quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Meu último suspiro

Eu passei a noite em claro.


A boca seca, os olhos cansados de chorar e aquela nuvem negra em volta.


Tudo voltava e desta vez nem uma boa dose salvaria.


Eu sentia aquela tristeza enorme e não sabia como lidar.


Além disso, a coisa era tão sem sentido a minha volta que eu não sabia o que esperar.


Minutos depois daquela ligação de Rudolph, meu mundo todo virou de cabeça para baixo.


Eu pisquei e sai daquela sensação de sono interrompido para assistir minha casa sendo revirada pela polícia.


Lógico que uma revirada com educação, já que foi “solicitado” de forma bastante educada e convincente pelos policiais italianos.


Naquele momento, não existia a fama do Vigário ou mesmo o poder de Ari, mas ainda assim eu era apenas um suspeito.


A polícia seguia 3 fatos para me deixar mofando na lista de suspeito:


- O assassinato tinha sido cometido seguindo os moldes de uma morte do meu livro.


- Deixaram uma cópia do meu livro na cena do crime ao lado do corpo.


- Ele era meu amigo e toda cidade sabia como éramos próximos.


Não podia ir ver o corpo do meu amigo e ainda tive meu passaporte apreendido.


Precisava cumprir mais burocracias, mas Rudolph deu um jeito nisso.


Eu estava praticamente em uma prisão domiciliar e completamente destruído.


Da Vinci estava inquieto e parecia sentir todo aquele ar pesado a sua volta.


Ficou assim a noite toda, em uma espécie de sentinela, vigiando ali quietinho seu aquário sem desgrudar os olhos de mim.


Aquela história de que um peixe-beta tem 30 segundos de memória tinha caído por terra.


A polícia foi embora e deixou uma viatura a minha porta.


Eu fiquei lá vagando pela madrugada e chorava como há muito tempo não acontecia.


Eu não poderia receber ninguém que não fosse um advogado ou Rudolph, que tinha uma espécie de auxílio a polícia italiana com a sua empresa de segurança privada.


Depois que voltei para a cidade, eu me tranquei e não informei a ninguém.


Ainda estava experimentando os efeitos do pós lockdown no meu mental.


Também andava próximo daquela linha limite com a minha escuridão habitual.


Sempre me fecho quando chego por lá.


A mafiosa descobriu que eu estava de volta e apareceu para demonstrar o quanto estava ofendida com minha atitude.


Eu esperava ela bufando de raiva e jogando toda sua brancura fora com aquele tom avermelhado de quando ela ficava nervosa.


Mas não dessa vez.


Apareceu com o semblante pesado que me atingiu logo de cara.


Era decepção.


Ela estava se sentindo decepcionada comigo por não contar com ela.


Ao mesmo tempo que dizia estar decepcionada com ela mesmo por não conseguir chegar mais em mim.


Suas palavras mostravam o peso do que ela sentia.


Era um misto de decepção, abandono e frustração.


Ao mesmo tempo, ela ia dizendo como estava se sentindo enganada e machucada pela minha atitude.


Ela ficou todo o tempo a uma distância de mais ou menos dois metros, como se estivesse seguindo as normas estipulada para a pandemia.


Isso tinha um simbolismo muito maior.


Mostrava que ela não me via mais como alguém do seu círculo íntimo de contato.


Ela parecia sofrendo realmente com aquilo e usava um tom de voz calmo que não era seu habitual.


Antes de sair, sem perder a calma na voz, porém um pouco tremula e deixando lagrimas rebeldes caírem, ela foi se despedir de Da Vinci. 


Pegou uma garrafa de vinho que estava em cima da minha mesa e se dirigiu a porta.


- Eu sempre tive uma filosofia de que um pé na bunda é um excelente impulso, espero que funcione realmente para você. – Ela deixava aquelas últimas palavras saírem com um tom mais raivoso, um tom mais Mafiosa.


