domingo, 26 de janeiro de 2020

Era uma vez uma ex








“- A primeira vez que te vi, foi no mercado.
Você tinha um semblante abatido, não tinha nada de mais que chamasse atenção, mas mesmo assim algo me atraia a reparar você.
Lembro-me de detalhes, e o mais simbólico, você estava pegando uma bandeja de bacon.
Pensei: Sabia que tinha algo verdadeiramente terrível com ele, mais um acabando com o mundo.
Meu pensamento de vegana militante.
Ok, antes fosse o mundo e não o meu mundo.
Nesse misto de amor e ódio foi como vivi tempos depois do termino.
O amor pela pessoa que você é e o ódio pela pessoa que você deveria ser.
Você me protegeu tanto, e fez senti tão amada que isso me fez mal.
Me fez cair no mundo depois do termino completamente às cegas e indefesa.
Por isso te odiei por um tempo, admito.
Desejei que você não tivesse mais sorte no amor e nem mesmo nos seus porres.
mas com o tempo, você aprende a viver sem essa muleta psicológica e começa a sumir esse efeito turvo na visão.
Pelo menos deveria ser assim com todos.
Eu sabia que você vinha de uma fase machucada, mas nem isso tornou você um idiota.
Talvez, você não percebesse o quanto cuidou de mim e me protegeu de mim mesma.
Então hoje, mas madura e olhando para esse passado, só tenho a agradecer o quanto você me fez crescer como pessoa e me ensinou a não aceitar menos do que eu mereço em um relacionamento.
E como você sempre dizia, eu mereço o mundo.”


Depois de uma conversa entre amigos como de costume para minhas pesquisas de campo para artigos ,resolvi aceitar um desafio de Ari sobre minha exs.

Na verdade, aceitei em partes.

Ari era um cara que se considerava maduro para relacionamentos a pouco tempo, então na sua cabeça, sua exs as odiavam.

Eu achava que isso era só um ponto de vista.

Ari se sentia fracassado com seus relacionamentos anteriores, mas ele sempre foi um cara que se jogava aos sentimentos.

Se tivesse que tomar uma decisão na cegueira da endorfina da paixão, lá estava ele mergulhando.

E hoje ele chegava a uma conclusão de que talvez esse fosse o erro.

Eu tentava convencê-lo que não era.

Eu sempre fui mais “razão” do que emoção.

Leia se razão como algo de um manual e não necessariamente o correto.

Segundo Faith só havia uma explicação para isso.

Meu signo.

- Você é uma pedra de gelo, se esconde atrás de ser uma cara reservado e que segue padrões lógicos simplesmente para esconder a frieza que ganha na queda de braço da sua empatia, por exemplo.
isso é um aquariano de respeito.
-  Sempre seus discursos eram sobre como uma constelação minha afetava.

Eu não era adepto dessas teorias.

Adorava ouvi-la falando, mas nunca acreditei muito nisso.

John por sua vez tinha outra teoria.

- Você simplesmente inconscientemente não quer se prender, e com isso você cria seus obstáculos.
Tudo se resume a defender sua liberdade.
– Dizia ele com aquele tom de quem tinha total certeza sobre o que falava.

Ari por sua vez sempre achou que eu queria era fazer número.

Ter milhares de mulheres aos meus pés.

Até que ele começou a ter mais intimidade comigo.

Daí segundo ele, conseguiu me entender.

- Você se coloca como o mal do mundo, seu impulso é se jogar e aproveitar aquela situação.
Dias depois você tenta afasta qualquer um, por achar que vai desgraçar-lhe a vida.
Talvez isso explique o porquê pessoas deprimidas te atraem tanto.
Você tem essa empatia enorme dentro de você que quer abraçar o mundo.
Você se entrega com todas as forças a fim de ajudar aquela pessoa.
Quando sua missão está completa, você absorveu tanta negatividade que você acha que é a raiz do problema, e ai como proteção a outra pessoa se afasta ou afasta a pessoa.
Eu aprendi a lidar com isso, mas é bastante irritante essa sua mania de se trancar e se esconder de todo mundo.
-  Ari tinha sua conclusão muito firme.

Depois de todas as opiniões psicológicas sobre mim, a pesquisa estava perdendo o foco.

Afinal, se eu quisesse me entender melhor procurava uma terapia.

A questão era uma só.

Eu queria provar para Ari que o certo mesmo é viver o momento.

E não seguir meu modelo completamente ferrado de ser tão “responsável” em relação a isso.

Claro, nunca se pode perder de vista a sua responsabilidade emocional pela outra pessoa.

Mas até mesmo quando você faz merda nesse sentido, se for seguindo o impulso que a outra pessoa também está seguindo, é perdoável.

Então foi feito o desafio.

