terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

As cólicas e as tatuagens






Uma hora a vida tinha que voltar ao normal.

Ari resolveu organizar uma viagem para Bratislava com o nosso grupo de amigos mais íntimos.

Eu, Ari, John, Faith, Elliot, Rudolph e Latini.

Eles ficaram preocupados de que eu desse uma pirada depois que recebi a notícia da tentativa de suicídio da minha ex.

E a viagem foi uma completa loucura, um futuro conto.

Depois dessa viagem, Faith voltou junto comigo, Ari e John para Irlanda, para passar uns dias.

Faith era uma ótima companhia, sempre sorrindo e moldando a energia da pessoa ao lado.

Foi importante para me trazer de volta ao dia a dia.

Antes dela voltar ao Brasil, estávamos um dia sentados em um pub jogando conversa fora.

- Você e o Ari não vão se assumir de vez? – Perguntei sorrindo.

- Vigário, eu tenho certeza que amo o Ari, quando estou com ele me sinto como a mulher mais feliz do mundo.
Mas estava solteira e me envolvi com um cara em uma noitada dessas e resolvi deixar rolar. – Faith parecia desabafar sobre esse fato meio envergonhada.

- Porra Faith, você jogou na balança tudo isso que falou e escolheu o cara da balada?
Vocês mulheres são realmente confusas em fazer escolhas.- falei ironizando

- Vamos esquecer esse fato e falar de você.
Agora que você já está bem mais positivo, faça o favor de ir encontrar a tatuada do voo – Ela falava isso em tom de ordem.

Alguns dias se passaram, Faith voltou ao Brasil e eu resolvi seguir seu conselho.

Quando voltamos da Bratislava, viemos na classe A e não havia ninguém ao meu lado.

A aeromoça veio me perguntar se poderia colocar uma pessoa ao meu lado, porque eles tiveram um problema de gerenciar os lugares na outra classe.

Eu aceitei sem problemas, desde que ela não regulasse meus uísques durante a viagem.

Ela apenas sorriu e disse que tínhamos um acordo.

No minuto seguinte eu fui surpreendido pela minha nova companheira de voo.

Uma mulher com um brilho diferenciado.

Eu não sabia explicar o que me chamou tanta atenção naquele momento.

Ela tinha várias tatuagens, mas esse não foi o fator que me deixou completamente perdido olhando aquela imagem que parecia irreal.

Ela tinha olhos cor de mel, era branquinha com os cabelos coloridos.

Um tom loiro com umas mechas rosa.

Sentou se ao me lado, se apresentou e perguntou se podia tomar um gole do meu uísque.

Antes de eu responder que sim, ela já estava tomando do meu copo.


No voo viemos conversando bastante e no desembarque ela me deu seu contato dizendo para procurá-la.

Até aquele momento em que Faith me intimou a encontrá-la, eu já tinha deixado isso de lado.

Mas logo em seguida resolvi seguir seu conselho e entrei em contato.

Nos encontramos algumas vezes, bebemos e ficamos cada vez mais próximos.

Virou uma espécie de relacionamento.

Ela vinha a minha casa passar os finais de semana.

Criamos a famosa rotina.

Depois de toda aquela loucura dos últimos meses, aquele relacionamento parecia ser uma terapia, na verdade, para ambos.

Ela passou por muita merda também antes de me encontrar.

Vinha de uma fase de abuso de drogas e agora estava focada a ter uma vida em paz.

Estávamos meses juntos.

Eu adorava cozinhar para ela.

Cozinhar não era minha praia, mas eu gostava de pegar umas receitas e tentar fazer algo.

Eram erros e acertos, mas sempre nos divertíamos.


Todo mês tínhamos a fase onde eu precisava ser mais cuidadoso do que o normal.

A fase das cólicas.

Eu passava o dia deitado ao seu lado, tentando lhe confortar de algum jeito, enquanto ela se revirava e gritava de dor.

Era realmente algo surreal, principalmente no primeiro dia.

Após passar horas sofrendo e sendo paparicada, ela vinha me agradecer com um beijo.

Logo em seguida estávamos transando como loucos.

