Ficar sentado com Faith sempre me fazia bem.
Ela consegue acessar algo além e me trazer de volta para uma frequência onde eu me sinta melhor.
Hoje eu precisava disso.
Eu parecia um rádio velho, que não sintonizava de jeito nenhum.
Na minha cabeça, apenas chiados o dia todo.
E aquilo me causava uma irritação e, ao mesmo tempo, aumentava a minha ansiedade e pensamentos em exagero.
Quando chego nesse lugar, a única que conseguia me resgatar era ela.
Eu e Faith tínhamos uma amizade com limites acordados.
O mais importante deles, era não ter nenhum envolvimento sexual.
Ela sempre torceu o nariz para isso, mas conseguia entender o porquê eu tinha criado aquela regra.
Ari era como um irmão, e Faith o amor da sua vida, mesmo que não correspondido.
Era muito fácil se apaixonar por Faith, ela era uma mulher que você iria querer ao seu lado.
Não era aquela coisa desrespeitosa como a nova geração fala, da friendzone, onde você fica brincando com aquele sentimento que esta no ar.
Onde um dos lados percebe, e se aproveita disso para inflar o próprio ego, em um jogo meio infantil até.
Alimenta algo e depois recua.
Nos não tínhamos esse problema e com esses limites impostos, eu conseguia me abrir mais com ela.
Por esse motivo, Faith era minha oraculo, minha analista e minha bússola.
Segundo ela, eu não era mais um cigano de corações como antigamente.
Eu parecia estar me limitando recentemente, na real estava fugindo de qualquer coisa que fosse padrão.
Precisava de algo que virasse meu mundo de cabeça para baixo.
Eu era viciado nesse sentimento.
- Eu espero que você se cure das coisas que você não fala sobre - Faith dizia com um sorriso carinhoso.
Não sabia o porquê daqueles dias ruins constantes que eu acordava como hoje, com a cabeça cheia e o coração apertado.
Eu ensaiava uma despedida em breve, onde eu viraria as costas para tudo e todos de Limerick em silêncio, e iria para o mundo.
Mesmo para Faith e os outros, esse tom de despedida já estava no ar, e Faith tinha entrado no modo atenção total a mim.
Quando eu fizer 80 anos, eu estarei lembrando dos meus melhores dias do passado, que são os dias de hoje, o agora.
E eu tento não perder isso de vista.
Eu quero, mas não preciso, eu amo, mas não dependo e assim tenho tentado viver um dia de cada vez.
E nesses dias, la no futuro, quero lembrar de estar com alguém que escolheu estar comigo todos os dias.
Que sente comigo aquela sensação boa de tranquilidade.
O seu coração fala com você de uma forma bem forte, não existe fuga dessa conversa.
Mas os próximos passos quem comanda é o seu cérebro.
Se você encontra o equilíbrio para isso, o caminho fica mais fácil para entender as coisas ao seu redor.
Mas o amor, tem que ser sem medidas.
Essa é a loucura que me encanta, a falta de limites para o amor.
Às vezes você só errou o tempo das coisas.
Mas se você sentiu as borboletas no estômago, todo esforço é valido.
Isso só é valido se você se conhece verdadeiramente, ou então vai cair nas ciladas das paixões platônicas, ou da carência de momento.
Paixões platônicas não me pegavam mais.
Já tive essa fase.
Mas depois de uma certa idade e autoconhecimento, eu sabia que procurava sentimentos reais.
Pessoas que conseguiam acessar lugares que outras nem ao menos conseguiam enxergar em mim.
Além do motivo principal, pessoas que me transmitiam paz.
Não havia algo mais forte que isso para mim.
Esse com certeza era um dos motivos por que era tão fácil se apaixonar por Faith.
Ela me lia, me tranquilizava e acima de tudo via em mim o melhor do Vigário.
Com 20 minutos de conversa, ela pegava toda aquela bagunça que estava minha energia, e parecia organizar tudo como um passe de mágica.
E tínhamos um contraste que sempre era fácil de visualizar.
Ela estava sempre linda e eu mal-humorado.
Nos estávamos bebendo e sorrindo no estádio de corridas de cavalo.
Essa foi a sua ideia de resgate, e estava funcionando.