- Vigário eu duvido que alguma ex sua te odeie hoje em dia.
Você sempre foi o mais responsável possível com seus relacionamentos, e estava lá em todas as batalhas da outra pessoa.
Por mais que todo termino seja traumático, nunca vi você saindo como um filho da puta.
– Ele falava com convicção.

- Se você se arrepende de algo, esse algo pode ter sido algo que machucou alguém.
E isso, em relacionamentos duradouros é uma cicatriz que podia ficar pulsando por muitos anos.
- Eu chegava a conclusão.

- Ok Vigário, te desafio a escrever um artigo para suas exs para que elas falem sobre você. – Ari falava sorrindo.

- Ari, seu desafio é muito problemático, faria eu abrir uma porta do inferno.
Mas posso cumprir uma parte do seu desafio só para provar meu ponto de que você não deve virar algo menos sentimental e que abre mão de viver o momento.
Vou escolher uma ex, da qual eu acho que me odeie mais e pedir algumas palavras dela.
A falta de palavras ou pouquíssimas delas em tom ríspido ,já te mostraram como não fazer.
– Eu falava sorrindo com um pouco de medo.

Sai do bar aquele dia com aquela missão.

E passei algumas tardes pensando para qual ex deveria direcionar essa mensagem.

Ao meu ver todas me odiavam.

Se tivesse alguma que não, simplesmente porque já nem lembrava da minha existência.

Talvez a menina de Cork fosse uma boa, pensei.

Porem estava muito recente e relativamente próxima de mim, melhor evitar.

A Mórmon também passou pela minha cabeça, mas acho que era melhor não arriscar ser atacado novamente por milhões de mensagens sobre jesus da comunidade mórmon.

O meu primeiro amor ,Eu não queria ter contato.

E de alguma forma tinha medo de que agora que ela não se odiava mais por causa da depressão, talvez tivesse me direcionado esse ódio.

A minha antiga parceria do sol e a lua não era uma boa escolha porque tinha sido algo dolorido de uma forma diferente e eu não queria relembrar esse sentimento.

Todas as possibilidades narradas em contos e as não contadas ainda, foram cogitadas.

Até que cheguei a resposta.

A vegana.

Nosso termino foi de uma forma muito tranquila, mas tenho um arrependimento sobre isso.

Simplesmente não demonstrei nada.

Nem um impulso me deixei levar.

Foi a fase mais machucada que eu estava e ela apareceu para me salva.

Eu estava anestesiado, sem nenhum sentimento.

E acredito que antes mesmo do término ela percebeu isso.

E isso é  algo que me lamento.

Porque ela era uma pessoa muito especial que não merecia entrar na minha vida naquele momento.

Ela não tinha culpa de eu ser/estar um idiota naquela fase.

Então na minha cabeça essa tinha o maior e mais verdadeiro potencial a me odiar.

Enviei a mensagem e aguardei a resposta.

Depois de um mês recebi a minha resposta  em forma de carta com uma encomenda junto.

A mensagem da carta era essa do começo do conto e a encomenda que vinha junto eram uma caixa enorme de aspargos enrolados em uma fita escrito “Obrigado”.

Fiquei feliz com a mensagem e até mesmo com os aspargos.

Imagino que foi doloroso e ao mesmo tempo libertador para ela escreve-lo.

Eu sei o poder que a escrita tem, então ao mesmo tempo que fui muito cuidadoso com a minha mensagem ,sabia o quão libertador poderia ser para ela isso.

Marcamos novamente no bar e mostrei a mensagem para Ari e John com um sentimento confuso de derrota e ao mesmo tempo, feliz pelas palavras.

- Parece que você estava certo Vigário, mesmo que ela diga que te odiou por um tempo, no geral o que ela demonstra é que mesmo sem você perceber ,você se jogou e viveu o sentimento.
Se deixou levar.
Talvez seja só sua percepção que esteja afetada e não deixe você ver que mesmo com suas questões pessoais, você também se deixa levar pelas loucuras da paixão.
-  Ari falava satisfeito com a definição daquele desafio.

Eu apenas sorri e bebi minha cerveja.

Aquelas questões eram muito mais profundas para mim e eu me empenhava em tentar melhorar.

E toda essa conversa começou quando percebi que Ari por causa de uma desilusão amorosa podia ir no caminho de se fechar para as próximas experiências.

John resolveu pegar três copos de uísque e resolvemos brindar a o não ódio das exs.

Quando brindamos ,meu copo simplesmente se quebrou.

Mas de um jeito absurdamente estranho, basicamente em pedacinhos.

John com seus olhos arregalados fez o primeiro comentário no meio daquele silencio.

-Minha vó sempre me dizia ,que copo quebrando em pedacinho era uma ex que estava te odiando naquele momento .

Parece que não sou assim tão amado pelas minhas exs. – Eu concluía.

Todos nos gargalhamos enquanto o garçom me trazia outra dose e nossos aperitivos que eu tinha especialmente solicitado para aquele dia.

Aspargos com bacon.

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