terça-feira, 5 de outubro de 2021

Sonhos substituindo lamentos

 



Não sei nem por onde começar.


Acordei agora com o coração na boca.


E ja fazem alguns minutos e ele continua acelerado.


O lado bom foi ter acordado do sonho que estava tendo.


O lado negativo foi perceber que ele me afetou tanto.


Eu não sonho faz bastante tempo.


Engraçado que sempre tive uma relação meio estranha com sonhos.


Sempre tentei lê-los.


Sempre achei que havia alguma mensagem por trás que deveria ser entendida.


Para um escritor,sonhos podem ser a salvação de uma crise criativa.


Não sei se é o caso no momento.


Não estou tendo problemas para criar meus materiais.


Depois de toda loucura que fui jogado,peguei um tempo longe de tudo.


Arrumei uma cabana na Noruega,daquelas que tem milhares de fotos pela internet e me retirei do mundo.


Sonho de consumo de vários.


No meio de uma floresta,muito aconchegante,com direito a lareira a lenha.


Quase um retiro espiritual,se eu acreditasse.


De frente para um lago e bem afastado da  movimentação das pessoas.


Eu tinha tudo o que precisava para um bom tempo e um celular desligado,para quando decidisse sair dali.


Eu estava sozinho e sem nenhum relacionamento amoroso no momento.


Depois de tantas confusões e perdas,resolvi que toda pequena relação mal resolvida deveria ter um ponto final.


Pela primeira vez em muito tempo,não me sentia capaz de me relacionar com alguém.


Não era uma companhia agradável atualmente.


Mesmo nessa reclusão e afastamento,não estava negativo ou deprimido.


Eu só estava esgotado.


Mentalmente,precisava desacelerar e lidar com aquele sentimento de luto que teve que ser ignorado pelo atropelamento de fatos.


O meu belo estoque alcoólico também me acompanhou para a cabana.


Porém,eu não andava no clima de beber.


Eu estava vivendo quase uma clínica de reabilitação sem as palestras chatas e os couchs da perseverança.


Meu padrinho do AA ficaria orgulhoso de mim se eu tivesse um.


Mas eu nunca precisei seguir os 12 passos.


Até quando eu ia em direção ao abismo,eu ia consciente.


Meus dias estavam em paz e em um ritmo relativamente saudável de vida.


Eu não tinha nenhuma comunicação com o mundo já fazia quase 1 mês.


E em todo esse tempo,aquela manhã foi um baque.


Meu sonho tinha sido algo que realmente me impactou.


Acho que meu coração não sabia mais o que era batimentos acelerados como o resultado daquele sonho.


Depois de acordar com aquela descarga de adrenalina,tentei diminuir o impacto.


Levantei da cama e fui tomar um banho quente.


Coloquei umas lenhas na lareira e fui preparar um chá.


Estava frio e um tempo chuvoso la fora.


Sentei na minha poltrona que me abraçava como um abraço de mãe e aproveitava a visão daquele cenário.


A vista era perfeita.


Uma mistura de cores pareciam sair da junção da chuva e do lago.


Um tom meio roxo de um lado,um rosa claro no horizonte.


Um arco íris de fundo e um céu com alguns pontos esverdeados.


Difícil de descrever.


Parecia uma onda forte de ácido.


A água caindo na floresta de forma delicada,dava um movimento e uma beleza diferente.


Ali eu consegui retornar meus batimentos ao normal.


Eu continuava afetado pelo meu sonho mas agora sem flertar com uma crise existencial.


Sonhei com a mulher que sempre reinou no meu mundo dos sonhos.


O meu primeiro amor.


Eu não tinha mais notícias desde o dia que ela decidiu ir embora e deixou apenas uma carta de despedida.


John era o responsável por acompanhar a sua recuperação e se ela precisava de algo.


O fiz prometer que tomaria conta dela mesmo que sem ser percebido.


No meu sonho ela aparecia sorridente e vinha ao meu encontro para me dar um abraço.


