domingo, 13 de novembro de 2016

O voo do Vigário






Um dia chuvoso, e eu só queria curtir minha solidão em paz.

Quando o sacana do John, famoso por essas bandas de cá pelo nome de Kozlowski, resolve dar as caras.


Ele já me conhecia o suficiente para saber que a campainha não teria o efeito esperado.


Pegou a chave em uma falsa gaveta que tenho do lado de fora da casa e saiu entrando.


Para sua sorte, eu não estava caído de bêbado.

Estava sentado na minha poltrona, tentando escrever algo para minha coluna em um jornal online.


Chamo esses tempos atuais de idade das trevas.

Porque esse mundo online é a pior merda que inventaram.

E por que esse velho rabugento, para continuar ganhando dinheiro escrevendo, foi obrigado a se adaptar a esses tempos, por uma promessa feita em um cemitério.


Essa merda toda de palavras abreviadas, de opiniões sobre tudo, de pseudo intelectuais da rede, tudo isso para minha pessoa era de revirar o estômago.


Merda de promessa, pensei.


O Canalha do John entra na minha casa com seu buldogue inglês, o Lúcifer.

Que era uma coincidência irônica.

Já que na minha coluna, eu escrevia um conto sobre o anjo caído que veio para terra curtir sua solidão sem sangue ou tortura, e tentava se adaptar a essa nova realidade, com o foda se ligado para todo seu passado e agregados dele.


John já era advogado formado nesse tempo.


Já tinha seu escritório e veio a minha casa na intenção de me levar para uma viagem.


- John você deveria arrumar uma mulher ao invés de vir me encher o saco.


— Vigário, Ari me incumbiu da tarefa de levar você à Irlanda, pois ele se encontra com uma doença muito seria, e talvez role um último copo. – falou ele com tom penoso.

Eu sempre fui um filho da puta, mas depois da morte de Caroline, tinha a consciência pesada em relação à atenção dada aos meus amigos.


Ari fez faculdade de jornalismo comigo.

Era um dos poucos amigos que levei daquele campus.


Tinha um espírito de moleque, e era mais entediado que eu nos tempos da faculdade.


Um dia ganhou uma bolada de 80 milhões na loteria, e desde então vive pelo mundo.


No meu último aniversário, o desgraçado largou uma praia nas Maldivas para vir a minha casa, beber umas cervejas importadas que ele trazia consigo.


Sempre foi um grande amigo, mas eu nunca fui uma boa companhia.


 - Esse cara arrumou o quê?
Um câncer para me sensibilizar?
Que merda, avisei para ele que essas cervejas gringas são uma porcaria. - resmunguei.


- Não sei dizer Vigário, a coisa parece ser bem avançada.
Mandou vir aqui e te levar, por enquanto com a passagem só de ida. – continuava com sua cara de luto.

Minha úlcera gritava e eu não tinha o que fazer.

Gostava mais de mim quando não tinha essa porra de sensibilidade.


Além disso, essa época eu tinha acabado de levar um pé na bunda, e andava em uma melancólica que não tinha precedentes.


- Essa máquina de babar vai também? Perguntei.


Lúcifer já estava no meu colo mostrando todo seu carinho na forma líquida.


- Com certeza, hoje em dia ele vai até para o escritório comigo. – respondeu levando os olhos ao cão.

Com os olhos de John sobre mim, aparentemente esperando que eu fugisse pela janela, arrumei uma mala rápida, peguei meu passaporte e sai pela porta resmungando mais do que nunca.


Como Ari era milionário, a primeira classe estava lá com minha poltrona reservada.


Uma linda aeromoça de um sorriso largo trouxe minha dose de Jack Daniels e me informou que a poltrona do lado estava reservada e que por isso, eu não poderia deixar meu livro ali.


Achei estranha essa informação, pois o avião já estava voando e ninguém havia sentado.

Ignorei e continuei bebericando minha bebida.

- Parece que esse pé na bunda foi mesmo serio, para conseguirem te tirar de casa – falou uma voz gargalhando.

Olhei, e vi o “moribundo” Ari, ali parado na minha frente mostrando todos seus 200 dentes com uma grande felicidade visível.


- Você não estava morrendo em Dublin? – falei, agora entendendo que fui enganado.


Longe disso, mas preciso de você para um projeto e John disse que tinha um plano para te tirar de casa. 

A história foi ele que criou, está acostumado a criar fatos para as petições dele, então tem esse tom dramático. – falou tirando um peso das costas.


- Por isso odeio advogados – retruquei.


Na poltrona mais a frente, levantando seu copo, John e até mesmo Lúcifer pareciam gargalhar.


Eu olhava pela janela o sol se pondo em Dublin e pensava o que aquela terra reservava para esse velho deprimido.


Uma nova fase estava vindo por aí...


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