Eu estava ali parado com meu terno preto rodeado de pessoas com roupas de luto.
Aquilo era estranho e estava me deixando com uma sensação de desconforto absurdo.
Junto comigo não tinha nenhum dos meus amigos conhecidos.
Tinha aqueles dois irmãos britânicos, bastante conhecidos como os donos de uma banda de rock e pelas suas brigas diárias que sempre colocavam a banda em cheque.
Eu me referia a banda deles como “protetor”.
Eles, como de costume, discutiam por alguma besteira, uma teoria sobre como mudar o futuro.
Eu os ignorava.
De frente para nós o caixão.
Um caixão enorme e umas bandeiras do Japão a sua volta.
Nem mesmo a japonesa do último conto veio a minha mente.
Era um enorme branco na minha cabeça encarando aquele cenário.
Eu suava e continuava me sentindo mal naquele lugar.
- Eu vi a última luta dele contra o coveiro.
A ironia é que vi ele ser colocado no caixão lá também. – O irmão mais encrenqueiro falou com um sorriso no rosto.
Que porra vocês tão falando?
Quem é ele? - Perguntei irritado com aquela situação de completo apagão.
Como assim Vigário?
O Atual campeão de wrestling, a lenda japonesa que veio direto do Sumô.
O que você bebeu ontem? - O outro irmão me informava me ironizando.
O que bebi ontem era uma boa pergunta.
Sai dali, abandonando a saudável companhia dos meus antigos amigos que eu desconhecia ter.
Um carro me esperava na porta.
- Estaremos lá em 5 minutos, senhor - O motorista desconhecido me dava aquela informação que não me ajudava em nada.
Eu simplesmente deixei rolar.
O álcool estava acabando com meu cérebro finalmente ou eu estava seguindo alguma piada de mau gosto de Ari e John.
O carro parou e quando abri a porta, uma conhecida dos tempos da faculdade me esperava.
Eu não lembrava seu nome.
Ela só sorriu para mim e disse que estávamos atrasados.
Aquilo era um shopping e estávamos indo para um pátio, algo que parecia uma área de alimentação.
Ali inúmeros rostos que não reconhecia, me cumprimentava.
Um monte de hambúrgueres por todas as mesas.
Peguei um e me sentei.
A menina que me recepcionou me entregou uma espécie de prova.
Olhei e vi um monte de números.
Aquele dia não podia piorar, era uma prova de matemática.
Vinha escrito em letras grandes e negrito, CÁLCULOS.
Quem me conhece, sabe meu pavor por números.
Eu não sabia o que fazer.
Uma mão repousou no meu ombro de uma forma forte, quando olhei era Rudolph.
Ele me olhava com um semblante de desapontamento.
Antes que eu perguntasse o que estava acontecendo, ele me interrompeu.
- Sabe Orfeu?
Ele tinha aquele lindo dom que todos amavam.
Ele era realmente admirado.
Fez de tudo que pode.
Foi parar no submundo atrás do seu amor.
Mas acabou falhando.
Foi inseguro e falhou.
Sabe qual a parte mais interessante dessa história que ninguém conta?
Orfeu quando voltou, arrasado e destruído não foi consolado por ninguém.
Pelo contrário, morreu amargo, odiado e julgado por muitas pessoas por falhar. - Rudolph, com aquele ar serio de sempre, despejava as palavras como se fossem machados sendo lançados.
Eu fiquei alguns minutos em choque e sem reação com toda aquela informação sem sentido na minha cabeça.
A turca estava sentada a minha frente e eu não tinha percebido.
- Isso não é uma viagem de LSD.
Ninguém te fode mais do que sua própria mente.- E ela sorria jogando um hambúrguer no meu peito.
O impacto daquele hambúrguer foi mais pesado do que o normal.
Mas foi o que me salvou de toda aquela loucura.
Eu abria meus olhos e via Bacon pulando no meu peito, tentando me acordar.
Ele me encarava com um olhar diferente.
Algo deixava ele incomodado.
Eu levantei com uma dor descomunal no corpo.
Minha lombar estava gritando.
Encontrei com Faith na sala que veio me dar um abraço de bom dia.
Ela estava arrumada, se preparando para voltar ao Brasil.
Maeve também iria voltar para os Estados Unidos.
Já estávamos 3 meses de quarentena, quando as coisas começaram a abrir na Europa.
Porém, o Brasil e Estados Unidos estavam uma loucura, tanto devido à epidemia como por tensões raciais e políticas.
Maeve iria voltar para apoiar os protestos.
Faith iria voltar para resolver a prisão do nosso amigo dos tempos de faculdade que tinha sido preso em uma conspiração política.
Cassidy O’Reily era um irlandês que já morava no Brasil há mais de 20 anos.
Fez faculdade de jornalismo comigo, Ari e Latini.
Saiu da Irlanda por perseguição política, porque era uma voz forte contra o poder que a igreja tinha no governo do País.