O que era um erro quase que fatal.

Pois minutos depois ela estaria com as cólicas potencializadas ao quadrado.

E me xingaria até pegar no sono.

Era uma fase difícil, mas divertida.

Nos dias normais, adorávamos parar para ver filmes.

Mas pegávamos a programação da TV que estava rolando, então sempre víamos todos pela metade.

Era nossa especialidade.

Não lembro de ter visto um filme completo com ela.

Às vezes, quando começávamos um do início, eu ignorava o filme e ficava tateando suas tatuagens.

Eu tinha uma sensação de que podia sentir suas tatuagens de uma forma diferente.

E ficava ali por horas.

Ela por sua vez, se sentia muito relaxada com isso e dormia como um anjo com aquele semblante calmo que me transmitia tanta paz.

Nós éramos fadados ao fracasso na missão de terminar um filme.

Ficamos nesse relacionamento por um bom tempo.

Até que ela recebeu uma proposta de emprego irrecusável para os Estados Unidos.

Ela sentou se na minha frente e me explicou o quão sensacional era o contrato que tinha sido oferecido a ela por uma empresa americana.

Eu fiquei realmente feliz por ela.

Quando ela terminou de me contar todos os detalhes, ela tinha uma pergunta.

Você vai comigo?

Eu tinha vindo de alguns fracassos e situações difíceis do qual eu estava me restabelecendo.

Ela com certeza foi um dos motivos que me ajudaram a me reerguer.

Mas eu tinha esse sentimento de que não podia sair dali com aquela sensação de derrotado.

Tinha prometido para mim mesmo, sair dessa cidade com a sensação de dever cumprido, e para isso ainda faltava bastante.

Ela parecia já esperar pela minha resposta negativa.

Eu vi seus olhos de mel se encherem de lágrimas,quando ela me deu um abraço forte.

Ela então me agradeceu por fazer tão bem a ela durante esse tempo e se despediu dizendo que não queria me perder.

Iria manter contato e fazer de tudo para ficarmos juntos em breve.

No dia que voltei do aeroporto após me despedir, cheguei em casa e vi na minha cama a sua bolsa térmica para cólica.

Ela havia deixado como lembrança.

Agora toda noite usava sua bolsa térmica para me esquentar.

E ficava ali sonhando com a sensação do tocar suas tatuagens novamente.


Um dia a gente se encontra





Elliot, o estagiário de John era o responsável no Brasil por fazer as notícias chegarem a mim.

Porém, minha premissa sempre foi não querer saber de nada.

Apenas notícias que envolvesse minha gata Filé de Peixe e qualquer outra coisa que John achasse que fosse relevante.

John me conhecia muito bem para saber o que era relevante ou não.

E dessa vez ele quis ser protetor demais.

Ele apareceu no meu trabalho, e quando vi, ele estava do meu lado me olhando em plena hora de almoço na cozinha.

Aquilo era incomum.
Mesmo nessa altura que eu já sabia que o restaurante era de Ari, era algo fora do habitual.

John sempre foi muito transparente e era difícil para ele esconder algo.

Em um primeiro momento achei que era mais algo como uma preocupação natural.

Eu vinha de tempos difíceis, lidando com o que parecia ser efeitos da minha depressão.

Nunca fui de me lamentar sobre isso.

Depressão virou uma luta diária a anos.

Também nunca fui adepto de medicamentos para isso ou qualquer tipo de terapia.

Pela falta de um tratamento tradicional, sempre tive uma série de efeitos colaterais, que eu preferia conviver.

Aquele dia eu acordei no meio da madrugada com a garganta arranhando.

Uma sensação esquisita, como se algo tivesse sido rompido.

Um aperto no coração que me sufocava.

Por uns segundos achei que estava infartando.

Depois vi que podia ser só melancolia ,efeito desses meus dias ruins.

E voltei a dormir.

Parado ali na minha frente no dia seguinte, John parecia ter a explicação da noite passada.

Me chamou para um break, e depois de uns vinte minutos de conversa aleatória, eu percebi que John me escondia algo.