E quando mais lagrimas rebeldes resolveram aparecer, ela bateu a porta e saiu levando minha garrafa de vinho.


Aquilo teve um efeito devastador e me empurrou ainda mais para minha zona escura.


Isso aconteceu uma semana antes do crime, e por isso que eu estava ali me debulhando em lagrimas sozinho, sem ninguém para me consolar.


Vigário estava de coração em pedaços, cada dia mais afundado naquela lama negra que adorava lhe consumir e a caminho da cadeia.


O meu luto era cada vez mais dolorido.


Eu pegava no sono e acordava bruscamente logo em seguida, assistindo à cena do meu amigo morto ali na minha frente.


Era muito real.


Parecia estar vivendo aquela cena.


Por algumas horas me questionei sobre a possibilidade de ter cometido aquele crime bêbado ou em estado de sonambulismo.


Algo que poderia me explicar o porquê da falta de memórias e ainda assim sonhos tão reais.


Eu comecei a questionar minha sanidade.


Comecei até mesmo a questionar se eu estava morto e aquilo ali era uma espécie de inferno.


Faria sentido depois da presença de Nero e Calígula com o anúncio de como tudo ia mudar.


Fiquei mais uma semana trancado.


Comia raramente e bebia o máximo que podia com alguns remédios controlados, na intenção de apagar.


Se eu tivesse um sono sem isso, era ficar vivendo em loop uma cena que eu nem mesmo tinha vivido.


Porém, que eu tinha criado para um dos meus romances.


Eu tinha me amaldiçoado e não sabia como terminar isso.


A esperança tinha morrido.


A vida parecia me chutar.


Minha reação era agressiva e mostrando o dedo do meio.


E aí a vida chutava mais.


Então bateram na porta.


La estava eu tentando por meu corpo completamente enfraquecido de pé e indo atender aquelas impacientes batidas.


Rudolph tinha um semblante abatido e serio ao mesmo tempo.


Atrás dele, dezenas de policiais.


- Vigário, você está sendo preso. – Rudolph falava se lamentando enquanto um policial dava um passo à frente e me algemava.


Eu não tinha mais reação e nem mesmo força para alguma.


Apenas olhei para Rudolph e pedi para cuidar de Da Vinci e Filé de peixe.


Ele apenas concordou com a cabeça como se não tivesse mais nenhuma força também.


A caminho da viatura, enchi meus pulmões de ar para aproveitar o que poderia ser a minha última vista da bela Florença em liberdade.



Mas a junção do meu coquetel de álcool e medicamentos com a bela pancada que o policial deu com minha cabeça na entrada do carro, foi bastante eficiente para me tirar esse último suspiro.

terça-feira, 15 de setembro de 2020

A derrocada do último do Triunvirato





Estava sentado naquela mesa luxuosa com aquele enorme banquete à minha frente.

Nero e Calígula estavam com seus enormes cálices de vinho.

Vinho nunca era minha primeira opção, mas era o que mais tinha ali em abundância.

Por que não? Pensei.

Já se lamentando pela ressaca do dia seguinte.

Calígula era do tipo esquisitão.

Além de bem paranoico.

Tomava um gole do seu vinho com um senso de alerta ligado em relação a todos os cantos do salão que nos encontrávamos.

Estava rodeado de três escravos, duas mulheres e um homem.

Uma das mulheres sentada no seu colo o alimentava com pedaços de carne na boca.

Um dos pratos principais, do qual ele era servido, era uma espécie de bolas de carne que sua escrava cortava com um pouco de repulsa no olhar.

Essas horas me arrependo de ler tanto sobre história.

Calígula exalava lasciva.

Sexo e suor.

Enquanto se alimentava, bebia e conversava comigo e Nero. 

Ele continuava com seus atos animados demais para mim na mesa com seus escravos.

Sorridente, louco e alcoolizado, era seu retrato atual.

Até aí tudo bem, nada muito diferente do meu mundo.

Mas Calígula não ia muito com minha cara.

