domingo, 27 de novembro de 2016

A experiencia do divã







Estava eu no divã, algo incomum de ser pensar.

Estava fazendo uma espécie de laboratório para um dos meus livros.

Meu psicólogo tinha sido indicado por John, e não parecia ser a pessoa certa para me ouvir.

Tinha um ar centrado e careta, de quem não entenderia nem o inicio de meus pensamentos.

Vou ser uma viagem de ácido para ele - pensei.

Ele tinha todos os títulos de um profissional bem gabaritado e com seu semblante tranquilo, procurou juntar todas as peças do meu quebra cabeça, como ele se referiu aos meus relatos.

Segundo ele, eu só não tinha foco em juntar as coisas, em unir tudo que acontece na minha vida, para viver uma coisa só, o que realmente parece ser um bom entendimento inicial.

Vivo como se fosse varias vidas.

Na sua analise, era algo comum de alguém que ganha a vida com ficção.

Cada personagem, cada personalidade, afeta um pouco no meu eu ,nunca o contrario.

Em suas palavras, minha cabeça parecia ser bem mais sã ,do que sempre imaginei.

- A loucura é algo relativo, mas com certeza quem vive com a mente em expansão ,tende a ser mais normal – falou sorrindo

Aquilo me deixou um pouco incomodado, sempre me senti bem no papel de ser um louco sem conserto.

Talvez fosse mais fácil pensar assim, para que o erros não tivessem maiores proporções pelo menos na minha cabeça.

Deitar no divã me deixou incomodado ,o fato de me abrir me deixou sentindo a sensação de que estava me despindo de minhas defesas.

Pensando bem, já tinha um divã no dia a dia, do qual abria mão de minhas defesas da mesma forma, e era em qualquer bancada de bar sem glamour ,com bêbados,maltrapidos
, um garçom ignorante e ao mesmo tempo solidário e mulheres loucas.

Esse sempre foi o meu divã preferido.

Tinha que reconhecer o potencial do meu psicólogo.

E
le não era blasé como imaginei, pelo contrario, se mostrava ligado emocionalmente na tentativa de entender como deveria reagir a fatos e acontecimentos da minha vida.

Ele acreditava que eu tinha uma maior tolerância do que pensava  a minha depressão, e que me alimentava dela para continuar.

O que estranhamente fazia sentido.

Desde que passei pela experiência de ajudar um amor antigo na sua luta contra a depressão, comecei a me alimentar dessa energia.

Tentava sugar sua negatividade para mim, para que ela pudesse diminuir o peso em suas costas.

Grande engano, ela não melhorava e eu me afundava nessa rotina.

Com menos de uma hora de conversa ali deitado, meu nobre psicólogo percebia isso como se tivesse escrito em um dos meus livros.

Em algum momento daquela consulta, o relógio apitou e ele me informou de que nosso encontro havia terminado.

Ele era também psicólogo de John, e já conhecia algumas coisas do meu perfil  de vida.

-Talvez em uma próxima visita ,eu traga um uísque para que você possa ainda mais abrir sua mente na consulta, não é usual, mas ter um escritor no meu divã também não. – falou me pegando de surpresa.

- Doutor, podemos marcar essa próxima consulta no bar da esquina então, seu divã não é lá dos mais confortáveis e estou com a garganta seca. – falei sem nenhuma intenção de ser analisado novamente.

Apenas apertamos as mãos, e sorrindo, sai dali.

Não era nada confortável ser analisado por alguém.

B
aixar suas defesas é algo difícil de fazer, mas para meu laboratório já conseguia o material que queria.

Podia sentar e voltar a escrever meu livro, depois dessa experiência constrangedora, mesmo com alguns bons frutos colhidos.

O que melhora sua vida são loucos amores, boas bebidas e experiências fora da zona de conforto.
Resumindo, viver a vida entorpecido sempre foi uma boa saída.

Um dia a ficha cai e você usa para apostar





Vai ser só uma questão de tempo, para ela perceber o quanto eu sou desprendido de mim mesmo.

Eu me engano tão bem com esse papo de lobo solitário, que ela tomou isso para si como uma verdade absoluta e decidiu não apostar.

Na verdade eu não cresço solitário, eu só sou anestesiado pelas sombras.
A solidão funciona melhor que cocaína.

