quarta-feira, 22 de julho de 2020

Não me arrependo de nada






Sempre tive um fascínio pela morte e pelo pós.

Há quem diga que sempre fui meio mórbido.

Eu prefiro dizer que as energias mais negativas me atraem.

Voltei para a bela Florença.

Mas o novo normal do mundo era estranho para mim.

Eu tinha mini ataques de ansiedade quando via muitas pessoas nas ruas.

Evitava sair desde então e vivia como uma sábio eremita.

Um ermitão alcoólatra.

Era eu, minha gata entediada e minhas garrafas.

Não tinha avisado para ninguém que estava na cidade.

Nem mesmo a Mafiosa, a cartomante ou meu amigo mímico.

Meu contato com o mundo era apenas com os entregadores de comida e bebida.

Eu estava quebrado.

O mundo parecia estar quebrado também.

Era fácil de identificar as rachaduras nas pessoas lá fora.

Os discursos egoístas.

A empatia tratada como uma idiotice ideológica.

Lá da minha janela com minha garrafa na mão, eu tentava entender o que era aquele momento.

A roda ainda girava mas o hamster estava morto.

E parecia que ninguém se importava.

Eu tinha a sensação que os dias passavam bem devagar.
No meio de toda essa loucura, parece que alguma engrenagem do planeta tinha sido afetada.

Talvez corrompida.

Eu tenho uma facilidade para identificar essas coisas, como bom e velho ser quebrado que sou.

Mas é difícil de passar por isso.

Eu tenho aquele aperto no coração o tempo todo.

Minha respiração está cada vez mais pesada.

Eu tenho tantos planos.

Tanta coisa entalada aqui que eu queria falar.
Mas tenho essa sensação de adeus diário.

Nem mesmo meus lobos querem sair da toca por esses dias.

Acredito que estou flertando com a loucura.

Caí dos céus como os anjos renegados.

Meus olhos me dão uma visão do mundo que parece ser um tipo de punição divina.

Se eu acreditasse nesse tipo de coisa.

Você não precisa ir ao inferno para ser punido.

A forma que você enxergar as coisas pode ser a pior das punições.

Em algum momento da quarentena ,eu sentei lá de frente para o pôr do sol esperando pelo o último dia do mundo.

Aquele evento apocalíptico digno de Hollywood.

Ou mesmo uma simples poeira que passaria finalizando tudo.

Nada disso aconteceu.

Se aconteceu, estou aqui sem a menor ideia de que já deixei de existir.

E sinceramente,não tenho arrependimentos.

Fui um ser livre desde sempre.

Pelo menos de alma.

Sempre fui leal ao que eu achava certo.

Aproveite todos os excessos que eu podia ter.

Trazia até o ultimo dia um resquício daquele fogo e espírito rebelde lá da minha juventude.

Errei para caralho.

Assumi ,peitei e me aceitei como um ser que erra.

Essa arrogância estúpida de querer cabeças por erros, nunca foi minha praia.

Pedir cabeças sempre foi o grito do lobo em pele de cordeiro.

Rancor sempre foi algo do qual eu mantinha para me manter alerta.

Mas esse gerenciamento é bem complexo e que te traz efeitos colaterais do qual você tem que ter certeza que os quer.
 
Mesmo isso, nesses últimos tempos eu larguei de lado.

Tive meus amores.

Sempre me entreguei a eles.

Uns deram mais certo que outros, mas todos me ajudaram a crescer como pessoa.

Não levo raiva de nada do passado em relação a isso.

O que é um peso a menos de se levar na alma nessa caminhada tortuosa.

Criei ótimas relações de amizades.

Aquela família verdadeira que não precisa de sangue para ser um dos seus.

Lutei.

Venci.

Perdi.

Sorri.

Chorei.

Bebi.

Acordei com aquela linda ressaca.

E bebi de novo.

Olhando bem não parece que foi uma vida ruim.

Tive uma carreira um pouco maior do que era minha intenção.

Isso aqui nunca foi uma ambição financeira.

Sempre foi uma espécie de terapia.

Talvez por isso eu tenha sido tão odiado por editoras e empresas desse ramo.

“Vigário e sua prepotência de se achar demais para nos.”

Meu tédio e desinteresse sempre foi mal interpretado.

Um dia minha terapia virou a terapia para outras pessoas.

Sem nenhuma intenção.

Isso me manteve aqui.

Sentado de frente para essa máquina velha e barulhenta.