Estava sempre me dando respostas atravessadas e me ameaçando.

Sempre que ele gritava impropérios, eu gargalhava tomando mais um gole do meu vinho e isso enchia seus olhos de fúria.

Nero sempre o interrompia.

Com aquele ar de superioridade e seu nariz empinado.

Uma lira da qual ele dedilhava tirando algumas notas durante a conversa.

Algo bem irritante, que me lembrava aquele amigo que estava aprendendo a tocar violão e
queria demonstrar seu dom na primeira oportunidade de plateia.

Se o som da lira de Nero era parecido com o som das liras dos anjos, o céu deveria ser insuportável.

A sensação que eu tinha ali na mesa é que Nero achava ser um deus benevolente que estava doando seu tempo e sua arte.

Ao seu lado ele tinha uma dama com uma beleza diferente.

Ela o servia com uvas na boca e era responsável por segurar sua lira nas pausas das suas minúsculas apresentações.

Também era quem batia palma quando Nero terminava de recitar alguma espécie do que ele chamava de poesia.

- Você tem uma escrita muito rudimentar e marginal, para não dizer suja e uma ofensa aos deuses. - Nero dizia com aquele ar arrogante digno dos deuses.

Eu só estendia minha taça de vinho com um sorriso de agradecimento.

Se ele diz, quem sou eu para não aceitar um elogio desse.

Ele reagia com olhar confuso a minha reação, enquanto Calígula dizia que eu devia ser executado por aquele crime, as artes da escrita.

Os dois tinham esse ar de deus.

Ambos da sua maneira, e aquela reunião não fazia nenhum sentido.

Parecia ser um novo Triunvirato da loucura, que se mataria antes mesmo da ressaca.

O banquete tinha de tudo.

Frutos-do-mar, carnes, frutas, bolos e muito vinho.

Tudo em quantidade exageradas.

Eu estava enjoado de ver tanta comida, então fiquei apenas no vinho.

Até porque, não encontrei a salada de Caesar, tão comum em qualquer boteco na Europa hoje em dia.

Afastado daquele salão, eu conseguia perceber pessoas andando de um lado para o outro.

Todos nus e com o mesmo clima de putaria digno de Roma.

Depois de algum tempo naquela conversa maluca sobre minha escrita amadora e minhas esquivas aos ataques de Calígula, percebia que eu estava sozinho.

Ao meu lado, ninguém.

Nem a Mafiosa que era da região para dar uma moral.

Escritor renegado, sem dinheiro, sem mulher e sendo humilhado pelos pseudos deuses.

Podia ser pior, por isso estava relaxado tomando meu vinho.

Eu estava vestido na frente de Calígula, o que era uma proteção e não via nenhum sinal de fogo perto de Nero, o que me garantia mais uns goles.

Eu olhava para um lado e assistia Calígula tomando seu vinho com goles enormes, que vazavam pela sua boca e caiam pelo seu corpo.

Enquanto isso, seus escravos o lambiam.

Eu estava começando a ficar enojado.

Olhava para o outro lado e Nero estava recitando aquele monte de palavras sem sentidos que ele chamava de poesia ou produzindo aqueles miados de gato com sua lira.

Seria isso o inferno narrado por Dante?

Era uma tortura até para o velho Vigário.

- Nós temos o mundo, somos tão poderosos quanto qualquer outro deus romano, além de sermos basicamente as entidades máximas da putaria.
Nem Baco chegou perto de nos.  - Calígula fazia seu discurso e mesmo me incluindo em suas palavras, seu olhar para mim era de desdenho total.

Não era para estar ali.

Eu não era assim.

Estava sendo reduzido a um ser pior do que a escória que eu já me considerava.

O poder financeiro e as relações sociais que Ari tinha, abria muitas portas que eu nunca neguei, porem era parte do meu padrão fugir dessas portas.

Sempre curti meu caminho, com pedras ou não.