Mesmo com meus lapsos, eu resolvi tentar dar lhe o mundo.


Mas em algum momento ela foi demonstrando que era pouco, e que eu não conseguiria dar o suficiente.

Desse momento em diante eu resolvi começar a desistir dela.

Mesmo sentindo amor, já aprendi em experiências anteriores que você não joga o jogo sem que a outra pessoa queira continuar jogando.

Eu demonstro força e individualismo ao mesmo tempo em que demonstro fragilidade e dependência.

Sempre fui  menos sentimentos e mais razão, o que sempre complica as coisas.

Mas como um grande apreciador das jogatinas, resolvi apostar todas minhas ficha nela.

Eu disse que estaria aqui agora, mas que se fosse embora iria de verdade.

Sempre fui um bom jogador e levei isso para vida.
B
lefo na hora certa e percebo a hora de apostar, pois bem, dessa vez perdi minhas fichas.

A quem diga que nunca penso em ninguém, o que é uma falácia.

Na verdade, sou muito bom em me reerguer sozinho, mas para caminhar, sempre estou com alguém como motivação das minhas apostas.

Ela não percebeu isso e incorreu no mesmo erro de muitos ao meu lado.

Eu transpareço tanta loucura, que ela teve medo de se jogar de cabeça.

mas como sempre digo, não vai dar sempre o vermelho na roleta.

Uma hora seu blefe falha também, e você é surpreendido, porque a casca que você criou te deixa um pouco arrogante sem perceber.

Mas isso é só um problema temporário.
Sempre vivi de ciclos, essa coisa de viver a vida como um bloco único é um erro.

Um ciclo se fecha, você sofre e começa outro ciclo.

Sofrimento vai sempre aparecer de algum jeito, sempre estive fadado a isso.

Como eu disse, é do jogo, se você tem noção das regras fica tudo mais fácil.

Com alguns textos escritos, um bom trago e estou renovado e com novas fichas na mão para voltar às apostas.

Vai ser sempre esse o jogo, ate que o cassino feche.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

A carta de despedida








Acordo atordoado e quando olho não estou no meu quarto.

Parece que passei da conta ontem de novo – penso

A neblina da minha visão vai se dissipando e quando dou por mim percebo que estou no meio do nada.

Um deserto ou algum tipo de planície é onde me encontro.

A uns metros tem um cara sentado ,eu me direciono a ele.

- O que é esse lugar? – perguntei

- Olá vigário precisava de alguém para me ajudar com uma carta, e parece que você foi o selecionado. – falou o homem com um tom calmo

Resolvi sentar do lado dele, porque aquilo ali era estranho de mais para eu tentar achar uma lógica.

- Que carta seria essa? – falei já meio entediado

- É uma carta de pós morte, acabei de falecer e seria bom deixa algumas boas palavras para quem deixei para trás. – falou olhando para horizonte

Me deu um bloquinho e caneta e pediu para que eu escrevesse como se fosse uma carta que eu deixaria.

- Não sei para quem escrevo e nem as condições da sua morte - retruquei

 Fazia todo sentido essas informações para minha forma de trabalhar.

- Eu desisti da vida, não via mais sentido e então resolvi usar o famoso livre arbítrio e deixar o jogo. – falou com o tom pesado em suas palavras.

- Não tinha mais forças para continuar, minha situação financeira era ruim, meu psicológico já estava em frangalhos e imaginei não fazer falta a ninguém, talvez até de uma espécie de alivio. – lamentou-se

- Então você é um suicida, e analisando o que dizem sobre suicidas, aqui deve ser o inferno, onde futuramente devo vir prestar contas. – falei sem nenhuma crença em minhas palavras.

 Se fui julgado a ir para o inferno, já cumpri minha pena em vida – ironizou ele

- Não se preocupe com meu julgamento ou o lugar onde você está no momento, e sim na carta.

- Deixei uma filha linda ,que nem cheguei ouvir me chamar de pai. Além disso, minha mulher me largou e foi morar em outro estado, e eu fiquei aqui remoendo todo esse sofrimento.

Eu já começava a escrever uns rascunhos sem perceber.

