terça-feira, 28 de maio de 2019

A paz que o caos me traz



Um misto de sensações eu estava passando nessa manhã.
Sentado em um gramado cheio de pequenas flores brancas, debaixo de uma grande e antiga arvore que estava trocando suas folhas.

Sol brilhando como um presente de Rá, deus do sol na mitologia egípcia.

Não tinha álcool saindo pelos poros e muito menos a velha amiga ressaca.

Vários corvos espalhados andando pelas flores a procura de comida, mas com aquela serenidade que lhe são peculiares.

Estava ali na missão de dar uma limpada na cabeça.

Missão essa que vinha sendo tentada várias e várias vezes repetitivamente sem sucesso.

Últimos dias tinham sido puxados no trabalho.

Posição que eu mesmo me coloquei.

Queria dar uma exagerada no batente com a mesma intenção, limpar a cabeça.

O sol realmente foi me dando uma boa sensação, quente na medida certa.

Achei minha posição de conforto ali sentado e resolvi escrever um pouco.

Sempre é um exercício que me tira certos pesos, ajuda a aliviar a ansiedade e a pressão mental.

Estava bem distraído quando sinto algo me abraçando, mas de forma muito leve para ser um abraço comum.

Ari ou Jhon jamais chegariam dessa forma, além disso tinha fugido para cidade vizinha sem avisar a ninguém.

Quando olhei para trás vi uma pequenina menina de uns 5 anos com um sorriso gigante de poucos dentes, olhos arregalados e uma felicidade notável.

Não tive tempo de reação.

Segundos seguintes eu tinha umas 15 crianças em cima de mim.

Aquilo parecia um devaneio da minha cabeça.

O ataque de fofura foi interrompido por uma senhora que vinha em minha direção se desculpar.

Ela era a professora das crianças e estava ali no parque para que elas brincassem.

-Me desculpe, mas é difícil controlar esse amor todo desses pequenos
- Ela falava com um sorriso meio constrangido.

Enquanto isso as crianças se espalhavam pelo parque correndo, gritando e sorrindo.

Eu não tenho muita proximidade com crianças.

Elas no geral me deixam com uma sensação desconcertante.

Um molequinho de uns 6 anos, resolveu sentar ao meu lado e começou o que parecia ser um interrogatório de um crime hediondo.

Eu realmente não sabia lidar com crianças.

São de raciocínio rápido demais para mim.

São irônicas em um nível acima do meu.

Percebi que eu não ia conseguir escrever mais.

-Eu sou amigo de um leprechaun e você?
- Falei com a esperança de que aquela frase sem sentido assustasse de leve o pequeno Irlandês e o fizesse voltar para os amiguinhos.

-Eu também, falo com ele sempre -
Respondeu o moleque com um sorriso no rosto de quem tinha frustrado meu plano e de quebra colocado um pouco de confusão na minha cabeça.

Ele ficou ali uns 5 minutos, depois de usar todas as táticas de tortura que ele deve ter aprendido em um manual nazista.

Depois, se entediou comigo como todo mundo depois de tempo suficiente e saiu para brincar com os amigos.

A paz voltaria.

Engano meu.

Um conhecido do trabalho, que naquele momento percebi que tinha a inocência de se achar meu amigo me viu sentado lá escrevendo e achou uma boa ideia me fazer companhia.

Tem dias que o Tio Lúcifer tira um dia off e resolve se divertir comigo.

Meu “amigo” estava completamente bêbado e com um cheiro de quem não saia do bar a pelo menos 1 mês.

Ele usava fones de ouvido enquanto conversava, o que não fazia sentido algum e o fazia gritar na sua fala.

Eu tentei ser educado nos 2 primeiros minutos, mas sempre soube ser um bastardo profissional quando era preciso.

Coloquei meus fones também e só o respondia com sorrisos, acenos com a cabeça e sim ou não.
Ele não parecia se importar.

Peguei algo bem pesado em alemão e deixei tocando no último volume.

Aquilo parecia ser uma esperança no meio de todo caos.

Ficamos nessa terapia por uns 20 minutos até que ele resolveu continuar sua caminhada.

Saiu sorrindo dizendo como sempre era agradável me encontrar.

O mundo é realmente um sanatório.

Desliguei meus fones e voltei a minhas anotações.

Um casal de jovens com um ar problemático vinha em minha direção.