- Ok, você está preocupado como se tivesse algo para contar e não sabe se deve – preferi colocá-lo contra a parede.

Ele se sentou e deixou seu corpo cair na cadeira como alguém que estivesse levando uma tonelada nas costas.

Eu conseguia perceber como John respirava com dificuldades.

Elliot me ligou, você recebeu uma mensagem no seu celular.- Ele falava sem me olhar nos olhos.

Quando sai do Brasil deixei minha casa, minha gata, minhas correspondências e mesmo meu celular aos cuidados de Elliot.

A mensagem no seu celular era dela. – Nesse instante eu já sabia o que tinha acontecido.

Fiquei olhando para ele sem reação, aguardando o resto da informação.

John parecia não ter forças para continuar e isso só me fazia sentir toda aquela sensação da noite passada.

Ele me deu seu celular onde tinha a foto com a mensagem no meu celular.

“Obrigado por tudo.
É bom saber que você está conseguindo ter uma vida depois de tudo que você passou por mim.
E eu sei que você continua olhando meus passos até hoje.
Sua preocupação e seu amor me ajudaram muito.
Não sinta se responsável.
Um dia a gente se encontra.”

Aquilo era uma mensagem de despedida.

Ela tinha desistido de vez.

Mesmo sabendo que eu ficaria bravo, Elliot viu essa mensagem na noite anterior, informou a John e foi atrás de notícias dela.

Foi fácil identificar que aquilo era uma despedida até mesmo para ele.

Elliot era um grande fã dos meus livros e com os anos virou um grande amigo.

Tinha por ele um sentimento diferente ,acredito por ele ser mais jovem.

Eu conseguia ver nele a minha juventude vibrante.

E com essa intimidade que criamos ,ele já sabia quem era a dona daquela mensagem, só pelo tom.

A mãe dela informou que ela teve uma espécie de intoxicação com medicamentos, um acidente por falta de atenção.

Ela estava internada mas sem risco de morte.

Eu sabia que aquilo não era acidente.

O meu sentimento da noite anterior e a mensagem eram provas de que ela realmente tinha tentando tirar sua vida.

O que foi um choque, porque sempre tentei me preparar para esse dia.

Quando estávamos juntos achei por vezes que tinha chegado o dia.

Mas naquela época não teve fundo do poço que eu não conseguisse salvá-la.

Quase voltei ao Brasil.

Mas a conheço o suficiente para saber que ela reprovaria isso e não aceitaria me ver naquele estado.

Agradeci John e voltei ao trabalho.

O resto do dia eu me enfiei no trabalho, porem preso nos meus pensamentos.

Me sentia culpado e impotente.

Vinha passando por muita coisa recentemente e essa notícia foi só a cereja do bolo.

Eu voltaria a flertar com a insanidade por mais um mês.

E na minha cabeça ecoava uma frase que ela deixou na mensagem.

“Um dia a gente se encontra”

Parecia que via na minha frente uma porta.

Resolvi abri-la e ir viver minha vida como ela queria e aguardar pelo dia desse encontro.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Quem é Vigário?







Diferente de todos os contos, esse não foi escrito pelo seu adorado Vigário.

Eu me chamo Ari.

Algumas vezes citado nessa bela sinfonia de palavras escritas por ele.

A origem do seu nome é algo que nunca foi uma certeza para mim.

Conheci Vigário na faculdade de jornalismo e ele já levava esse nome.

Não lembro de ver nada oficial em seu nome.

John diz que sabe seu nome verdadeiro, mas jamais ousaria me contar.

Há quem diga que seu nome é devido a uma noviça que ele teve um relacionamento de carnaval.

Ele esperava dar uma certa hora da noite para entrar no convento e ter seus encontros com essa menina que se preparava para se tornar freira.

Antes do horário da primeira oração matinal, ele saia de fininho.

Fez isso o carnaval todo.

Até que na quarta-feira de cinzas, a madre superior levantou mais cedo.

Sua única ideia foi vestir uma roupa de padre que encontrou no armário.

E se passou de Vigário geral da região em visita para a madre superior.

Conseguiu fugir, mas sua história não foi assim tão convincente.