Despejando palavras e pensamentos que aparentemente são capazes de direcionar as pessoas a um autoquestionamento.

Que na minha visão de mundo sempre foi a chave para a evolução pessoal.

Eu nunca fiz isso por dinheiro, e acho que esse foi o diferencial para os resultados que tive.

Pensar que alguém está sendo ajudado de alguma mínima forma por causa dos meus textos faz de mim alguém com uma felicidade diária.

É estranho como meus leitores, pessoas estranhas ao meu mundo, também me ajudam a refletir.

Recebo várias mensagens, com todo tipo de assunto e histórias dos meus leitores.

Até acompanho alguns de uma forma secreta e invisível.

Me preocupo com suas desilusões  e suas lutas diárias.

Acompanho suas depressões e suas reações as porradas da vida.

Me sinto de alguma forma responsável por eles.

E isso é muito bom.

Isso é a comprovação que com o passar dos anos, eu venho diminuindo aquele egoísmo de pensar só em mim.

Se você consegue se olhar no espelho e percebe uma evolução mínima que seja, você venceu como ser humano.

Esse texto em algum momento pareceu ter um tom de despedida que não existe.

Longe de mim escrever uma carta de despedida.

O mundo é muito louco.

Nessas horas passa o Zé Maria e por puro sarcasmo te puxa pelo braço.

Isso aqui nada mais é do que um autoquestionamento depois de toda essa loucura que o mundo vem passando.

E um amadurecimento de uma ideia que a Mafiosa me deu antes da quarentena.

De me colocar na posição de ser responsável por mais alguém.

Minha gata segundo ela não conta, por causa da sua independência.

Realmente existe momentos que acho que filé de peixe é quem cuida de mim.

Então hoje nessa pira louca sobre essa grande decisão, eu criei todos esses questionamentos.

Mas ok.

Foi positivo o resultado.

Eu resolvi dar esse próximo passo.

O nome do meu peixe beta é Da Vinci.

sábado, 4 de julho de 2020

Não é mais uma lenda indígena sobre lobos



Eu tenho dois lobos dentro da minha alma.

São eles que me guiam e influenciam minhas características.

Essa é a minha crença em relação a minha personalidade, diferente daquele papo de estrela, sol e ascendentes que Faith gosta de explicar.

Eles nasceram comigo.

Estavam lá no início, filhotes ainda.

Passaram por tudo que passei.

Criaram sua força.

Na luz do luar, aquela pelagem prateada e brilhosa é encantadora.

Mas eles são completamente opostos.

E vivem em uma briga eterna.

Um dos lobos é mais raivoso, explosivo.

Ele não é mal, mas é guerreiro.

Briga pelo que quer.

Tem uma ambição que o alimenta.

Alguns entendem a ambição de forma negativa, o que é errado.

A ambição é o melhor combustível para continuar uma luta, continuar vivendo.

Ele não aceita menos do que imagina ser o justo para ele.

Sua luta por mais é diária.

Eu realmente tenho isso dentro de mim.

Aquela vontade de ter o mundo.

Aquele vislumbre pelo poder.

Que se não fosse apenas um vislumbre ,com as ferramentas eu tenho em mãos, teria um império.

Esse meu lobo anda de cara fechada para mim já faz alguns anos.

Ele se sente injustiçado e deixado de lado pela minha postura de abdicar o que é meu de direito, na visão dele.

Ele quer o mundo.

Ele quer todo poder e dinheiro que puder acumular.

Ele quer todas as mulheres que ele puder se relacionar.

Mas ainda sim de uma forma completamente diferente dos vilões da tv.

Nunca tem brigas entres os irmãos lobos.

Não há conflitos.

O outro lobo tem um perfil completamente diferente.

Só quer acordar no dia seguinte e respirar fundo, aliviado e de consciência limpa.

Em uma visão distorcida, ele é um preguiçoso.

Mas na verdade ele só quer paz.

Um mínimo de conforto e um canto sossegado sem conflitos.

Ele vive em um mundo de ansiedade.

Prefere ser mais solitário do que seu irmão.

Por isso não quer expandir seu mundo.

Algumas pessoas diriam que a visão de mundo dele é pequena.

O que é uma grande besteira e um erro muito comum que as pessoas cometem.

Achar que todas as pessoas pertencem a um tipo de mundo.

O melhor mundo para cada é o que ele se identifica e se sente em paz.

O segundo lobo nunca tem grandes planos.

Sua energia é um pouco mais fraca, o que parece ser um problema.

Mas na verdade o tira do radar.

