sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Não há dor que o uísque não resolva



De volta aos meus dias em solo americano com Maeve.

Agora em Washington D.C., berço do homem mais poderoso do mundo.

Eu já conhecia Washington de outras épocas.

Eu ,Ari e John já estivemos em uma festa na casa branca.

Com direito a tomar umas belas doses de whisky na área onde o presidente fazia suas reuniões mais informais ,além de acordo questionáveis.

O Presidente da época era um cara legal, tinha um apreço muito grande por Ari, já que Ari era um grande movimentador de business na terra do Tio Sam.

Eu tinha uma palestra em uma faculdade respeitada da cidade, basicamente com o tema cultura e literatura.

Além de uma homenagem no famoso Capitólio ,antro da política americana.

A homenagem com certeza era alguma besteira que Latini devia ter organizado com seu conhecimento no espectro político.

Fui lá acompanhado de Maeve.

Tomei dois copos de algo bem forte que eles serviram e apertei a mão de alguns senhores que pareciam vir do Texas.

Recebi um papel e alguns aplausos pelo meu esforço com a cultura literária.

Um dos senhores que estavam ali, se apresentava como um grande fazendeiro e empresário, além de responsável por grande parte da produção de uísque do Teenesse.

Se aproximou de mim ,depois de sua apresentação, dizendo estar interessado em bancar um roteiro escrito por mim para um filme que eu daria as diretrizes.

Agradeci dizendo que no momento estava em uma busca espiritual mas que aceitaria algumas garrafas do seu uísque como um convite a pensar na proposta.

Ele sorria como uma criança que havia conseguido o seu tão esperado sorvete e mandava que um dos seus funcionários pegasse meu endereço para enviá-los.

Maeve sempre na minha retaguarda, fazia aquela cara de desaprovação e me fulminava com os olhos.

A história da minha busca espiritual era uma piada que usava sempre para negar convites de trabalhos.

John, Ari, Maeve e Latini já eram conhecedores dessa piada batida.

Aquele ambiente e toda a adulação era demais para minha pessoa.

Sai daquela sala enorme, na presença de grandes poderosos ,com um sorriso irônico no rosto e pegando uma garrafa daquela bebida forte e escura com o garçom.

Saímos dali e fui ouvindo poucas e boas de Maeve.

Como de praste.

No caminho paramos em um lugar mais sossegado para comermos algo, beber e trocar ideia.

Maeve queria saber sobre minha relação com a era digital.

Eu escrevia para um blog, mas meu aprofundamento moderno estava longe de ser algo atualizado.

Até mesmo celular eu evitava usar.

E ela começou a me falar sobre os aplicativos para relacionamentos.

Eu já tinha ouvido falar sobre ,mas nunca me interessei em saber como funcionava.

Ela então achou uma boa ideia eu experimentar para escrever sobre.

Em 2 minutos ela criava na minha frente um perfil e colocava ativo.

E lá estava eu olhando algo que parecia um menu de pessoas.

A muitos anos atrás, existiam lugares com esse tipo de tecnologia, porém em uma versão bem mais arcaica, onde você tinha um livro com várias mulheres e fazia sua escolha.

Famoso Book.

Mas só o principio foi usado nesse aplicativo, aqui era algo que teoricamente você procurava relacionamentos.

Ou mesmo como alguns descreviam, algo informal.

Eu nunca fui do tipo de escolher mulher por beleza.

Nunca fui visual.

O que é completamente estranho para os homens de hoje em dia.

Eu era tocado por algo, algum trejeito, palavra ou mesmo sensação.

Fotos não funcionavam.

E eu acabava reprovando 99% das fotos que apareciam para mim.

Maeve olhava para mim sem acreditar no que estava vendo.

-Vigário se você não der ok para algumas, não vamos conseguir interagir e assim você não vai ter essa experiência para falar sobre. – Ela falava irritada com o meu descaso.

Resolvi então, abri cada perfil e ir lendo suas descrições para ver se aquilo me ajudava.

E nesse caminho, funcionou melhor.

Eu gostava de alguns textos que vinha na descrição.