Hoje em dia existe um bloco de carnaval em homenagem ao que ele mesmo diz ser uma lenda.

Sempre que pergunto da noviça, ele sorrir suavemente dizendo para não passar essas fantasias para frente.

Outros dizem que Vigário estudou para ser padre na sua adolescência.

E devido a seu ímpeto por viver amores, teve de abandonar esse caminho.

Faz sentido, se existe alguém leal a princípios é ele.

Mas é outra história que ele desmente sem continuar o assunto.

Poderia ficar aqui contando várias lendas que se criaram em volta do seu nome, mas não teria lógica.

Vigário sempre foi um amigo que você não vai achar no mundo.

Um cara que dará a vida por quem ele considera.

E são poucos.

Sempre foi um cara fechado, mas com um coração gigante.

Ele só se abre com seus poucos amigos e com seus amores.

Eu o considero como irmão, assim como John.

Lembro me quando contei a ele sobre o quanto eu estava apaixonado por Faith.

Ele botou a mão no meu ombro e com aquele sorriso leve de sempre falou;

- Ame a até que isso te mate, e deixe essa merda do seu dinheiro de lado quando estiver com ela.

E tenho feito isso desde então.

Em nenhum momento meus milhões e todo o poder que consegui com minha fortuna me ajudaram em algo com Faith.

Foram sempre os simples momentos.

Ele sempre foi um bom conselheiro.

Rabugento porem de uma empatia que ainda vai afundá-lo.

Mais ele diz que tem consciência e topa o preço.

Hoje em dia a minha briga é por resgatá-lo.

Vigário está cada dia mais sendo consumido pelos seus demônios.

Vive isolado, evitando qualquer um de nos.

Para levar ele para Irlanda e a vida de viagens pelo mundo, tive que inventar uma doença terminal.

Daria cada moeda que tenho para ter ele de volta as origens, com seu sorriso sacana no rosto e aquele gosto por viver que só ele tinha.

Mas vocês, leitores, conhecem ele tão bem quanto eu.

Vigário tem o dom de despir sua alma pelas palavras dos seus contos.

Ele consegue transmitir sua melancolia, seu sofrimento, sua alegria, suas tiradas ácidas e todo e qualquer sentimento que habita nele naquele momento.

Ele com certeza vai te fazer sentir.

Eu sou um apaixonado pelas suas palavras.

Acho de uma força sem igual, algo que se comunica com momentos da sua vida.

Te leva a reflexão, o que é a coisa mais preciosa que alguém com o dom das palavras pode te presentear.

O homem de muitos amores.

Sempre se entregando.

Sempre intenso.

Quando vigário está com alguém, eu sinto o quão incandescente é aquele amor que ele está vivendo.

 No momento, ele não atende as minhas chamadas faz uma semana.

Estamos em outro país e ele simplesmente cumpre uma rotina que ele criou e se tranca, ignorando qualquer contato.

Em algum momento, eu e John conseguiremos tirar ele da escuridão que ele se esconde e aí teremos ótimos momentos juntos, até ele fugir novamente.

Mas a minha promessa que deixo aqui como amigo pessoal do Vigário, irmão de alma, leitor e fã incondicional é de que continuarei brigando por ele.

Se depender de mim, todos nós poderemos usufruir das suas palavras por muitos e muitos anos.

Eu ganhei 80 milhões na loteria.

Graças a isso, construí um império pelo mundo que me dá um poder absurdo.

Mas nada disso chega aos pés da dificuldade das minhas duas maiores metas de vida.

Ganhar o coração de Faith e manter Vigário sendo o nosso Vigário.

Ele com certeza vai reprovar essas palavras.

Com sua rabugice vai falar que não aprendi nada na faculdade de jornalismo.

Mas não sou escritor.

Apenas me senti na obrigação de vir aqui falar um pouco sobre esse ser, que a cada dia cativa mais pessoas com seus sentimentos a mostra.

Tomando um gole de uma cerveja japonesa termino esse conto.

Com o desejo de todo amor para nós e mais contos do nosso amado e bastardo Vigário.