domingo, 29 de dezembro de 2024

Folie à Deux

 




Maeve tem vontade de me matar sempre que vê um título de conto meu.

Ela diz que eu não trabalho com os algorismos da internet.

Eu realmente não me importo com essas modernidades.

Minha obra se cria do nada, o que acontece pós isso, realmente não me importa.

Folie à Deux

Nome de um capítulo do meu novo livro.

“Transtorno delirante induzido ou perturbação delirante partilhada.”

Uma obsessão compartilhada entre dois indivíduos que respiram o delírio do outro.

A sensação que eu tenho é que vejo vários casais vivendo essa doença sem perceber.

Um começa a mergulhar na paranoia do outro.

Você não consegue identificar quem é o dono do delírio que passa isso para seu companheiro como um vírus.

Eu e a Mafiosa.

O que tinha um tom de relacionamento com pretensões de futuro parecia estar se tornando algo meio toxico.

Mas no primeiro momento, pensei, ela só é possessiva.

Sangue italiano, filha de uma das maiores famílias da máfia de Nápoles.

Ela conseguiu com esse territorialismo me afastar da Cartomante.

O que, de certa forma, ela fez bem, já que a Cartomante tinha o potencial de ser quem me tirasse daquela loucura que eu tinha me enfiado.

A Mafiosa aqui vai ser descrita apenas no cenário anterior aos eventos do fatídico dia de Florença.

Depois de alguns encontros, ela decidiu que a gente tinha um potencial absurdo para ser um casal.

Eu não tinha feito essa analise, estava só vivendo.

Viver é algo fácil de se fazer, se você caminha com os olhos fechados.

E la estava eu, vivendo um dia de cada vez, sem grandes pretensões.

A cegueira às vezes é uma escolha, assim como a ignorância.

Mas essa coisa toxica dela estava se mostrando demais, até mesmo para mim e minha miopia seletiva.

Já estava afastado da Cartomante quando ela recebeu uma ameaça anonima para não pisar mais em Florença.

Aquilo mexeu comigo.

Me ligou um certo alerta.

E dali resolvi diminuir um pouco essa cegueira.

Fui para a fase seguinte.

A fase do observe, não absorva.

Talvez eu tenha observado demais sem nenhuma atitude.

E aquilo foi me moldando.

Um dia me peguei com ciúmes dela, por alguma cena que ela criou, que nem ao menos lembro.

E aquele foi o segundo alerta.

Eu nunca tive ciúmes.

Minha insegurança nunca foi negada, mas não para relacionamentos.

Sempre fui entediado demais para isso.

Mas aquilo fez brilhar os seus olhos.

Como se fosse uma forma de amor.

E ela esperava aquilo desde então.

Entao começou a fase onde ela estava sempre com raiva e agressiva.

E comecei a me pegar mais estressado do que o habitual.

Flertando com a possibilidade de uma raiva quase impossível de controlar.

Aquilo não era eu.

Um dia, sentado com meu amigo mimico bebendo umas cervejas de frente para um por do sol lindo de Florença, ele me falou sobre essa teoria.

A teoria onde dois indivíduos começam a compartilhar delírios, bipolaridades e outras pertubações.

Dentro da Folie, um dos indivíduos esta verdadeiramente doente, o outro esta apenas sendo afetado por esse transtorno.

Separando, você já consegue distinguir quem é o dono dessa síndrome.

Aquilo parecia um toque de um amigo.

Naquele fim de tarde, ela apareceu e de forma brusca e mal-educada, chegou na mesa dizendo que eu precisava sair com ela ao invés de perder meu tempo com qualquer um.

Enquanto eu ia indo embora constrangido, o meu amigo mimico levantava o copo como uma saudação e simulava um choro com o melhor que sua arte podia entregar.

Ali eu percebi que eu estava perdido.

Perdido em um mundo cruel.

Logo após aquele episodio, comecei a me colocar na posição de analisar esses fatos.

Como se eu estivesse de fora.

Faith não gostava muito da Mafiosa, e se sentia meio impotente perto dela.

Parecia até me evitar por essas épocas.

De modo geral, todos da galera tinha um afastamento quanto a ela.

Rudolph que nesse tempo de Florença eu convivi um pouco mais, era o único que agia de forma mais ríspida com ela.

Eles se odiavam.

E não faziam muita questão de representações na minha frente quando se viam.

Quando dei por mim, eu estava adquirindo todos esses delírios de ciúme e posse que ela tinha.