- Você amava sua esposa? – perguntei

- Como nunca amei ninguém – respondeu

- Então você foi um egoísta do caralho, não acha? – indaguei

- Talvez, por isso que você está aqui, para transmitir no papel o meu pedido de perdão sincero.

Percebi que descia lagrimas do seus olhos.

Instantaneamente comecei a escrever sentindo me ligado a vida que aquele  homem viveu, sentia seu real sentimento.

Depois de algum tempo concentrado, a carta estava pronta.

- Espero que você me pague uma dose por ela – falei entregando a carta

Ele apenas sorriu e resolveu ler a carta em voz alta




“Essa carta é um pedido de desculpa para todas as pessoas importantes na minha vida.

Sei o quanto lutaram por mim e o quanto se esforçaram para me fazer feliz.

Sinto me responsável pela dor de vocês, e se pudesse carregava toda dor comigo.

Mas não posso ser mais responsável por continuar criando toda essa dor.

Cheguei a um ponto onde realmente desisti de continuar, e não queria ser uma barreira no progresso de todos ao meu redor.

Aos meus pais, apenas quero me desculpar por não ser o resultado final do projeto de sucesso que vocês tinham em mente.

A minha família, simplesmente sempre procurei me manter afastado, e talvez esse tenha sido um dos grandes acertos da minha vida, mesmo que alguns familiares  não merecesse essa falta de consideração.

Aos meus amigos que sempre foram de um amor cego na tentativa de me resgatar desse poço sem fundo.
Poucos ,mas com um empenho enorme.
Tive a honra de participar de bons e maus momentos com vocês, e levo esse sentimento tatuado no coração.

A minha filha, a quem devo o maior pedido de perdão, por abrir mão da oportunidade de fazer parte da sua criação.
De dar todo o amor que ela merece ter.
Mas algum dia espero que entenda que nunca foi por sua culpa, e que você não merecia levar esse fardo que era me ter como pai em sua vida.

E ao meu amor, que amei como a nenhum outro, meu pedido de perdão é por não demonstrar isso da forma correta.
Sempre fui bem seco e nunca lidei bem com a demonstração de afeto.
Porem te amei mais que tudo.
Você é uma mulher maravilhosa que merece o melhor da vida.
Me apaixonei desde minha adolescência e foi lá que tive certeza que você seria a melhor coisa da minha vida.

Sobre meus bens, não há nada além de uns poucos livros, que ficaria feliz se meus amigos e quem fez parte da minha vida pegasse algo e o que sobrasse fosse doado.

Com todo amor deixo essa carta, e aqui deixo meu pedido de perdão mais sincero.
É difícil desistir do que se ama, mas minha vida sempre foi feita dessas escolhas.

Ass:  O babaca mais egoísta que vocês conheceram.”




- Uau, você sabe mesmo usar o poder das palavras – falou parecendo admirado

E esticou o braço na minha direção me dando a carta de volta

- Eu também vou entregar? Terá que pagar duas doses, afirmei

- Acredito que você vai deixar em cima da sua mobília na hora certa – falou rindo e se afastando

E enquanto ele se afastava, eu ia perdendo o foco da imagem dele até que simplesmente tudo virou apenas uma escuridão.

Sinto um peso no corpo e quando abro os olhos, vejo ali minha gata filé de peixe lambendo suas patas deitada no meu peito.

Levanto do sofá e estou suando e com a garganta extremamente seca.

Indo em direção a geladeira ,vejo um copo cheio com uísque na escrivaninha e embaixo dele uma carta fechada.

Na frente da carta dizia “O babaca mais egoísta que vocês conheceram”.

Tomo a dose em uma só golada, amasso a carta e jogo na lixeira.

Não vai ser dessa vez que vou deixar esse tipo de correspondência, afinal ele só deixou uma dose.

domingo, 13 de novembro de 2016

O voo do Vigário






Um dia chuvoso, e eu só queria curtir minha solidão em paz.

Quando o sacana do John, famoso por essas bandas de cá pelo nome de Kozlowski, resolve dar as caras.


Ele já me conhecia o suficiente para saber que a campainha não teria o efeito esperado.


Pegou a chave em uma falsa gaveta que tenho do lado de fora da casa e saiu entrando.


Para sua sorte, eu não estava caído de bêbado.

Estava sentado na minha poltrona, tentando escrever algo para minha coluna em um jornal online.