Não importava, desde que a escolha fosse minha.

A parte da putaria me rebaixava a eles.

E mesmo no auge das minhas loucuras por aí, não pensava dessa forma.

Eu era mais um sofredor por amor, do que um Don Juan contando suas conquistas.

Aquele encontro era realmente uma forma de julgamento.

Minha consciência talvez estivesse me torturando com intuito de rever minha vida e meus passos.

Eu me sentia mau, suava e tinha calafrios.

Sentia o chão tremer aos meus pés em um ritmo contínuo.

Nero e Calígula me encaravam com sorrisos debochados.

Mesmo me diminuindo, eles me consideravam um igual.

O que era extremamente constrangedor.

- Nós somos todo mal aqui dentro - Nero gritava como o alucinado que nos conhecemos da história.

Gargalhava ensandecido.

- Toda a loucura a partir de agora, foi criada pelas nossas obras.
Somos os deuses dessa geração. - Calígula complementava.

O chão tremia com mais força.

As pessoas que estavam em volta do salão principal, agora eram massas e massas em uma orgia maluca.

E a cena se passava na minha visão em câmera lenta, tudo começava a rodar e aquele incomodo me devorava.

Acordei, suando como se estivesse febril.

Da Vinci, meu peixe-beta, me encarava com seus olhos arregalados como se tivesse sentido aquele pavor que eu tinha experimentado.

A água do seu aquário estava vibrando.

E eu assistia aquela cena sem sentido por alguns segundos, sem encaixar as peças do quebra cabeça.

Foi quando percebi que meu telefone de emergência estava tocando.

Ele nunca tocava.

Era só em último caso.

Atendi acordando daquele pesadelo, mas parecia que ele iria continuar.

- Vigário, acaba de ocorrer um assassinato aqui na praça.
A forma segue uma morte do seu livro e o assassino deixou uma cópia do livro próximo ao corpo.
Estou indo ao seu encontro porque a polícia também está indo para aí. - Rudolph falava tentando ser o mais tranquilizador possível e, ao mesmo tempo, mostrando a gravidade daquela situação.

Fui colocar uma roupa, ouvindo a risada daquele filho da puta do Calígula e suas últimas palavras.

Parecia que do Triunvirato da loucura, o meu reinado era o próximo a cair.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

Não me arrependo de nada






Sempre tive um fascínio pela morte e pelo pós.

Há quem diga que sempre fui meio mórbido.

Eu prefiro dizer que as energias mais negativas me atraem.

Voltei para a bela Florença.

Mas o novo normal do mundo era estranho para mim.

Eu tinha mini ataques de ansiedade quando via muitas pessoas nas ruas.

Evitava sair desde então e vivia como uma sábio eremita.

Um ermitão alcoólatra.

Era eu, minha gata entediada e minhas garrafas.

Não tinha avisado para ninguém que estava na cidade.

Nem mesmo a Mafiosa, a cartomante ou meu amigo mímico.

Meu contato com o mundo era apenas com os entregadores de comida e bebida.

Eu estava quebrado.

O mundo parecia estar quebrado também.

Era fácil de identificar as rachaduras nas pessoas lá fora.

Os discursos egoístas.

A empatia tratada como uma idiotice ideológica.

Lá da minha janela com minha garrafa na mão, eu tentava entender o que era aquele momento.

A roda ainda girava mas o hamster estava morto.

E parecia que ninguém se importava.

Eu tinha a sensação que os dias passavam bem devagar.
No meio de toda essa loucura, parece que alguma engrenagem do planeta tinha sido afetada.

Talvez corrompida.

Eu tenho uma facilidade para identificar essas coisas, como bom e velho ser quebrado que sou.

Mas é difícil de passar por isso.

Eu tenho aquele aperto no coração o tempo todo.

Minha respiração está cada vez mais pesada.

Eu tenho tantos planos.

Tanta coisa entalada aqui que eu queria falar.
Mas tenho essa sensação de adeus diário.