E as verdades dela, iam me levando para um cenário que não existia.

Ela já fazia minha cabeça para o conluio dos meus amigos para nos separar.

Era isso, eu estava compartilhando os delírios dela.

Como algo divino, resolvi sair daquele relacionamento.

E logico que abri as portas do inferno com isso.

Mas essa parte da história você não lerá nos contos soltos.

Foi fácil perceber que aquela obsessão e fase delirante tinha uma nascente.

E assim que fui afastado, voltei a ser o mesmo entendiado de sempre.

Sem grandes alterações de humor, um velho rabugento padrão.

Na prática, a teoria do mímico se mostrou eficaz.

Engraçado como hoje eu percebo o quão cego eu estava e quanto coisa eu poderia ter evitado.

Mas já brinquei de culpa tempo demais.

Você faz a merda, assume e vai de peito aberto para todas as consequências que vem com a sua atitude ou falta dela.

Sempre fui um apaixonado e posso dizer que até mesmo um viciado em mulheres loucas.

É uma beleza que se apresenta diferente e que normalmente se mistura com a minha.

Acaba rolando uma espécie de simbiose entre essas loucuras.

Esse é o melhor dos amores.

Quando a sua insanidade se encaixa com a insanidade de alguém e vira algo positivo.

Mas como tudo que é bom, é muito fácil de se perder nesse caminho.

Então boicote ao amor.

Não pense duas vezes.

Evite se transformar no palhaço apaixonado que coloca fogo no circo.

No momento estou mergulhando em diferentes loucuras.

Entrei em uma fase de caos.

Por escolha.


Acho que era uma adrenalina necessária para eu não me perder do personagem.


Mas no ritmo que esta, seria um favor que a mafiosa me derrubasse desse trono da liberdade.

Se existe droga mais potente que a liberdade, ainda não experimentei.


Não existe delírio a dois que alcance os danos que sua liberdade pode te dar.

Então coloque um sorriso nesse rosto, e surfe essa onda que é a loucura da vida.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Nunca minta para um mentiroso

 




Eu era um escritor e com isso ganhava dinheiro com mentiras.

Mentir era um dom, que me deu todo o meu pequeno império, ou seja, minha carreira.


E por causa desse meu dom, eu tive que me especializar em tudo que uma mentira gerava.


Eu era ótimo em identificar mentirosos.


Até mesmo os que acreditavam na sua própria mentira.


E la vinha mais uma mentira.


Eu estava em uma semana de bastante trabalho.


Sentia uma ansiedade novamente forte como não sentia em muito tempo.


Também era mês de dezembro, um mês chato e que me incomodava todos os anos.


Dezembro as pessoas se colocam em uma posição onde não existem energias ruins.


Todo tom de falsidade e sorrisos, que nem mesmo um abraço no seu inimigo ao lado é um problema.


Tirando os religiosos e as crianças, o resto esta vestindo as roupas de um mentiroso por um tempo.


Mas não vim aqui ser o estraga vibe de natal.


Naquela manhã, após ouvir da Maeve que ela estava muito orgulhosa de eu ter voltado a produzir como nos velhos tempos, ela me pedia para descansar.


Eu estava me sentindo estafado e devido à ansiedade latente, eu parecia não perceber que estava perto de um colapso.


Mas ela percebeu.


E como minha agente de tantos anos, me obrigou a parar uns dias.


Agradeci e resolvi apenas finalizar meus emails para então tentar descansar minha mente.


E la estava um email que me tirava um sorriso sem ao menos ser aberto.

Assunto: Ao rei canguru que declinou do seu trono.


E eu já sabia que era um email da minha Aussie girl.


O email começava com sua última mensagem depois da nossa despedida.


“Você nunca vai encontrar a mesma pessoa duas vezes, nem mesmo na mesma pessoa…

Não sinto sua falta, mas espero que você esteja bem.

Lembrei de você lendo seus últimos contos que se tornaram bastante popular aqui na Austrália depois que você escreveu sobre uma musa australiana.

Aqui, aparentemente te deram o título de rei dos cangurus, mesmo sem você ter desafiado um canguru macho alfa de uma trupe.

Ouvi uma espécie de história feita em podcast, como um audiobook, que parece ter o espirito da sua escrita.

Te indicar parecia ser o certo a se fazer.

Espero que aproveite e lembre de mim de alguma forma.