Chamo esses tempos atuais de idade das trevas.

Porque esse mundo online é a pior merda que inventaram.

E por que esse velho rabugento, para continuar ganhando dinheiro escrevendo, foi obrigado a se adaptar a esses tempos, por uma promessa feita em um cemitério.


Essa merda toda de palavras abreviadas, de opiniões sobre tudo, de pseudo intelectuais da rede, tudo isso para minha pessoa era de revirar o estômago.


Merda de promessa, pensei.


O Canalha do John entra na minha casa com seu buldogue inglês, o Lúcifer.

Que era uma coincidência irônica.

Já que na minha coluna, eu escrevia um conto sobre o anjo caído que veio para terra curtir sua solidão sem sangue ou tortura, e tentava se adaptar a essa nova realidade, com o foda se ligado para todo seu passado e agregados dele.


John já era advogado formado nesse tempo.


Já tinha seu escritório e veio a minha casa na intenção de me levar para uma viagem.


- John você deveria arrumar uma mulher ao invés de vir me encher o saco.


— Vigário, Ari me incumbiu da tarefa de levar você à Irlanda, pois ele se encontra com uma doença muito seria, e talvez role um último copo. – falou ele com tom penoso.

Eu sempre fui um filho da puta, mas depois da morte de Caroline, tinha a consciência pesada em relação à atenção dada aos meus amigos.


Ari fez faculdade de jornalismo comigo.

Era um dos poucos amigos que levei daquele campus.


Tinha um espírito de moleque, e era mais entediado que eu nos tempos da faculdade.


Um dia ganhou uma bolada de 80 milhões na loteria, e desde então vive pelo mundo.


No meu último aniversário, o desgraçado largou uma praia nas Maldivas para vir a minha casa, beber umas cervejas importadas que ele trazia consigo.


Sempre foi um grande amigo, mas eu nunca fui uma boa companhia.


 - Esse cara arrumou o quê?
Um câncer para me sensibilizar?
Que merda, avisei para ele que essas cervejas gringas são uma porcaria. - resmunguei.


- Não sei dizer Vigário, a coisa parece ser bem avançada.
Mandou vir aqui e te levar, por enquanto com a passagem só de ida. – continuava com sua cara de luto.

Minha úlcera gritava e eu não tinha o que fazer.

Gostava mais de mim quando não tinha essa porra de sensibilidade.


Além disso, essa época eu tinha acabado de levar um pé na bunda, e andava em uma melancólica que não tinha precedentes.


- Essa máquina de babar vai também? Perguntei.


Lúcifer já estava no meu colo mostrando todo seu carinho na forma líquida.


- Com certeza, hoje em dia ele vai até para o escritório comigo. – respondeu levando os olhos ao cão.

Com os olhos de John sobre mim, aparentemente esperando que eu fugisse pela janela, arrumei uma mala rápida, peguei meu passaporte e sai pela porta resmungando mais do que nunca.


Como Ari era milionário, a primeira classe estava lá com minha poltrona reservada.


Uma linda aeromoça de um sorriso largo trouxe minha dose de Jack Daniels e me informou que a poltrona do lado estava reservada e que por isso, eu não poderia deixar meu livro ali.


Achei estranha essa informação, pois o avião já estava voando e ninguém havia sentado.

Ignorei e continuei bebericando minha bebida.

- Parece que esse pé na bunda foi mesmo serio, para conseguirem te tirar de casa – falou uma voz gargalhando.

Olhei, e vi o “moribundo” Ari, ali parado na minha frente mostrando todos seus 200 dentes com uma grande felicidade visível.


- Você não estava morrendo em Dublin? – falei, agora entendendo que fui enganado.


Longe disso, mas preciso de você para um projeto e John disse que tinha um plano para te tirar de casa. 

A história foi ele que criou, está acostumado a criar fatos para as petições dele, então tem esse tom dramático. – falou tirando um peso das costas.


- Por isso odeio advogados – retruquei.


Na poltrona mais a frente, levantando seu copo, John e até mesmo Lúcifer pareciam gargalhar.


Eu olhava pela janela o sol se pondo em Dublin e pensava o que aquela terra reservava para esse velho deprimido.


Uma nova fase estava vindo por aí...