terça-feira, 26 de março de 2019

O último beijo




Minhas lembranças são escolhidas a dedo.

E tudo relacionado a ela resolvi colocar em uma caixa e guardá-la bem escondida do meu subconsciente.

É assim que lido com amores traumáticos.

Você tem que seguir em frente.

Se não a vida te atropela.

E por muito pouco não aconteceu comigo.

Eu perdi um pouco a razão e mesmo o meu foco.

Fui tomado por uma escuridão que fazia eu perder a esperança.

Foi uma fase difícil, mas eu conseguir voltar.

Logico que deixou cicatrizes.

Cicatrizes que doem até agora, mas que lembram do que eu vivi.

Talvez ajudem no aprendizado para uma próxima.

O que duvido, você nunca aprende nada com essa dor.

E não parece ser uma boa fase para ninguém a minha volta.

Ari estava com o coração despedaçado depois que Faith voltou ao Brasil.

Vivia por ai bêbado e deprimido.

Faith por sua vez, saiu daqui completamente perdida sem saber que caminho tomar.

John sempre foi muito reservado, bem mais que eu até.

Era raro vê-lo se abrir sobre um relacionamento.

Mas eu conseguia notar que ele andava por ai meio cabisbaixo.

Algo que um expert na primeira vista reconheceria.

Dor de amor.

Alguns poucos conhecidos que tinha na cidade, nas nossas resenhas diziam estarem na mesma.

A grande maioria lamentando um pé na bunda sem justificativas.

Um final de casamento sem motivos relevantes.

Ou mesmo um rompimento de relacionamento por falta de conexão.

Todos sofriam da mesma forma.

Todos sentiam a mesma dor.

Todos quebrados emocionalmente.

E tínhamos, todos nós, algo em comum para continuar sofrendo.

Lembranças.

Que por sua vez, alimentava uma falsa esperança.

E enquanto isso, nos envenenava.

Levando a loucura.

Fazendo procurar uma justificativa ou um culpado.

É difícil lidar com essa fase.

Meu conselho sempre foi o mesmo.

Chore.

Chore uma semana se for preciso.

Depois, seque suas lágrimas e continue.

Eu levantei em um desses dias na madrugada, coloquei meu casaco e minha touca e fui correr na beira do rio.

3 da manhã, uma sensação de 4 graus e eu estava lá correndo e chorando.

Acho que toda a paz e loucura que correspondiam a aquele momento, fizeram um bom efeito.

Céu estrelado.

Vento uivando.
A correnteza do rio fazendo a sua dança.

Um monte de cisnes brancos beirando o rio junto comigo.

E eu ali no meio daquele paraíso e caos, tentando jogar meus sentimentos ruins para fora.

Mas o chorar é o melhor remédio.

Ficar triste e não chorar por alguma babaquice como orgulho, é algo que você irá se arrepender no futuro.

Mesmo com todo esse ritual para me recuperar e esse mantra de ignorar lembranças.

Uma lembrança resistiu e ficou.

A do último beijo.

Esse foi um dos mais intensos dos beijos entre nos.

O beijo que não aconteceu.

Eu estava ali embarcando e ela apreensiva ao meu lado.

Nós olhávamos de uma forma intensa como se pudéssemos nos comunicar só pelo olhar.

Meu coração batia acelerado.

Fomos nos aproximando.

Ela colocou uma das suas mãos no meu rosto e a outra segurou minha mão.

Se aproximou ainda mais.

O olhar colado ao meu.

Com certeza nesse momento, nós não tínhamos mais ideia do que acontecia ao redor.

Como dois adolescentes assustados ,congelamos ali.

O funcionário da companhia chamou para embarcar.

E foi ali, naquele momento que talvez tenha acabado aquilo tudo.

Ela apertou um pouco mais meu rosto, acariciando minha barba.

E no segundo seguinte, largou minha mão dando um passo para trás.

Eu apenas abaixei a cabeça com um sorriso triste e dei um tchau dando as costas para ela.

Essa é a lembrança do último beijo.

O que me mostraria que seria o último entre nos.

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