Hooroo”

Ela se despedia com seu tradicional tchau australiano e deixava um link para a história que ela citava na mensagem.

Eu podia reconhecer todas as palavras que ela escolheu a dedo para encobrir seu real interesse em me mandar a mensagem.

Meu cérebro funcionava assim, sempre lendo nas entrelinhas esses movimentos sobre uma pessoa que estava sendo verdadeira ou não.

Ela já começava o texto brincando com uma pequena mentira, “não sinto sua falta”, exatamente como foi a mentira da nossa despedida, “não iremos nos falar mais” e dias depois eu recebia uma mensagem.

Existe mentiras que você cria para um jogo social e existe mentiras que vão moldando seu caráter.

As mentiras que moldam seu caráter são as que vão te definir para o futuro, não importa se você tem um sorriso bonito e engana dois ou três.

Com o tempo alguém vai te ler, assim como eu tenho bastante facilidade com essa leitura e seu personagem será jogado no limbo.

E não pense que você vai ficar sozinho.

Esse é o maior engano e a ameaça mais errada que as pessoas fazem a um mentiroso.

Vão ficar do seu lado pessoas que irão usar sua fraqueza para proveito próprio.

Quando você perceber, sua vida já vai ter sido direcionada por um monte de mentirosos feito você foi.

Mas quem sou eu para falar mal de mentiras aqui.

Eu vejo a mentira como uma arte.

Estudei não só para escrever mentiras, como nos meus tempos de investigador particular com John, famoso Kozlowski naquela época, fizemos cursos de psicologia criminal para ajudar nos nossos casos.

Bem verdade que toda essa especialização me ajudou mais a ler um mentiroso do que a procurar uma amante de algum marido infiel que era o padrão dos nossos clientes na época.

Mais aprendemos bastante, principalmente a identificar mudanças na postura corpora e ver aspectos que a mentira se mostrava na pessoal, como mudanças no tom de voz, respiração e recursos linguísticos.

Resolvi então tomar um banho quente e coloquei aquela serie que tinha vários episódios para tocar.

E parece que fui engolido para outra dimensão.

Eu comecei a comer aquilo dia e noite.

Era uma rede de mentiras e reviravoltas que me deixavam excitados e me traziam vários sentimentos diferentes.

Uma das personagens principais tinha uma voz que me lembrava de uma personagem que eu tinha uma paixão platônica quando era adolescente.

E aquilo me dava uma sensação que me prendia mais ainda.

Por alguns dias eu criei a rotina para continuar ouvindo aquela historia.

Que era dividido em 4 momentos do dia.

Fazer uma caminhada de manhã.

Tomar um longo banho quente.

Fazer alguma receita para uma refeição.

E quando fosse dormir deixar tocar.

Essa ultima era a mais doida.

No dia seguinte eu voltava da onde minha memória me dizia que eu podia ter ouvido antes de dormir.

Mas aquela historia continuava enquanto eu dormia, e como por osmose influenciava nos meus sonhos.

E eu estava fascinado pelo mundo que estava de frente.

A história era atraente, os personagens te prendiam e faziam você se importa, além da forma de se comunicar e contar uma história que para mim era completamente nova.

Não existe uma forma de se comunicar absoluta, existe é a comunicação.

Depois de morar fora, convivendo com outra língua, você percebe que se comunicar é o que importa e não como.

Aqui você pode se limitar.

Quando não se abre para esse mundo enorme de formas de se comunicar.

De linguagens, de culturas e de pessoas.

Algumas pessoas percebem que suas mentiras só funcionam em um grupo, então se fecham neles e se sentem desconfortáveis em outros grupos.

Até nisso a mentira tem um padrão.

Eu ainda não terminei a história.

Já me peguei sendo enganado algumas vezes na história, e resolvi escrever antes de qualquer frustração de um capítulo final da obra.

Capítulos finais são o problema de qualquer história, então a preparação é sempre bem-vinda.

Deve ser por isso que não gosto de finais nos meus contos.

Sempre deixo em aberto, até mesmo porque na arte da mentira o ideal é deixar que a pessoa que esta sendo enganada complete algumas lacunas.

E aí você consegue criar uma mentira perfeita.

É fácil.

Faça o teste do vigário.

Coloque uma roupa bonita, faça seu passo a passo normal como se fosse sair, sorria em frente ao espelho e pergunte em voz alta.

Qual é a mentira perfeita?

Sua resposta virá.