulhadas em todos os signos.
Mas não sou de escorpião.
Então, segui o caminho de outra casa, com vigário tivemos nossa noite de taurinos, e mergulhamos de cabeça naquela enorme variedade de sanduíches que havíamos comprados.
Comida era a parte final da terapia.
Um aquariano frio e uma pisciana sensível com a energia da velha Florença tendo o dia de ascendente em touro.