Eu achei aquilo improvável de acontecer.

O parque era enorme, mas eles resolveram sentar do meu lado.

Eu sei que a Irlanda é fria, mas hoje não era um dia que se precisava de calor corporal.

Eles deviam ter na faixa de uns 16,17 anos.

Típicos jovens rebeldes que você identificava apenas pela postura.

Abriram a mochila e puxaram duas cervejas, mesmo sendo proibido beber na rua na Irlanda.

Já dava para perceber que aquelas não eram as primeiras do dia, e como se não fosse o suficiente, puxaram um baseado gigantesco.

E como sou um privilegiado negativamente, toda a fumaça parecia direcionada ao meu rosto.

Podia levantar e caçar outro rumo mas tinha uma sensação estranha de que todas aquelas perturbações de alguma forma estavam me deixando mais leve.

Sabe se lá porquê.

Minha mente nunca fez sentido.

Tinha conseguido um progresso no meu texto.

Até o momento que tive uma sacada escrita genial, e quando ia por no papel, fui metralhado seguidas vezes por rajadas de água.

Olhava para frente e tinha um pestinha se divertindo com sua pontaria certeira.

Ele parecia orgulhoso com uma arma de água me encarando.

Eu não consegui nem ter tempo para ficar indignado.

Os dois adolescentes começaram a gritar com a criança.

Acho que a dona Mary Jane foi atingida por uma bala perdida.

A mãe da criança resolveu dar o ar da graça.

E eles três ficaram ali na minha frente por uns 5 minutos.

Gritando e falando todo tipo de barbaridade que estava disponível em seu arsenal.

A criança estava correndo pelo parque sem se importar.

Eu estava ali sentado e encharcado e achei melhor finalizar aquele momento de meditação revolucionária.

A minha sacada genial que ia escrever sumiu totalmente da minha cabeça.

Mas por incrível que pareça sai dali sem querer matar ninguém.

Tinha uma leveza na mente inacreditável.

Meu corpo parecia reagir ao caos como bons e velhos companheiros.

Parece que tinha alcançado minha meta.

Agora o meu demônio da garrafa gritava a próxima meta.

CERVEJA.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

O Déjà vu interrompido




Eu vinha de dias complicados.

Meio baixo astral.

Era a primeira vez em algum tempo, que me trancava em meu quarto no escuro por uns dias.

Fazia bastante tempo que não era tocado por essa sensação negativa que me jogava para baixo, que me deixava imobilizado.

Minha defesa sempre foi a escuridão.

Fugia do mundo e me afundava em leituras.

Depois de alguns dias, tomei coragem e sai do quarto.

Coloquei meu moletom estilo pijama, meus chinelos, prendi meus cabelos em forma de coque e coloquei Mozart no talo nos meus fones de ouvido.

Aquele estilo estranho que sempre me encontrava, para ir fazer minhas caminhadas pela manhã.

No começo, quando cheguei na cidade, eu conseguia perceber como eu era observado pelas ruas, com olhares de estranheza.

O tempo foi passando ,e as pessoas já me conheciam como escritor hoje em dia.

Tanto que já havia sido entrevistado na rádio da cidade.

Depois da entrevista, parecia que as pessoas já me vinham apenas como um excêntrico.

Parte da bagagem que você recebe quando se vive de criar mundos, personagens e personalidades com a escrita.
 
Além disso, eu já era bem conhecido nos pubs da cidade, dos mais movimentados aos mais marginais.

Minha energia estava aos poucos de volta depois de tanta negatividade.

Só quem passa por essas ondas de melancolia e angustia sem sentido, consegue entender como é esse sentimento.

Você se sente um lixo e perde o gosto de viver sem motivo algum.

Esse sentimento pode permanecer lá por dias, semanas ou mesmo meses.

Fazia bastante tempo que não era pego, mas o importante da luta é sempre os dias de pé.

O resto você deixa para trás.

Repito uma espécie de mantra que criei com os anos nessa luta ,que é não se cobrar por algo que não tenho controle.

Parece muito fácil para quem está de fora, mas é muito difícil de não deixar isso te afetar.

Então continuo repetindo esse mantra infinitamente até que meu cérebro entenda isso de forma natural.

Hoje em especial, enquanto caminhava, tinha uma sensação estranha e estava mais observador.

Tentava olhar o mundo ao meu redor.

Observava o movimento dos carros e das pessoas na rua.