No Brasil, virou jornalista de política reconhecido pelas mesmas bandeiras.
Combatia a influência que a igreja tinha no governo e outras bandeiras.
Era comentarista político de um canal famoso de notícias e tinha um programa de rádio sobre esportes, mas focado em futebol.
Além disso, tinha seu blog famoso por artigos de política e sobre futebol, “Di canhota”.
Uma piada na forma de falar dos cariocas, povo que o acolheu na sua chegada ao Brasil, além de um jogo de palavras com jogadores canhotos e a famosa esquerda política.
Ele não gostava de se intitular de esquerda, porque dizia que o Brasil não tinha uma esquerda.
Muito menos de direita.
Cassidy tinha um problema desde a faculdade.
Latini.
Latini era um aproveitador de tudo que ele mais abominava, principalmente era um dos responsáveis para o aumento do poder da igreja no governo atualmente.
Eles sempre foram inimigos públicos na mídia.
Nos bastidores, eles se comportavam bem quando estávamos juntos, mas com ressalvas.
Outro problema, bem menor, era Rudolph.
Cassidy estava sempre atacando o exagero da polícia no Rio de janeiro.
Rudolph sempre foi o cara que tentava cortar o mal pela raiz dentro da corporação, porem ouvir outras pessoas falando mal sobre, o deixava irritado.
E eles tinham esses pequenos choques nos noticiários uma vez ou outra.
Faith tinha recebido um telefonema de que Cassidy tinha sido preso, no que parecia ser uma armação suja e totalmente amadora com documentos falsificados.
Ela não pensou duas vezes, e comprou o seu voo de volta para ir resolver o problema de Cassidy pessoalmente.
- Isso cheira a Latini. – Ela falou com aquele ar de desconfiança.
Latini jamais iria admitir, e ele era um dos sócios do escritório de Faith e John.
Mas Latini sempre foi um estrategista.
Tirar Cassidy do jogo por uns dias, sabendo que ele não teria maiores problemas, parecia ser um dos seus passos para fazer algum movimento.
Cassidy era um cara legal e publicava seus livros pela minha editora.
- Vigário você está queimando de febre.
Será que depois de toda essa quarentena, você foi infectado? – Faith falava depois do abraço com sua preocupação habitual.
Maeve em segundos já estava com o termômetro em mim.
39,5 de febre.
Tem algo muito errado com você – Ela falava com pavor.
Pela primeira vez aquele mal-estar do sonho fazia um pouco de sentido.
Eu andava gritando por dentro a cada passo, devido à minha lombar.
Até que o mundo girou.
E a partir daí parece que voltei para aquele sonho louco.
Eu estava funcionando em flashes.
Estava no carro, e sentindo mole e confuso.
Depois deitado em algum lugar com Faith me encarando.
- Imagina se você fosse uma mulher e tivesse que dar à luz.
Acho que estaria em coma essa hora. – Ela gargalhava.
Eu continuava confuso e com uma sensação de que estava chapado.
Sorri para Faith e senti meus olhos fecharem.
Acordei novamente e lá estava ela ao meu lado com um sorriso mais aliviado.
Eu estava no soro, tomando medicação.
- Quem diria que a lenda Vigário, o rei da esbórnia iria ser derrotado por uma pedra – Faith começava a zombaria.
- Você estava com quase 40 de febre e começando a alucinar quando te trouxemos para cá.
Fizeram alguns exames e descobriram o problema, cálculo renal.
Uma bela pedra no rim.
Tiveram que fazer um procedimento, nada de mais e agora você já está na fase de recuperação.
Maeve foi para o aeroporto, mas disse que irá mandar uma garrafinha de água de presente para você.
Eu remarquei meu voo para amanhã e volto assim que conseguir resolver o problema de Cassidy.
Elliot será sua enfermeira.- Ela voltava ao seu sorriso de quem estava se divertido bastante com aquilo.
Toda aquela informação fazia sentido.
Meu sonho, já era influenciado pela minha febre.
Minha dor na lombar.
E uns incômodos nos últimos dias para ir mijar, do qual não me preocupei.
Eu que achava que a única pedra do meu corpo era meu coração.
Parece que estava começando a assistir os abusos da minha vida desregrada.
O médico apareceu e com Faith deram aquele sermão que se dá em crianças e idosos.
Eu ouvi atentamente as recomendações.
Ele se retirou e Faith continuou com aquele discurso de que eu deveria começar a me cuidar e tal.
Que eu tinha que beber água, coisa que eu odiava.
E depois de todo aquele despejo de preocupações,eu olhei para ela com uma cara séria.
- Tudo isso é muito estranho, sempre ouvi que cerveja era diurético. – Falava no alto do meu sarcasmo.
Faith soltava fogo pelos olhos com aquela frase e Elliot chorava de gargalhar.
Uma pedra.
Quem diria.
E eu preocupado com amores
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