Nem mesmo meus lobos querem sair da toca por esses dias.

Acredito que estou flertando com a loucura.

Caí dos céus como os anjos renegados.

Meus olhos me dão uma visão do mundo que parece ser um tipo de punição divina.

Se eu acreditasse nesse tipo de coisa.

Você não precisa ir ao inferno para ser punido.

A forma que você enxergar as coisas pode ser a pior das punições.

Em algum momento da quarentena ,eu sentei lá de frente para o pôr do sol esperando pelo o último dia do mundo.

Aquele evento apocalíptico digno de Hollywood.

Ou mesmo uma simples poeira que passaria finalizando tudo.

Nada disso aconteceu.

Se aconteceu, estou aqui sem a menor ideia de que já deixei de existir.

E sinceramente,não tenho arrependimentos.

Fui um ser livre desde sempre.

Pelo menos de alma.

Sempre fui leal ao que eu achava certo.

Aproveite todos os excessos que eu podia ter.

Trazia até o ultimo dia um resquício daquele fogo e espírito rebelde lá da minha juventude.

Errei para caralho.

Assumi ,peitei e me aceitei como um ser que erra.

Essa arrogância estúpida de querer cabeças por erros, nunca foi minha praia.

Pedir cabeças sempre foi o grito do lobo em pele de cordeiro.

Rancor sempre foi algo do qual eu mantinha para me manter alerta.

Mas esse gerenciamento é bem complexo e que te traz efeitos colaterais do qual você tem que ter certeza que os quer.
 
Mesmo isso, nesses últimos tempos eu larguei de lado.

Tive meus amores.

Sempre me entreguei a eles.

Uns deram mais certo que outros, mas todos me ajudaram a crescer como pessoa.

Não levo raiva de nada do passado em relação a isso.

O que é um peso a menos de se levar na alma nessa caminhada tortuosa.

Criei ótimas relações de amizades.

Aquela família verdadeira que não precisa de sangue para ser um dos seus.

Lutei.

Venci.

Perdi.

Sorri.

Chorei.

Bebi.

Acordei com aquela linda ressaca.

E bebi de novo.

Olhando bem não parece que foi uma vida ruim.

Tive uma carreira um pouco maior do que era minha intenção.

Isso aqui nunca foi uma ambição financeira.

Sempre foi uma espécie de terapia.

Talvez por isso eu tenha sido tão odiado por editoras e empresas desse ramo.

“Vigário e sua prepotência de se achar demais para nos.”

Meu tédio e desinteresse sempre foi mal interpretado.

Um dia minha terapia virou a terapia para outras pessoas.

Sem nenhuma intenção.

Isso me manteve aqui.

Sentado de frente para essa máquina velha e barulhenta.

Despejando palavras e pensamentos que aparentemente são capazes de direcionar as pessoas a um autoquestionamento.

Que na minha visão de mundo sempre foi a chave para a evolução pessoal.

Eu nunca fiz isso por dinheiro, e acho que esse foi o diferencial para os resultados que tive.

Pensar que alguém está sendo ajudado de alguma mínima forma por causa dos meus textos faz de mim alguém com uma felicidade diária.

É estranho como meus leitores, pessoas estranhas ao meu mundo, também me ajudam a refletir.

Recebo várias mensagens, com todo tipo de assunto e histórias dos meus leitores.

Até acompanho alguns de uma forma secreta e invisível.

Me preocupo com suas desilusões  e suas lutas diárias.

Acompanho suas depressões e suas reações as porradas da vida.

Me sinto de alguma forma responsável por eles.

E isso é muito bom.

Isso é a comprovação que com o passar dos anos, eu venho diminuindo aquele egoísmo de pensar só em mim.

Se você consegue se olhar no espelho e percebe uma evolução mínima que seja, você venceu como ser humano.

Esse texto em algum momento pareceu ter um tom de despedida que não existe.

Longe de mim escrever uma carta de despedida.

