quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Nunca minta para um mentiroso

 




Eu era um escritor e com isso ganhava dinheiro com mentiras.

Mentir era um dom, que me deu todo o meu pequeno império, ou seja, minha carreira.


E por causa desse meu dom, eu tive que me especializar em tudo que uma mentira gerava.


Eu era ótimo em identificar mentirosos.


Até mesmo os que acreditavam na sua própria mentira.


E la vinha mais uma mentira.


Eu estava em uma semana de bastante trabalho.


Sentia uma ansiedade novamente forte como não sentia em muito tempo.


Também era mês de dezembro, um mês chato e que me incomodava todos os anos.


Dezembro as pessoas se colocam em uma posição onde não existem energias ruins.


Todo tom de falsidade e sorrisos, que nem mesmo um abraço no seu inimigo ao lado é um problema.


Tirando os religiosos e as crianças, o resto esta vestindo as roupas de um mentiroso por um tempo.


Mas não vim aqui ser o estraga vibe de natal.


Naquela manhã, após ouvir da Maeve que ela estava muito orgulhosa de eu ter voltado a produzir como nos velhos tempos, ela me pedia para descansar.


Eu estava me sentindo estafado e devido à ansiedade latente, eu parecia não perceber que estava perto de um colapso.


Mas ela percebeu.


E como minha agente de tantos anos, me obrigou a parar uns dias.


Agradeci e resolvi apenas finalizar meus emails para então tentar descansar minha mente.


E la estava um email que me tirava um sorriso sem ao menos ser aberto.

Assunto: Ao rei canguru que declinou do seu trono.


E eu já sabia que era um email da minha Aussie girl.


O email começava com sua última mensagem depois da nossa despedida.


“Você nunca vai encontrar a mesma pessoa duas vezes, nem mesmo na mesma pessoa…

Não sinto sua falta, mas espero que você esteja bem.

Lembrei de você lendo seus últimos contos que se tornaram bastante popular aqui na Austrália depois que você escreveu sobre uma musa australiana.

Aqui, aparentemente te deram o título de rei dos cangurus, mesmo sem você ter desafiado um canguru macho alfa de uma trupe.

Ouvi uma espécie de história feita em podcast, como um audiobook, que parece ter o espirito da sua escrita.

Te indicar parecia ser o certo a se fazer.

Espero que aproveite e lembre de mim de alguma forma.

Hooroo”

Ela se despedia com seu tradicional tchau australiano e deixava um link para a história que ela citava na mensagem.

Eu podia reconhecer todas as palavras que ela escolheu a dedo para encobrir seu real interesse em me mandar a mensagem.

Meu cérebro funcionava assim, sempre lendo nas entrelinhas esses movimentos sobre uma pessoa que estava sendo verdadeira ou não.

Ela já começava o texto brincando com uma pequena mentira, “não sinto sua falta”, exatamente como foi a mentira da nossa despedida, “não iremos nos falar mais” e dias depois eu recebia uma mensagem.

Existe mentiras que você cria para um jogo social e existe mentiras que vão moldando seu caráter.

As mentiras que moldam seu caráter são as que vão te definir para o futuro, não importa se você tem um sorriso bonito e engana dois ou três.

Com o tempo alguém vai te ler, assim como eu tenho bastante facilidade com essa leitura e seu personagem será jogado no limbo.

E não pense que você vai ficar sozinho.

Esse é o maior engano e a ameaça mais errada que as pessoas fazem a um mentiroso.

Vão ficar do seu lado pessoas que irão usar sua fraqueza para proveito próprio.

Quando você perceber, sua vida já vai ter sido direcionada por um monte de mentirosos feito você foi.

Mas quem sou eu para falar mal de mentiras aqui.

Eu vejo a mentira como uma arte.

Estudei não só para escrever mentiras, como nos meus tempos de investigador particular com John, famoso Kozlowski naquela época, fizemos cursos de psicologia criminal para ajudar nos nossos casos.

Bem verdade que toda essa especialização me ajudou mais a ler um mentiroso do que a procurar uma amante de algum marido infiel que era o padrão dos nossos clientes na época.

Mais aprendemos bastante, principalmente a identificar mudanças na postura corpora e ver aspectos que a mentira se mostrava na pessoal, como mudanças no tom de voz, respiração e recursos linguísticos.

Resolvi então tomar um banho quente e coloquei aquela serie que tinha vários episódios para tocar.

E parece que fui engolido para outra dimensão.

Eu comecei a comer aquilo dia e noite.

Era uma rede de mentiras e reviravoltas que me deixavam excitados e me traziam vários sentimentos diferentes.

Uma das personagens principais tinha uma voz que me lembrava de uma personagem que eu tinha uma paixão platônica quando era adolescente.

E aquilo me dava uma sensação que me prendia mais ainda.

Por alguns dias eu criei a rotina para continuar ouvindo aquela historia.

Que era dividido em 4 momentos do dia.

Fazer uma caminhada de manhã.

Tomar um longo banho quente.

Fazer alguma receita para uma refeição.

E quando fosse dormir deixar tocar.

Essa ultima era a mais doida.

No dia seguinte eu voltava da onde minha memória me dizia que eu podia ter ouvido antes de dormir.

Mas aquela historia continuava enquanto eu dormia, e como por osmose influenciava nos meus sonhos.

E eu estava fascinado pelo mundo que estava de frente.

A história era atraente, os personagens te prendiam e faziam você se importa, além da forma de se comunicar e contar uma história que para mim era completamente nova.

Não existe uma forma de se comunicar absoluta, existe é a comunicação.

Depois de morar fora, convivendo com outra língua, você percebe que se comunicar é o que importa e não como.

Aqui você pode se limitar.

Quando não se abre para esse mundo enorme de formas de se comunicar.

De linguagens, de culturas e de pessoas.

Algumas pessoas percebem que suas mentiras só funcionam em um grupo, então se fecham neles e se sentem desconfortáveis em outros grupos.

Até nisso a mentira tem um padrão.

Eu ainda não terminei a história.

Já me peguei sendo enganado algumas vezes na história, e resolvi escrever antes de qualquer frustração de um capítulo final da obra.

Capítulos finais são o problema de qualquer história, então a preparação é sempre bem-vinda.

Deve ser por isso que não gosto de finais nos meus contos.

Sempre deixo em aberto, até mesmo porque na arte da mentira o ideal é deixar que a pessoa que esta sendo enganada complete algumas lacunas.

E aí você consegue criar uma mentira perfeita.

É fácil.

Faça o teste do vigário.

Coloque uma roupa bonita, faça seu passo a passo normal como se fosse sair, sorria em frente ao espelho e pergunte em voz alta.

Qual é a mentira perfeita?

Sua resposta virá.