Funciona perfeitamente para seu propósito, evitar conflitos.

Seria muito difícil de conviver se esses dois estivessem em guerra o tempo todo.

Eles andam lado a lado desde sempre.

O primeiro lobo tem um mau humor rotineiro mas não faz dele uma má influência.

Ele apenas é frustrado com a minha falta de ambição.

O segundo lobo está sempre do lado do irmão com sua empatia e paciência tentando melhorar seu humor.

No final das contas para ele, o que importa é a caminhada.

Mas existe uma coisa que eles compartilham, além da minha alma.

Mesmo com toda a diferença, os dois compartilham do espírito de liberdade.

Isso fortalece ambos.

É como um banquete de endorfina.

Quando esse sentimento é sentido, minha alma se acalma.

Mesmo nas piores fases que eu enfrente.

Por isso nunca escolhi nenhum dos dois como líder.

Divido com eles as fases.

Deixo com que cada um interfira com suas personalidades e manias.

E os alimento com liberdade.

Parece um acordo justo para todos nos.

Seria muito fácil enxergar um como um vilão ganancioso e o outro como um medíocre indolente.

Mas essa seria a definição das escolhas da minha vida no final das contas.

Ari sempre teve uma teoria de vida, onde ele identifica certas coisas e pontos como seus demônios.

E ele conscientemente os alimenta para manter o controle, o equilíbrio das coisas.

Acaba sendo um caminho diferente para o mesmo ponto de chegada.

Eu sempre estou lá dando o afago que os dois lobos precisam.

Quando me despedi da cartomante na Itália ,ela me deu uma pulseira de proteção com duas pedrinhas.

Uma de ametista e outra de quartzo rosa.

Ela sempre teve o dom de ler minha alma.

Meus conflitos.

Hoje em dia quando visito meus lobos, cada um tem uma pedra no pescoço.

O que parece realmente funcionar como uma proteção a eles.

O mundo está meio raivoso, e nem mesmo o primeiro lobo anda se afetando com isso.

Eles se sentam lá no topo da montanha, de onde conseguem ter uma visão privilegiada do que se tem em volta.

O mais próximo da lua que eles conseguem, e de lá, naquele clarão, ficam contemplando o mundo.

A Cartomante conseguiu se aproximar muito bem de ambos.

O que é uma coisa rara.

Cada um normalmente tem preferência por um dos meus amores.

O primeiro lobo tem um fascínio no olhar toda vez que vê a Mafiosa.

Já o segundo lobo adorava se afundar nos cafunés da reencarnação de Janis Joplin e toda sua paz hippie.

E com todos os amores que passaram foi sempre assim, tinham sempre a preferência de um dos lobos.

Viagens ,álcool e mesmo meus amigos são a melhor forma de liberdade que entrego a eles.

Acaba sendo a forma que mantenho a balança equilibrada entre os dois e assim continuo sobrevivendo sem grandes arranhões.

Talvez eu tenha entendido o melhor jeito de viver a vida.

- Nossa, por menos as pessoas acham que sou louco.
Já já você vai estar morando comigo aqui na rua.
– O meu amigo morador de rua falava depois de ouvir atentamente minhas teorias de vida.

Nesses últimos dias, depois de meses de quarentena, assistindo a loucura tomar conta do mundo, foi a primeira vez que conversei com ele.

Sempre que podia sentava com ele na rua, e trocava uma ideia.

Levava umas latas, que colocávamos em um saco pardo e bebíamos.

Sempre no seu ambiente, sem nenhum tipo de julgamento.

Eu de alguma forma me sentia livre ali com a liberdade dele.

Mas meus lobos também se sentiam bem ali.

E a partir desse dia ele me pediu para chamá-lo só de Mr. Wolf em referência a nossa conversa.

Aquela era uma conversa de despedida temporária, eu estava voltando para morar em Florença.

E Mr. Wolf era alguém que tinha minha admiração e que eu fazia questão de me despedir.

- Não se preocupe, seu espaço aqui vai estar reservado para quando você precisar -
  Ele falava com seu sorriso despreocupado de sempre.

Eu realmente acho que ele me achava um louco quando eu contava minhas histórias de viagens ou sobre meus livros.

Ele se considerava um louco, que optou morar na rua por causa da sua loucura.

E eu via nos olhos dele, que brilhavam com minhas histórias, como ele me reconhecia como um louco também.

O que não deixa de ser verdade.

Mr. Wolf e meus dois lobos faziam parte da minha loucura diária.