O mundo é muito louco.

Nessas horas passa o Zé Maria e por puro sarcasmo te puxa pelo braço.

Isso aqui nada mais é do que um autoquestionamento depois de toda essa loucura que o mundo vem passando.

E um amadurecimento de uma ideia que a Mafiosa me deu antes da quarentena.

De me colocar na posição de ser responsável por mais alguém.

Minha gata segundo ela não conta, por causa da sua independência.

Realmente existe momentos que acho que filé de peixe é quem cuida de mim.

Então hoje nessa pira louca sobre essa grande decisão, eu criei todos esses questionamentos.

Mas ok.

Foi positivo o resultado.

Eu resolvi dar esse próximo passo.

O nome do meu peixe beta é Da Vinci.

sábado, 4 de julho de 2020

Não é mais uma lenda indígena sobre lobos



Eu tenho dois lobos dentro da minha alma.

São eles que me guiam e influenciam minhas características.

Essa é a minha crença em relação a minha personalidade, diferente daquele papo de estrela, sol e ascendentes que Faith gosta de explicar.

Eles nasceram comigo.

Estavam lá no início, filhotes ainda.

Passaram por tudo que passei.

Criaram sua força.

Na luz do luar, aquela pelagem prateada e brilhosa é encantadora.

Mas eles são completamente opostos.

E vivem em uma briga eterna.

Um dos lobos é mais raivoso, explosivo.

Ele não é mal, mas é guerreiro.

Briga pelo que quer.

Tem uma ambição que o alimenta.

Alguns entendem a ambição de forma negativa, o que é errado.

A ambição é o melhor combustível para continuar uma luta, continuar vivendo.

Ele não aceita menos do que imagina ser o justo para ele.

Sua luta por mais é diária.

Eu realmente tenho isso dentro de mim.

Aquela vontade de ter o mundo.

Aquele vislumbre pelo poder.

Que se não fosse apenas um vislumbre ,com as ferramentas eu tenho em mãos, teria um império.

Esse meu lobo anda de cara fechada para mim já faz alguns anos.

Ele se sente injustiçado e deixado de lado pela minha postura de abdicar o que é meu de direito, na visão dele.

Ele quer o mundo.

Ele quer todo poder e dinheiro que puder acumular.

Ele quer todas as mulheres que ele puder se relacionar.

Mas ainda sim de uma forma completamente diferente dos vilões da tv.

Nunca tem brigas entres os irmãos lobos.

Não há conflitos.

O outro lobo tem um perfil completamente diferente.

Só quer acordar no dia seguinte e respirar fundo, aliviado e de consciência limpa.

Em uma visão distorcida, ele é um preguiçoso.

Mas na verdade ele só quer paz.

Um mínimo de conforto e um canto sossegado sem conflitos.

Ele vive em um mundo de ansiedade.

Prefere ser mais solitário do que seu irmão.

Por isso não quer expandir seu mundo.

Algumas pessoas diriam que a visão de mundo dele é pequena.

O que é uma grande besteira e um erro muito comum que as pessoas cometem.

Achar que todas as pessoas pertencem a um tipo de mundo.

O melhor mundo para cada é o que ele se identifica e se sente em paz.

O segundo lobo nunca tem grandes planos.

Sua energia é um pouco mais fraca, o que parece ser um problema.

Mas na verdade o tira do radar.

Funciona perfeitamente para seu propósito, evitar conflitos.

Seria muito difícil de conviver se esses dois estivessem em guerra o tempo todo.

Eles andam lado a lado desde sempre.

O primeiro lobo tem um mau humor rotineiro mas não faz dele uma má influência.

Ele apenas é frustrado com a minha falta de ambição.

O segundo lobo está sempre do lado do irmão com sua empatia e paciência tentando melhorar seu humor.

No final das contas para ele, o que importa é a caminhada.

Mas existe uma coisa que eles compartilham, além da minha alma.

