Começando aquela manhã caminhando a beira do rio, com uma ópera desconhecida de fundo no meu fone de ouvido.
O que chamo da busca da paz, mas que às vezes só bagunça meus pensamentos.
Pois bem, paz comigo sempre vem do caos.
Não era um dia muito quente, pelo contrário, um vento irritante e continuo me confrontava.
O verão irlandês não segue um padrão.
No caminho, Riley e Mr. Wolf me cumprimentavam e do outro lado da rua, depois de muito tempo, la estava ela.
A velha cigana romena que me odiava desde o primeiro dia que pisei em Limerick.
Ela gritava aquele monte de maldição e palavras proibidas para mim como uma inimiga.
Era uma mistura da língua romani com romeno, logo soava mais agressivo.
O porquê do ódio eu nunca soube explicar, mas era algo de outra vida.
Eu só sorria e dava um tchauzinho.
E ela continuava seu caminho, agora com a sua paz afetada.
Algo raro acontecia nessa manhã, eu estava com o meu celular, porque tinha dado uma entrevista para uma rádio americana.
Maeve sempre trabalhou muito bem com o que ela chamava dessa obsessão americana por mim.
Mesmo sendo por telefone, a entrevista foi divertida, e logico que terminou com a mesma pergunta de sempre.
“Quando sai o novo livro?”
Ouvia isso cada dia mais.
Maeve cuidava da minha carreira e calculava cada movimento nessa pressão invisível e diária.
Meu celular era um artefato místico.
Era mais fácil encontrar a lança do destino do que eu com aquele aparelho na mão.
Mas essa era realmente uma manhã incomum.
Voltando para casa, ele começa a vibrar e eu desacostumado com aquele momento, fico encarando, esperando um entendimento daquela situação.
Na tela o nome Latini.
O que não fazia nenhum sentindo.
Acredito que umas 10 pessoas tem meu número,9 delas eu dou uma risada irônica se vejo ligando e dou as costas.
Apenas Faith eu me obrigo a atender, porque se não o fizer, ela faz da minha vida um inferno.
Ari e John não me ligam mais, aparecem na minha porta.
Maeve só usa email, e eu normalmente leio, o fato de não responder sempre, tem sido um problema que estamos melhorando na nossa relação de trabalho.
Rudolph, se precisa falar comigo, manda a polícia na minha casa, sempre com sua sutileza de um elefante bêbado.
Nem uma ex tem meu número.
Elliot fala comigo pelo blog, mantendo sua linha meio de fã mesmo sendo um amigo.
Mas Latini?
Esse não entrava em contato de nenhuma forma.
Achei estranho e com uma demora excessiva pela falta de costume, atendi aquela ligação.
- O meu filho da puta preferido ficou sentimental e decidiu me atender?
Achei que o tempo de cadeia ia te deixar mais duro para a escória da sociedade como eu. - Ele se divertia com cada detalhes dos tempos de Florença.
Faith já tinha me falado sobre o sorriso no rosto de Latini sempre que falava sobre a confusão que meus últimos anos de vida foram.
Mas eu ainda não o tinha encontrado para ouvir seu humor negro rebuscado sobre o que ele chamava de “o melhor livro não escrito do vigário”.
Latini tinha tentáculos em tudo que era lugar.
Era dono dos escritórios de Faith e John, da empresa de segurança privada internacional que Rudolph era responsável e de várias rádios pelo Brasil.
Hoje em dia era reconhecido internacionalmente, se envolvendo com a pior raça de republicanos nos Estados Unidos e grandes nomes da extrema-direita da Europa.
Mas la estava ele, com aquele tom dos tempos da faculdade de jornalismo, sarcástico e arrogante como sempre.
- Vigário, preciso de um favor.
Meu amigo, o rockstar que você conheceu aqui comigo, esta na Irlanda para um festival e já liberei todos seus acessos para o hotel, festas e o próprio show.
Ele não parece estar muito bem, parece ser depressão, e você sempre foi o cara que lidou bem nesse fundo do poço, acho que fará bem a ele essa visita. - por alguns milésimos de segundos senti uma preocupação legitima na voz de Latini.
Isso era algo inacreditável.
Em um dia normal, eu mandaria Latini se fuder e desligaria a ligação, mas fui pego de surpresa e sem reação, horas depois estava indo de encontro com o rockstar, mas conhecido como Anticristo.
Eu não sei dizer porque me sentia na obrigação de fazer um favor a Latini, mas la estava eu entrando em um hotel para uma noite que eu sabia do tamanho do problema.
Assim como na primeira vez que encontrei o anticristo, o filme se repetia.
Entrada especial para mim que levava direto para a cobertura do hotel, que era uma espécie de apartamento separado.
Era gigante, impossível de imaginar vendo de fora.
Um sorriso conhecido me recebia com uma garrafa de tequila na mão.