Eu estava paralisado no sonho como fiquei quando acordei e como estou só de pensar nessa possibilidade.


O sonho parecia muito real e era algo que me remetia ao momento atual.


Não era como nos antigos sonhos,onde éramos os jovens inconsequentes,mas sim aquele ar mais maduro que a vida adulta nos deu.


Ela não tinha um anel de casamento nos dedos e esse detalhe me pegou.


Não sei explicar,não falamos quase nada e ao mesmo tempo tinha tanta informação ali.


E era isso que estava me fazendo fritar.


Meu inconsciente entendeu o tanto de mensagem mas eu não conseguia acessar.


Me sentia dentro da pirâmide de Gizé lendo toda aqueles hieróglifos sem poder traduzi-los.


Anos eu não tinha notícias ou mesmos sinais em sonhos dela.


Eu nunca deletei ela da minha memória,mas peguei qualquer estímulo que me trouxesse a lembranças dela e tranquei em um baú bem escondido na minha mente.


Por isso o baque foi tão forte essa manhã.


Eu estava tendo um pico de adrenalina novamente com essa investigação mental sobre o sonho.


Nem o meu chá ou minha lareira estavam segurando a onda.


Parecia que essa ia ser a próxima aventura do vigário.


Resolver essa cicatriz do passado que não parava de pulsar.


Tirei toda a roupa e fui andando para fora da cabana.


Fiquei ali por uma eternidade deixando a chuva cair pelo meu corpo e assistindo toda aquelas diferentes cores se misturarem ao meu corpo naquela paisagem.


Eu não tinha mais idade para esses excessos mas não me preocupei com isso.


Deixei que toda aquela situação fluísse normalmente como meu eu interior pedia.


Ali o tempo parou.


A terra parou de girar.


Parecia que eu estava finalmente desencarnando.


Mas não.


Era só a beleza que precedia o novo caos que eu iria encontrar futuramente.

terça-feira, 6 de julho de 2021

Eu não pertenço aqui

 


 


Ela adorava repetir que não pertencia a esse lugar.

Esse era seu mantra.

Começou com uma adolescência conturbada.

Navegou por todo tipo de negatividade que a ansiedade e depressão pode trazer.

Cresceu lutando no que ela considerava ser sempre seu limite.

Flertou algumas vezes com suicídio.

Era vista pela família como uma jovem que queria só chamar atenção e bastante dramática.

Mas a luta dela era real.

Acompanhei de perto.

Ela não sabia porque sofria, mas a dor estava sempre ali.

Quantos dias ela passou sem sair da cama por falta de motivação de viver?

Centenas.

Problemas alimentares começaram a rodeá-la.

Em algum momento as drogas também se apresentaram como uma saída.

As ilegais.

Essa fase foi um dos episódios que me deixaram mais apreensivo.

Eu sabia do potencial que isso tinha de arruiná-la de vez.

As drogas legais ela já estava em uma dosagem saturada.

Para algum comprimido fazer efeito, ela os tomava como se fosse pequenas balas.

Era algo assustador que nunca me acostumei.

Mesmo assim ela continuava com os mesmos problemas.

Insônia virou um amigo íntimo.

Ela chegou a fase de auto mutilação, pequenos cortes.

Aquela dor que ela se infligia era uma forma de escapar da dor que ela sentia na alma.

Acredito que a partir de um momento, ninguém mais acreditava que ela conseguiria ter um
final feliz.

Amigos se afastaram.

Família usava da sua condição para ter um controle psicológico que eu sempre enxerguei como abusivo.

Eles não tinham fé nela.

Nunca tiveram.

Parte da merda que ela estava foi potencializada por essa falta de apoio dentro de casa.

Ela era ofendida por não ter forças para levantar da cama.

Se ela sorrisse ,era julgada e condenada a ser uma farsante que não podia sorrir por estar em depressão.

Eu adorava seu sorriso.