Pássaros voando, cachorros com seus donos interagindo com aquela selva de pedra.

 E rostos estranhamente conhecidos.

Os moradores de ruas já faziam parte da minha mente fotográfica.

Alguns já até me cumprimentavam.

Um jovem loiro que sempre passava por mim pela rua principal com o rosto inchado, pôs choro.

Sempre com seu terno azul bem alinhado e seu sapato social de couro lustroso que demonstrava que ele tinha um bom emprego.

Mas sempre que passava por mim ,tinha esse semblante de quem tinha terminado de chorar, ou mesmo de quem ainda estava chorando.

Sempre tive vontade de chama ló para trocar uma ideia.

Ele parecia alguém que precisava de ajuda.

Eu tinha um pouco de medo de não encontra-lo mais em uma dessas minhas caminhadas pela manhã.

O que é estranho, quando você associa que ele era apenas um desconhecido do qual não sabia nem o nome.

Logo em seguida era a parte de analisar como já tinha meus passos automaticamente pensados.

 Aquele meu movimento de caminhar até uma certa altura da rua, e atravessar para o outro lado quando chegava a uns 20 metros de distância daquele grupo de meninas mórmons sorridentes.

Era um filme repetido na minha cabeça, que me dava a sensação de que aquilo já tinha acontecido.

E não era apenas sentimento de rotina.

O maltrapido que sempre me pedia 1 euro para uma dose.

Mesmas palavras, mesmos gestos e mesma energia.

Misteriosamente eu pegava minha carteira já visualizando a cena onde eu retirava a moeda de 1 euro e entregava a ele.

- Essa vai ser por nós -  Ele dizia.  

Comigo repetindo aquela frase no mesmo momento mentalmente.

Aquela cena de um Cisne mais ousado, que saia da área do rio e vinha tentar atravessar a pista principal.

A tranquilidade dos motoristas que aguardavam aquela travessia, com um bom humor estranho para quem acorda cedo.

Enquanto eu escolhia meus cogumelos no mercado, eu via uma luz diferenciada se aproximando.

E eu já sabia quem era exatamente, por causa daquela sensação de ter vivido aquela cena antes.

Era uma funcionária do mercado que sempre estava ali organizando as frutas e verduras.
Ela sempre se aproximava, mas em uma distância mínima que me deixava próximo o bastante para eu que eu pudesse contemplar aquela beleza de forma reservada.

Ela nunca nem notou minha presença.

Ela tinha um vermelho natural no seus cabelos que pareciam ter uma luz vinda de um pôr do sol de Santorini.

Usava óculos que dava um ar de seriedade e tinha a pele coberta de sardas.

Tinha um olhar melancólico e organizava as coisas em silencio e saia dali para outro setor depois de perceber que tinha alguém naquele mesmo setor que ela.

Essa era a cena que já tinha passado na minha cabeça antes mesmo de acontecer.

E ela ia acontecendo como um filme repetido.

- Você realmente se diverte nessa tarefa de escolher seus cogumelos né? – Ela falava comigo com aquele sorriso tristonho.

E aquela frase me deixou congelado, sem reação.

Ela simplesmente mudou o roteiro daquele filme.

Eu tinha a certeza de que aquilo era um Déjà vu, e ela fazia todo o caminho para ser.

Todos os movimentos, até mesmo as pausas para respiração mais profunda de ambos.

Aquela frase não cabia ali.

Por alguns segundos eu fiquei completamente fora do ar.

- Desculpa, talvez eu tenha atrapalhado seu momento sagrado – Ela falava me trazendo de volta para aquele momento.
- Essa é a parte mais importante do meu dia. -  Respondia completamente desconcertado e meio gaguejando.

Minha reação foi patética, mas aos olhos dela foi algo divertido.

Mesmo com aquele semblante triste, ela sorria timidamente.

Ela acenou se despedindo dizendo que me encontrava novamente no dia seguinte.

E eu fiquei ali parado olhando para os meus cogumelos.

Eu não sabia o porquê eu fui pego tão de surpresa.

Se foi pela destruição do meu Déjà vu, do qual eu tinha tanta certeza ou se foi por ter sido notado por ela.

Ser notado por alguém que você não espera é uma sensação muito esquisita.

Nesse caso gerou algo inesperado e forte que me deixou com um sentimento muito bom.

Como se eu tivesse recebido uma descarga elétrica, positivamente falando.