Ela tinha esse tesão por apostas, nada a um nível viciante, mas o suficiente para dar a ela
adrenalina.
Costumávamos ir às corridas de cachorros que eram comuns na cultura da cidade, mas as de cavalos eram algo maiores.
Enquanto bebíamos, fazíamos apostas.
Eu ficava ali lendo aquele documento com todos os dados e informações dos cavalos e das suas corridas anteriores.
Parecia um sábio.
Mas era tudo ilusão.
Assim como no seu dia a dia, você apostava suas fichas em uma escolha e torcia para que ela desse certo.
Era assim com relacionamentos, era assim com uma escolha profissional e mesmo com uma marca diferente de pão no mercado.
Muita informação só te confundia ou te cegava para uma vitória certeira que talvez não viesse.
Já apostei em muito cavalo errado.
Não sei como eu ainda tenho fichas para apostar.
Mas esse tipo de aposta faz parte da experiência.
Às vezes você escolhe realmente o cavalo errado.
Você se encanta de uma tal maneira, que nada vai te convencer que esta fazendo a escolha errada.
Mas o importante é você marcar sua posição e de alguma forma esperar o resultado.
Abandonar algumas corridas é a forma de se ganhar também.
Visualizar isso é difícil.
Mas com o tempo se espera que você entenda esse jogo e melhore nas suas escolhas.
Ou mesmo que desista de apostar.
Drástico, mas uma posição aceitável.
Eu ainda tinha energia para essas apostas, mesmo estando cada vez mais desanimado e sem estímulo para fazer la.
Se você não ganha algumas vezes, se desmotivar é automático.
E eu tenho perdido bastante.
Meus últimos cavalos não parecem motivados a ganhar.
Só tão ali figurando.
Faith levava tudo isso com mais leveza e menos filosofia.
Ela só estava la para se divertir e deixar rolar.
E olhava para mim com aquele sorriso de 300 dentes, como se tivesse ganhado uma aposta milionária.
Essa leveza eu não conseguia alcançar, era uma grandeza de poucos.
Meu instinto de querer ganhar tudo que eu me propunha, era talvez um dos meus maiores pecados.
Meu último cavalo foi uma aposta interessante.
Fiquei la flertando por um tempo, vendo seu pelo brilhoso e sua musculatura de atleta.
Ele trotava se exercitando e passava uma energia diferente dos demais.
Parecia sorrir para mim, enquanto se exibia.
Pensei, essa era uma aposta campeã.
Me criou todo um clima onde parecia que tinha sido feito só para ser minha aposta certeira.
Então, depois de muito tempo sem apostar e com uma fé abalada, achei que tinha achado o meu cavalo vencedor.
Decidido, apostei minhas fichas.
Vi aquele sorriso e aquele brilho se direcionar para mim naquele dia ensolarado.
Fazia muito tempo que não tinha aquela sensação tão forte de ter feito algo certo.
No disparar do início da corrida, todos correram e o meu cavalo não se mexeu.
Ele parecia entediado e nem ao menos largou.
A impressão que tive é que ele nem tinha interesse de correr por mim, só criou aquele clima antes de cavalo vencedor por ego.
E aquilo foi um balde de água fria.
Fazia tempo que não me sentia tão frustrado assim.
Uma desilusão sem precedentes.
O meu cavalo fez como os jovens de hoje em dia fazem na friendzone, me alimentando um sentimento e depois simplesmente me dando as costas.
Era mais uma aposta errada.
Nem aprendizado veio disso.
Talvez só que eu não entendia de cavalos.
Faith tinha apostado em um cavalo desconhecido que foi o primeiro a cruzar a linha de chegada.
Ela sorria e zombava de mim enquanto comemorava sua pequena vitória.
- Parece que todos esses seus milhares de relacionamentos não te ensinaram nada nas apostas certas. - Dizia sorrindo e me dando tapinhas nas costas de apoio.
Eu ficaria um tempo afastado das apostas em cavalos.
Parecia ser o melhor a se fazer.
Mas toda essa conversa com Faith já valia a pena a experiência.
O que eu podia fazer naquele final de tarde, era beber até esquecer mais uma aposta errada.
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