segunda-feira, 15 de julho de 2024

E se hoje fosse seu último dia?

 




Ontem ela estava de frente para o por do sol em Santorini e hoje esta aqui sentada em um banco de madeira em um pub em Limerick comigo.

Por mais diferente que seja os cenários, não fazia muita diferença naquele momento.

Limerick estava naqueles dias de agradecimento, para quem nunca desiste dela.

Quente o suficiente para ser aconchegante, sem ventos e com o céu avermelhado.

A cerveja gelada na mesa acompanhava aquele reencontro que tinha um sentimento tão especial.

A viajante era uma amiga dos tempos de restaurante, assim como a turca do ácido e o pato loco.

Trabalhamos juntos alguns meses apenas, porque ela já estava indo se jogar para o mundo.

Ela virou uma amiga secreta no restaurante, pois só conversamos no depósito, onde tomávamos vinho escondido e quando voltávamos ao trabalho, fingíamos não ter intimidade.

Sempre que ela começava a falar dos seus planos, de ir para o mundo, sem pensar no dia seguinte, aquela liberdade exalava uma energia vibrante e apaixonante.

Era uma energia que te energizava também.

No início parecia até algo fantasioso de uma jovem que vivia no mundo dos sonhos, mas ela era alguém que sempre lutava pelo que acreditava.

Hoje, depois de mais de 40 países, vivendo diferentes culturas, resolveu dar uma parada no seu amor antigo, que era como ela se referia a Limerick.

Casa, ela não conseguia dizer, para ela casa era o mundo.

A viajante tinha esse espirito cigano que se alimentava de experiências e de incertezas.

Não posso me aprofundar sobre ela, esse sempre foi o conselho dela.

Ela era um ladra de corações, roubava o seu e depois partia, mas comigo ela já chegou avisando isso de início.

Eu achava graça, pois eu também tinha uma certa fama parecida por aí.
A diferença é que como ela não fincava raízes em lugar nenhum, ela estava sempre indo embora, e não existia nada que fosse parar suas despedidas.

No fundo, ela gostava daquele sentimento, de perder algo e tentar cicatrizar isso com algo novo.

Ela sabia o quão corrosiva podia ser para alguém, e resolveu tatuar seu lema na costela.

“Don’t try”.

Que significava “não tente”.

E assim, com esse aviso de cuidado estampado, ela se sentia um pouco menos culpada, toda vez que vivia algo que sabia que iria terminar na próxima virada de página.

Ao mesmo tempo, ela tinha no braço uma tatuagem que dizia “Hic et nunc”, do latim que basicamente era o seu mantra, “Aqui e agora”.

Ninguém pode dizer que teve o coração despedaçado por ela por falta de aviso.

Ela vivia realmente o presente.

Estávamos ali aproveitando aquela tarde agradável, que como ela dizia, eram os momentos mais importantes da vida dela.

Sempre o agora.

A cidade estava cheia devido a eventos de música de verão, então tinha aquele ar diferente, de pessoas de outros lugares passando pela rua.

Ver pessoas diferentes sempre foi algo que me agradava e a ela também.

Talvez um dos fatores mais importantes da vida que ela levava fosse esse, sempre ver pessoas diferentes.

E como uma espécie de guru, começou a me aconselhar sobre a minha ideia de me jogar para o mundo.

Antes de qualquer conselho, ela tinha uma pergunta.

- E se hoje fosse seu último dia?
Essa era a vida que você ia querer?

E ela preenchia o silêncio que deveria ser minha resposta com pensamentos que trazia da sua experiência.

Como era importante deixar os nossos medos para trás, para evitar congelar com questionamentos de futuro que as pessoas vão jogar em você.

Realmente ela era muito madura sobre as suas escolhas.

Ela mostrava um pequeno ressentimento com pessoas próximas que a vinham como uma pessoa egoísta pelo fato dela viver a vida e as escolhas dela.

Ouvindo ela, dava para ter um entendimento melhor de como o tempo passa rápido e você não percebe como sua vida ta se evaporando.

Ela era muito cobrada pela família, por padrões que nunca foram dela.

Como criação de família, ter filhos, de estar longe de familiares.

Eu conseguia ver quanta pressão ela sofria com suas escolhas e se sentia injustiçada por esse apedrejamento moral.

Ela não conseguia acompanhar de perto o crescimento da afilhada, que era o amor da sua vida e até isso a família tentava jogar no psicológico dela.

Para a afilhada, ela era uma heroína dos quadrinhos, mesmo longe, sempre atenciosa e tão próxima quanto sua família.

Os pais diziam estar envelhecendo sem ela, filha única, e que isso era um dos maiores pecados perante deus.