E eu andava precisando disso depois daqueles dias.

Eu iria volta mais preparado quando fosse comprar meus cogumelos no dia seguinte.

Eu começaria uma conversa.

Nós teríamos um relacionamento.

Eu saberia o porquê daquela tristeza que ela demonstrava na sua energia.

Eu lutaria por nos.

Lutaria por ela e com ela.

Isso pode ser apenas uma descrição de um novo Déjà vu.

Pode ser a minha imaginação de escritor criando ilusões ou o começo de um novo conto.

terça-feira, 14 de maio de 2019

O ouro de tolo da humanidade




Quando você luta demais por algo que você quer ter, e não quer deixar que isso te tenha, você se esgota emocionalmente sem perceber.

E eu sempre fui desses.

Lutei minha vida inteira em todos os relacionamentos para não me deixar ser pego.

O Porque disso? Não tenho ideia.

Uma defesa natural que meu eu interno criou baseado em um monte de loucura da minha mente e alma.

Ha quem diga que sou meio coração de gelo ou que nem mesmo o tenho.

Outros dizem por ai que vigário é simplesmente egoísta.

Já ouvi narcisista e manipulador.

Adjetivos que vem de pessoas que assim como eu, simplesmente seguem seus instintos.

E realmente é algo diferente e estranho.

E o diferente assusta.

Raramente alguém entra nessa sem querer te modificar.

Esse com certeza é o maior dos erros.

O pensamento de mudar alguém.

De mudar seus instintos, sua alma.

De achar que tem o poder de alterar sua essência, de modificar sua cadeia genética.

Desculpe mas você não foi manipulado.

Você simplesmente enganou a você mesmo todo esse tempo.

E não estou aqui para dizer que a culpa é sua, ou diminuir a minha.

Relacionamento segue o mesmo caminho que a vida no geral.

Você faz escolhas e convive com elas.

Até as escolhas erradas ou mesmo as que aparentemente você foi obrigado por optar, ainda sim são suas escolhas.

E você continua tendo que conviver da melhor maneira com elas.

Se você não o faz, me desculpe novamente, mas daí você caminha para se tornar um problema.

Na maior parte dos casos, um Irresponsável emocional.

Tenho como regra ser o mais responsável emocionalmente falando, tanto comigo como com as outras pessoas envolvidas.

As vezes alguém se machuca nessas escolhas do relacionamento.

As vezes, mesmo com toda essa responsabilidade, você se move por impulso.

Mas a maturidade vai te mostrar mais à frente, se você mais acertou do que errou.

Em 100 % dos relacionamentos que tive, apenas em 1% deles, resolvi baixar a guarda espontaneamente.

Queria realmente fazer diferente.

Me joguei de cabeça.

Naquilo que parecia uma manhã de neblina bastante densa.

Onde você não enxerga nem um metro a sua frente.

Eu me fodi.

O resultado final foi catastrófico.

Nunca tinha passado por nada igual.

Mas o caminho para derrocada foi maravilhoso.

Em algum momento fiz algumas escolhas erradas que ajudaram a culminar nesse final trágico.

E isso você só enxerga com o tempo.

Mesmo assim por mais traumatizante que tenha sido, não me criou um bloqueio para um próximo mergulho no escuro.

Mas esse tipo de escolha vindo de mim é algo raro de se repetir.

Meu instinto de sobrevivência vai sempre gritar primeiro.

“CORRA” - as vozes sempre dizem.

Com isso ecoando na minha mente a cada passo, como instinto de sobrevivência, eu normalmente não pago para ver.

Talvez algum dia eu volte para a mesa de jogo e jogue novamente sem blefar.

Mas no momento tenho que lamber minhas feridas e ao mesmo tempo tentar tirar algo disso.

E essa é a ironia da vida.

O verdadeiro segredo que os alquimistas procuravam.

E a lição que eles deixaram na história foram que é muito mais fácil criar um ouro quase idêntico do que achar o verdadeiro.

O problema vai ser sempre a qualidade do ouro.

Esse ouro vai sempre brilhar aos olhos das outras pessoas.

Mas você sempre vai saber o que ele realmente é.

Algo que você criou para substituir algo.

E mesmo que esse brilho seja sem igual, você vai continuar vazio.

E vai sempre saber que aquilo não tem valor nenhum.

O famoso ouro de tolo.