Eu adorava apoiá-la.

Ela tinha uma imaginação e uma mente aberta com um potencial de ganhar o mundo que ficava apagado por toda essa situação.

Minha missão com ela era resgatar esse potencial.

Com o passar dos anos ele foi para um caminho meio sem volta.

Criou uma casca de proteção.

Começou a ser mais fria.

Cortou grande parte da sua humanidade e empatia para evitar novas dores.

Ela então se prendeu a tudo que as pessoas que jogavam ela para baixo queriam.

Uma vida presa na bolha com seu potencial omitido.

Aqueles almoços familiares cheio de gente mas que traziam aquele enorme vazio.

Ela não sentia nada, era só um personagem que a trouxe um pouco mais de conforto.

Eu olhava nos seus olhos, dos quais eu sempre fui apaixonado e eles estavam opacos e sem brilhos.

Eu sempre tive o dom de ver sua energia.

Mesmo de longe.

E aquela energia do momento era fraca, como há muito tempo não via.

Mesmo com aquele sorriso forçado de uma família de sitcom americano.

Ela sempre quis o mundo.

O mundo sempre quis ela.

Por isso ela adorava dizer que não pertencia à onde ela estava.

Eu as vezes me sinto meio culpado de não pensar nela como antes.

De ter fracassado na missão que eu me dei de cuidar dela e fazer com que ela conseguisse encontrar o seu lugar.

Se ela lesse isso aqui com certeza estaria dando aquele sorriso de quando ela sempre dizia que estava tudo bem.

Mesmo ela sabendo que eu sentia a verdade.

Tivemos vários momentos intensos.

Eu sempre sentia meu corpo tremer com ela.

Eu gostava de dizer que era seu super poder.

Lembro de prometê-la que iria cuidar dela pelo resto da vida, enquanto acariciava seus cabelos.

Ela dava de ombros dizendo que eu deveria fazer algo de mais importante na minha vida.

Ela sempre teve essa autoproteção a rejeição.

Nós sempre fomos opostos.

E essa sempre foi a aposta.

Eu tinha certeza que queria ficar ali naquela bolha com ela.

Enquanto ela parecia querer o mundo.

E a ironia foi exatamente essa.

Ela ficou e eu voei.

Em algum momento achei que a vida estava me pregando uma peça.

Toda vez que tenho duvido do meu lugar, se realmente pertenço aquilo ali ,eu lembro dela.

Ela virou um lembrete de que eu quero o mundo.

A última vez que nos falamos ,ela estava com aquele sorrisinho irônico de sempre.

Aparentemente fora de toda aquela escuridão que a perseguia nos anos anteriores.

Mas com aquele olhar completamente perdido e sem luz.

Ela estava menos feliz do que imaginava estar.

Porem estava saudável como nunca antes.

E era isso que importava de verdade.

Nesse último contato aquela frase que ela tanto gostava foram suas últimas palavras jogadas no ar.

- Acho que eu não pertenço a isso aqui.
– Sem deixar seu sorriso irônico e tristonho se desfazer.

Eu fiquei ali por alguns segundos olhando para ela, segundos que pareciam uma eternidade.

Eu sabia que não a veria mais.

Minhas últimas palavras talvez tenham sido um balde de agua fria nela, mas ela precisava seguir.

- Na verdade acho que você pertence, finalmente você achou o seu lugar.
– As palavras saiam da minha boca com o tom de certeza que eu precisava demonstrar.

Ela me olhava incrédula ao ouvir aquilo.

Silêncio nos tomou por alguns segundos mais.

Ela simplesmente virou as costas e foi embora.

Naquele momento por mais que doesse, eu tinha certeza de estar protegendo ela de alguma forma.

Eu estava destroçado.

Tenho cicatrizes até hoje.

Ela também.

Nós dois somos um amontoado de cicatrizes ambulantes.

Mas sobrevivemos e essa é a regra a se seguir desde então.