- A primeira dose é sempre comigo e depois subimos o Everest juntos. - A guitarrista da banda dizia ao me abraçar.
- Nada de trilha para mim hoje - Eu respondia virando aquela primeira dose de tequila com ela.
Na última vez que encontrei a guitarrista, ela me levou para outro mundo.
Acordei de manhã deitado na cama com ela e mais duas sem ter nem um flash de memória.
Hoje a missão maior era sobreviver ao backstage.
A guitarrista já era uma velha conhecida, dos bons tempos, onde limite era só uma palavra e não uma realidade.
Ela me pegou pela mão e me encaminhou para a sala mais reservada onde aquele rockstar decadente estava mergulhado em escuridão.
Veja só se não é o autor da minha biografia - Palavras tímidas e melancólicas saiam daquele homem que nem de longe parecia ser o anticristo criador de polêmicas na mídia.
E não, eu não era o autor da sua biografia, isso seria um convite para o futuro que eu realmente aceitaria.
Ao seu lado, em uma mesa de cristais, o famoso Everest.
- Vai trilhar na neve comigo? - Ele sussurrava enquanto com sua nota de 500 euros puxava a maior quantidade de pó que conseguia aspirar.
Ele apagava por segundos, como um transe, e voltava como se fosse uma viagem de horas, com aquele olhar perdido e as pupilas enormes.
Eu ainda me assustava, mesmo já tendo assistido aquele ritual por algumas vezes com Latini e até ele mesmo.
Não trouxe meu casaco para essa trilha, vou ficar na tranquilidade da tequila que sempre cuidou bem de mim - Eu dizia sorrindo enquanto a guitarrista já servia mais uma dose para nos.
O Everest, assim como o verdadeiro, deixava corpos pela trilha.
Aquela imensidão deixava muita gente desnorteada, e nesse caminho se você se perde, não existe segunda chance.
O anticristo sabia o caminho mesmo de olhos fechados, e antes mesmo que eu pudesse terminar uma próxima fase, ele já estava afundado naquela enorme montanha de cocaína novamente.
Ele estava depressivo e fora de controle na droga que mais deixava ele em uma situação vulnerável.
Era visível que aquilo era uma situação extrema e que Latini não exagerava em me pedir ajuda.
Mas não sou um psicologo ou mesmo tenho grandes experiencias com essa droga.
Mesmo vendo a força que a cocaína tinha na irlanda.
A ilha esmeralda hoje em dia daria orgulho a Pablo Escobar.
Na cabeça de Latini eu era um ótimo exemplo de depressivo no passado e acho que para ele fazia sentido, um depressivo deve entender outro.
Além disso, mesmo de longe, Latini sempre queria soltar meus demônios, ele sempre foi essa pessoa.
Depois de algum tempo de conversa, a impressão era que não veria o anticristo muitas vezes mais, ele estava ladeira a baixo e eu já sentia uma energia de tragédia no ar.
Ele me falou sobre o projeto da sua biografia e falou que eu era a pessoa ideal para escrever.
Sorri e falei que se minha empresária autorizasse, eu topava.
Logico que falei isso para enrolar.
Não queria acordar com a notícia de que ao quarto ao lado, mais um rockstar tinha estourado seus miolos.
Depois de algum tempo, a guitarrista com uma nova garrafa de tequila veio me buscar e me tirar daquele umbral que eu me encontrava.
O anticristo sequer notou a minha ausência.
Ele parecia uma mudança climática que destroçava todo o Everest.
A guitarrista nunca andava sozinha.
E como na primeira vez, dentro do quarto tinha mais duas amigas.
- Eu estou em uma fase mais calma, essa disposição de antigamente não existe mais. - Fazia meu discurso de quem estava focado em sair inteiro dessa vez.
- Eu também estou, por isso hoje vamos ficar só na tequila, sem drogas. - Ela apontava para a mesa do lado da cama, com pelo menos umas 10 garrafas, enquanto sorria com uma falsa ingenuidade na minha direção.
Sorrisos sempre foram meu fraco.
Mais uma dose de tequila aparecia e com ela minha esperança de manter uma noite tranquila se despedia.
La estava eu novamente, acordando com a boca seca, na cama com a guitarrista e suas amigas, com uma ressaca dos diabos.
Eu sempre me subestimava, mas sobrevivendo a essa noite, dessa vez com memórias, parecia que eu estava mais forte do que morto.
O vislumbre dos dias de glória não conseguiam amenizar a tontura e a vontade de vomitar.
Sai dali e fui direto pegar o carro que me levaria para casa.
Minha missão era só ouvir o anticristo e voltar para casa.
Tinha deixado Da Vinci sem comida e Filé de peixe ficava meio incomodada se eu ficasse fora.
Um rockstar jamais entenderia as minhas novas prioridades.
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