Ela me respondia sorrindo, mesmo com a tristeza no olhar com essa carga psicológica.

- Não sou religiosa, meus pais viveram a vida deles.
Erraram, acertaram, expandiram o mundo deles o quanto quiseram e hoje querem que eu abra mão da minha vida, para viver a deles.
Não faz sentido.

Isso não era um desabafo de algo recente, pelo contrário, ela já tinha aprendido a lidar com aquilo.

Ela só estava ali mostrando as partes difíceis da minha futura escolha.

Sempre fui cobrado e chamado de egoísta pelas minhas fases mais reclusas.

Na fase viajante não será diferente.

Algumas pessoas se preocupam de verdade, mas se tornam toxicas com essa preocupação que faz de tudo para podar suas asas.

Outras só estão jogando em você as suas inseguranças.

Uns poucos não gostam de ver você fora da bolha, esses nem deveriam estar na sua vida.

Quando você expande seu mundo, sua forma de pensar, a tendência é perder bastante pessoas nessa caminhada.

Mas o que aprendi nessa vida louca, é que quem fica, é que importa.

Quem vai, tinha que ir.

A insegurança de outras pessoas não devem te envenenar.

Ouça sua culpa e veja ela ser honesta com você.

Se você foi honesto com suas escolhas, com o que desejava, as pessoas a sua volta estarão sempre por você la.

Você nunca vai estar sozinho.

Na sua busca, o ideal é não perder nem mais um dia.

Não existe amanhã nesse mundo.

Enquanto não se move e se deixa levar pelo que as pessoas querem para sua vida, você vai continuar com essa secura na boca.

Esse nó na garganta, que é aquela sensação de que o amanhã nunca vai chegar.

Você vai ouvir que esta fugindo da vida, mas, na verdade, esta fugindo para viver.

Imagine o seguinte cenário.

É te dada a oportunidade de ter uma vida livre, onde você pode ser o que você quiser.

Fazer e sentir o que você desejar.

Mas você optar por viver uma vida cheia de amarras.

Compra a versão dada que para ser feliz você precisa abdicar de viver.

E é isso que você faz, para juntar farelos que possa te dar uma segurança no futuro.

Futuro esse que é tão futuro que não existe nem a possibilidade de pensar como seria.

Abre mão do sorriso atual, para ter mais umas moedas guardadas debaixo do colchão.

Um dia, cansado com aquele sorriso sofrido no rosto, você decide que agora vai ser diferente.

Se dá um jantar de presente.

Olha aquele prato chique, da alta gastronomia na sua frente e consegue identificar entre vieras e trufas, algumas ervilhas soltas no prato.

Não faz muito sentido elas ali e você não é muito fã de ervilhas.

Mas é por la que você vai começar.

Agora é a fase de aproveitar as pequenas coisas.

Na primeira ervilha, seu mundo roda e desaparece.

Não pela experiência gustativa impressionante que você teve, mas sim porque você engasgou com ela e morreu ali.

Triste, sozinho, solitário, frustrado por não viver a vida antes e convicto que a vida é um sopro e perder tempo nela é uma sentença de pena de morte.

Seu dinheiro morreu la debaixo do colchão sem proposito.

As pessoas te esquecem com o passar do tempo, porque você viveu uma vida de engrenagem.

As limitações que você se impôs por culpa de algum seguimento social, tiraram o seu direito de viver, te cegaram e te tiraram aquele luar prateado de esperança.

Existem pessoas que ficarão felizes por ver você feliz, sem dar pitaco nas suas escolhas.

Se você não busca a sua felicidade, você esta sendo egoísta com você e com essas pessoas.

Mas ser egoísta não é o problema, ser infeliz que é.

Pensar muito sobre isso sempre me fez revisar cada escolha do passado, procurar novas respostas e identificar padrões de comportamentos errados.

Recalcular rota sempre foi uma ferramenta na minha vida, continuar dirigindo na direção errada nunca foi meu estilo.

Ali estávamos conversando sobre a vida e eu fui entendendo melhor nossas escolhas diárias.

Uma conversa diferente desses monólogos que vemos quando encontramos alguém que só quer despejar em você todos os seus problemas.

Era bom estar com a viajante de novo, ela tinha essa aura de quem realmente estava feliz.

Felicidade é essa soma de pequenos momentos positivos, que poucas pessoas conseguem juntar.

Não conseguem colecionar, porque estão tentando sobreviver ou estão vivendo a vida que outra pessoa quer.

A viajante está indo embora amanha, para a Colômbia.

Ela sabe exatamente o que faria se o dia acabasse hoje.

E eu vou aproveitar a boa companhia e a cerveja gelada, porque mesmo me jogando no mundo amanha, hoje eu já tenho a paz que procuro.

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