Hoje em dia no meio da noite eu acordo com a sensação de que ela está pensando em mim.

E ali é o momento que eu tenho certeza de onde eu realmente pertenço.

domingo, 23 de maio de 2021

Couch de fundo do poço




É muito mais fácil eu ficar aqui caído e me lamentando.

Sujo, machucado e cuspindo sangue depois de tanta porrada da vida.

Todo dia uma nova sequência de socos e chutes vindo de tudo que é lado.

Já se acorda se defendendo.

Ou na maioria dos dias, deixo bater.

Não tenho forças nem para me defender.

Para onde se olha são bombardeiros de notícias ruins e falta de esperança.

O mundo parece ter enlouquecido.

Ódio e falta de compaixão crescem como uma nuvem negra, que se transforma em uma tempestade.

Essa tempestade não tem sentimento, só devasta tudo.

A realidade atual corrói seu psicológico e vai criando reações no seu corpo.

Na maioria do dia eu não quero acordar.

Depois que acordo, não quero sair da cama.

Não quero abrir a janela e deixar a luz entrar.

Não quero tomar banho ou me alimentar.

Socializar muito menos, mesmo nos moldes virtuais.

Minha mente esta derrotada e sozinha.

No meio dessas centenas de dias desse mais de 1 ano de uma realidade distorcida existem pequenos momentos.

Momentos que parecem que você respirou de novo, mesmo que por segundos.

Ali você sente que até vale a pena brigar para melhorar.

Eu sou um ótimo Coach da depressão.

Te ajudar a potencializar a sua negatividade e te incentivar a ser o derrotado que você acha
que é, com certeza é a minha especialidade.

Mas não é para isso que estou aqui dessa vez.

Eu sempre fui egoísta, muito bom em deixar meu jardim morrer e cuidar apenas da minha flor.

Aquela única flor, a esperança que me mantinha de pé.

Ainda assim eu cuidava dela.

É isso que importa.

O problema é quando você nem ao menos entende que existe um jardim a sua volta.

Sua flor vai morrendo.

Perde o brilho, pétalas morrem e nem mesmo os espinhos machucam mais.

O pólen que seu jardim acumulou faz força para te manter de pé.

Mas ele está abandonado e morrendo aos poucos também.

As pessoas não entendem seu sofrimento, mas sabem o que é sofrer.

As pessoas não sentem a sua dor, mas sabem o que é doer.

O mundo parece um caos agora, e sempre será.

Mas a sua visão vai te direcionar para onde você quer estar.

Vai continuar sendo difícil levantar no dia seguinte.

Mas se você não lutar, nem o fim da pandemia vai te tirar dessa.

Sua negatividade vai matar todas as flores do seu jardim.

Não sou um idiota que acha que é fácil falar “sai dessa” e vai resolver.

Mas sei que a única coisa que ajuda é incentivar a não entregar os pontos.

Não tem palavras bonitas ou religiosas aqui.

Aqui você não vai ter frases do tipo “para de chorar”, “sai do quarto”.

Muito menos opiniões de um profissional de saúde mental.

Apenas uma mão estendida de quem conhece cada pedacinho desse fundo do poço.

Se apegue as pequenas coisas.

Não acompanhe as coisas que te fazem mal.

Entenda o que está fora do seu controle.

E não se martirize por isso.

Tudo isso pode te ajudar, se virar um mantra.

São tempos difíceis.

E esse pós pandemia vai ser ainda pior.

Vamos lidar com as sequelas e cicatrizes que foram criadas nesse último ano.

Mas sempre passa, mesmo que você não veja ou perceba.

Sempre passa.

Um dia quando essa nuvem negra se dissipar, todo seu caminho vai se iluminar.

Seu jardim florescerá.

E tudo isso, só terá sido uma tempestade.

De fundo do poço eu entendo.

E só por isso estou jogando esse balde com a corda para te puxar daí.

Espero que em breve você entenda meu “sempre passa”.