Mesmo com toda a diferença, os dois compartilham do espírito de liberdade.

Isso fortalece ambos.

É como um banquete de endorfina.

Quando esse sentimento é sentido, minha alma se acalma.

Mesmo nas piores fases que eu enfrente.

Por isso nunca escolhi nenhum dos dois como líder.

Divido com eles as fases.

Deixo com que cada um interfira com suas personalidades e manias.

E os alimento com liberdade.

Parece um acordo justo para todos nos.

Seria muito fácil enxergar um como um vilão ganancioso e o outro como um medíocre indolente.

Mas essa seria a definição das escolhas da minha vida no final das contas.

Ari sempre teve uma teoria de vida, onde ele identifica certas coisas e pontos como seus demônios.

E ele conscientemente os alimenta para manter o controle, o equilíbrio das coisas.

Acaba sendo um caminho diferente para o mesmo ponto de chegada.

Eu sempre estou lá dando o afago que os dois lobos precisam.

Quando me despedi da cartomante na Itália ,ela me deu uma pulseira de proteção com duas pedrinhas.

Uma de ametista e outra de quartzo rosa.

Ela sempre teve o dom de ler minha alma.

Meus conflitos.

Hoje em dia quando visito meus lobos, cada um tem uma pedra no pescoço.

O que parece realmente funcionar como uma proteção a eles.

O mundo está meio raivoso, e nem mesmo o primeiro lobo anda se afetando com isso.

Eles se sentam lá no topo da montanha, de onde conseguem ter uma visão privilegiada do que se tem em volta.

O mais próximo da lua que eles conseguem, e de lá, naquele clarão, ficam contemplando o mundo.

A Cartomante conseguiu se aproximar muito bem de ambos.

O que é uma coisa rara.

Cada um normalmente tem preferência por um dos meus amores.

O primeiro lobo tem um fascínio no olhar toda vez que vê a Mafiosa.

Já o segundo lobo adorava se afundar nos cafunés da reencarnação de Janis Joplin e toda sua paz hippie.

E com todos os amores que passaram foi sempre assim, tinham sempre a preferência de um dos lobos.

Viagens ,álcool e mesmo meus amigos são a melhor forma de liberdade que entrego a eles.

Acaba sendo a forma que mantenho a balança equilibrada entre os dois e assim continuo sobrevivendo sem grandes arranhões.

Talvez eu tenha entendido o melhor jeito de viver a vida.

- Nossa, por menos as pessoas acham que sou louco.
Já já você vai estar morando comigo aqui na rua.
– O meu amigo morador de rua falava depois de ouvir atentamente minhas teorias de vida.

Nesses últimos dias, depois de meses de quarentena, assistindo a loucura tomar conta do mundo, foi a primeira vez que conversei com ele.

Sempre que podia sentava com ele na rua, e trocava uma ideia.

Levava umas latas, que colocávamos em um saco pardo e bebíamos.

Sempre no seu ambiente, sem nenhum tipo de julgamento.

Eu de alguma forma me sentia livre ali com a liberdade dele.

Mas meus lobos também se sentiam bem ali.

E a partir desse dia ele me pediu para chamá-lo só de Mr. Wolf em referência a nossa conversa.

Aquela era uma conversa de despedida temporária, eu estava voltando para morar em Florença.

E Mr. Wolf era alguém que tinha minha admiração e que eu fazia questão de me despedir.

- Não se preocupe, seu espaço aqui vai estar reservado para quando você precisar -
  Ele falava com seu sorriso despreocupado de sempre.

Eu realmente acho que ele me achava um louco quando eu contava minhas histórias de viagens ou sobre meus livros.

Ele se considerava um louco, que optou morar na rua por causa da sua loucura.

E eu via nos olhos dele, que brilhavam com minhas histórias, como ele me reconhecia como um louco também.

O que não deixa de ser verdade.

Mr. Wolf e meus dois lobos faziam parte da minha loucura diária.