Estava sentado naquela mesa luxuosa com aquele enorme banquete à minha frente.
Nero e Calígula estavam com seus enormes cálices de vinho.
Vinho nunca era minha primeira opção, mas era o que mais tinha ali em abundância.
Por que não? Pensei.
Já se lamentando pela ressaca do dia seguinte.
Calígula era do tipo esquisitão.
Além de bem paranoico.
Tomava um gole do seu vinho com um senso de alerta ligado em relação a todos os cantos do salão que nos encontrávamos.
Estava rodeado de três escravos, duas mulheres e um homem.
Uma das mulheres sentada no seu colo o alimentava com pedaços de carne na boca.
Um dos pratos principais, do qual ele era servido, era uma espécie de bolas de carne que sua escrava cortava com um pouco de repulsa no olhar.
Essas horas me arrependo de ler tanto sobre história.
Calígula exalava lasciva.
Sexo e suor.
Enquanto se alimentava, bebia e conversava comigo e Nero.
Ele continuava com seus atos animados demais para mim na mesa com seus escravos.
Sorridente, louco e alcoolizado, era seu retrato atual.
Até aí tudo bem, nada muito diferente do meu mundo.
Mas Calígula não ia muito com minha cara.
Estava sempre me dando respostas atravessadas e me ameaçando.
Sempre que ele gritava impropérios, eu gargalhava tomando mais um gole do meu vinho e isso enchia seus olhos de fúria.
Nero sempre o interrompia.
Com aquele ar de superioridade e seu nariz empinado.
Uma lira da qual ele dedilhava tirando algumas notas durante a conversa.
Algo bem irritante, que me lembrava aquele amigo que estava aprendendo a tocar violão e
queria demonstrar seu dom na primeira oportunidade de plateia.
Se o som da lira de Nero era parecido com o som das liras dos anjos, o céu deveria ser insuportável.
A sensação que eu tinha ali na mesa é que Nero achava ser um deus benevolente que estava doando seu tempo e sua arte.
Ao seu lado ele tinha uma dama com uma beleza diferente.
Ela o servia com uvas na boca e era responsável por segurar sua lira nas pausas das suas minúsculas apresentações.
Também era quem batia palma quando Nero terminava de recitar alguma espécie do que ele chamava de poesia.
- Você tem uma escrita muito rudimentar e marginal, para não dizer suja e uma ofensa aos deuses. - Nero dizia com aquele ar arrogante digno dos deuses.
Eu só estendia minha taça de vinho com um sorriso de agradecimento.
Se ele diz, quem sou eu para não aceitar um elogio desse.
Ele reagia com olhar confuso a minha reação, enquanto Calígula dizia que eu devia ser executado por aquele crime, as artes da escrita.
Os dois tinham esse ar de deus.
Ambos da sua maneira, e aquela reunião não fazia nenhum sentido.
Parecia ser um novo Triunvirato da loucura, que se mataria antes mesmo da ressaca.
O banquete tinha de tudo.
Frutos-do-mar, carnes, frutas, bolos e muito vinho.
Tudo em quantidade exageradas.
Eu estava enjoado de ver tanta comida, então fiquei apenas no vinho.
Até porque, não encontrei a salada de Caesar, tão comum em qualquer boteco na Europa hoje em dia.
Afastado daquele salão, eu conseguia perceber pessoas andando de um lado para o outro.
Todos nus e com o mesmo clima de putaria digno de Roma.
Depois de algum tempo naquela conversa maluca sobre minha escrita amadora e minhas esquivas aos ataques de Calígula, percebia que eu estava sozinho.
Ao meu lado, ninguém.
Nem a Mafiosa que era da região para dar uma moral.
Escritor renegado, sem dinheiro, sem mulher e sendo humilhado pelos pseudos deuses.
Podia ser pior, por isso estava relaxado tomando meu vinho.
Eu estava vestido na frente de Calígula, o que era uma proteção e não via nenhum sinal de fogo perto de Nero, o que me garantia mais uns goles.
Eu olhava para um lado e assistia Calígula tomando seu vinho com goles enormes, que vazavam pela sua boca e caiam pelo seu corpo.
Enquanto isso, seus escravos o lambiam.
Eu estava começando a ficar enojado.
Olhava para o outro lado e Nero estava recitando aquele monte de palavras sem sentidos que ele chamava de poesia ou produzindo aqueles miados de gato com sua lira.
Seria isso o inferno narrado por Dante?
Era uma tortura até para o velho Vigário.
- Nós temos o mundo, somos tão poderosos quanto qualquer outro deus romano, além de sermos basicamente as entidades máximas da putaria.
Nem Baco chegou perto de nos. - Calígula fazia seu discurso e mesmo me incluindo em suas palavras, seu olhar para mim era de desdenho total.
Não era para estar ali.
Eu não era assim.
Estava sendo reduzido a um ser pior do que a escória que eu já me considerava.
O poder financeiro e as relações sociais que Ari tinha, abria muitas portas que eu nunca neguei, porem era parte do meu padrão fugir dessas portas.
Sempre curti meu caminho, com pedras ou não.
Não importava, desde que a escolha fosse minha.
A parte da putaria me rebaixava a eles.
E mesmo no auge das minhas loucuras por aí, não pensava dessa forma.
Eu era mais um sofredor por amor, do que um Don Juan contando suas conquistas.
Aquele encontro era realmente uma forma de julgamento.
Minha consciência talvez estivesse me torturando com intuito de rever minha vida e meus passos.
Eu me sentia mau, suava e tinha calafrios.
Sentia o chão tremer aos meus pés em um ritmo contínuo.
Nero e Calígula me encaravam com sorrisos debochados.
Mesmo me diminuindo, eles me consideravam um igual.
O que era extremamente constrangedor.
- Nós somos todo mal aqui dentro - Nero gritava como o alucinado que nos conhecemos da história.
Gargalhava ensandecido.
- Toda a loucura a partir de agora, foi criada pelas nossas obras.
Somos os deuses dessa geração. - Calígula complementava.
O chão tremia com mais força.
As pessoas que estavam em volta do salão principal, agora eram massas e massas em uma orgia maluca.
E a cena se passava na minha visão em câmera lenta, tudo começava a rodar e aquele incomodo me devorava.
Acordei, suando como se estivesse febril.
Da Vinci, meu peixe-beta, me encarava com seus olhos arregalados como se tivesse sentido aquele pavor que eu tinha experimentado.
A água do seu aquário estava vibrando.
E eu assistia aquela cena sem sentido por alguns segundos, sem encaixar as peças do quebra cabeça.
Foi quando percebi que meu telefone de emergência estava tocando.
Ele nunca tocava.
Era só em último caso.
Atendi acordando daquele pesadelo, mas parecia que ele iria continuar.
- Vigário, acaba de ocorrer um assassinato aqui na praça.
A forma segue uma morte do seu livro e o assassino deixou uma cópia do livro próximo ao corpo.
Estou indo ao seu encontro porque a polícia também está indo para aí. - Rudolph falava tentando ser o mais tranquilizador possível e, ao mesmo tempo, mostrando a gravidade daquela situação.
Fui colocar uma roupa, ouvindo a risada daquele filho da puta do Calígula e suas últimas palavras.
Parecia que do Triunvirato da loucura, o meu reinado era o próximo a cair.
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