Uns com humor, outros com uma pitada de solidão, alguns que faziam você pensar.

Realmente palavras eram meu ponto fraco.

Ai me apareceu aquele perfil.

“É estranho estar aqui de volta.
Seja gentil.
Eu mandarei a primeira mensagem.
Não tenho interesse em relacionamentos no momento.”

Aquela mensagem explodiu minha cabeça.

Eu queria decifrar cada parte dela.

Era uma americana de cabelos de um preto azulado.

Olhos verdes enormes.

Tinha um ar triste em todas as suas 5 fotos.

E aquilo me deixou ainda mais intrigado.

-Como funciona agora? -  Eu perguntava sem a menor ideia de como aquilo funcionava.

- Você gostou dela, e agora tem que esperar para ver se ela vai gostar do seu perfil também.
Se isso acontecer, vai abrir um lugar para vocês começarem uma conversa. – Maeve me explicava com toda calma do mundo.

Resolvi ir para o hotel mais cedo, porque me sentia esgotado.

Aquela bajulação toda, me sugou.

Maeve resolveu ficar mais um tempo no restaurante que estávamos, porque estava flertando com uma garçonete japonesa.

Estava lá na noite sentado escrevendo algumas coisas aleatórias quando ouço um bep.

Aquele som estranho vinha da minha calça que estava jogada no outro lado do quarto.

Fiquei pensando por uns 5 segundos, quando me dei conta de que o celular da conta do aplicativo de relacionamentos estava comigo.

Olhei e tinha uma notificação.

Quando abri, senti meu sorriso aparecer naturalmente no meu rosto.

Aquela americana que tanto tinha me intrigado, também tinha gostado do meu perfil.

Agora o próximo passo era, como falar com ela?

Havia um lugar para uma conversa privada agora, porém no seu perfil ela dizia que deveria ser a primeira a mandar mensagem.

Esse tipo de coisa não era muito bom para alguém ansioso como eu.

Fiquei ali quebrando a cabeça procurando uma solução e nada.

Eis que surge uma mensagem dela.

“Me adicione no aplicativo tal e conversaremos por lá.”
Aquilo só podia ser uma piada.

La estava eu procurando um segundo aplicativo, que também não tinha a mínima ideia de como usar.

Fiz umas pesquisas na internet, fiquei ali revirando e em dez minutos já estava apto a pelo menos responder ela com facilidade.

A primeira pergunta que ela fez fazia parte de mais uma porta em um labirinto.

“Como é sua aparência?”

Aquilo não fazia sentido.

Ela vinha de um lugar onde me aprovou pelas minhas fotos, logo ela já sabia como eu era.

Quando a respondi dessa forma, ela achou graça e disse que queria ver como eu me descrevia.

Eu estava me sentindo um pouco travado, e ela em alguns momentos monossilábica.

Tinha outro problema.

Esse aplicativo novo onde ela queria conversar, apagava as conversas assim que eu lia.

E eu estava achando tudo aquilo muito insano e além da minha compreensão em relação a tecnologia.

Resolvi pedir desculpa pelo incomodo e agradecer pela atenção.

Ela achou graças e mandou uma foto.

Ela segurava um copo de uísque com um sorriso meio tristonho, e uma frase embaixo da foto.

“Não há dor que o uísque não resolva.”

E aquilo era mais uma peça para meu quebra cabeça.

Eu já tinha um palpite.

Coração partido.

Coloquei para ela que também não tinha intenção de relacionamentos e que iria ficar só mais dois dias na cidade.

E a convidei para tomar um copo de uísque no restaurante da esquina.

Ela respondeu com carinha sorridente e uma mãozinha de ok.

Essas comunicações atuais são estranhas demais para esse velho de outro século.

No dia seguinte ,no horário combinado ,lá estava eu.

Sempre pontual.

Ela parecia não seguir essa linha.

Já tinha passado 15 minutos desde o horário que havíamos combinado.

A garçonete japonesa veio na minha mesa sorrindo ,e puxando assunto, querendo mais informações sobre Maeve.

Algo que eu jamais faria ,nem sob tortura.

Maeve tinha um jogo muito eficiente no quesito sedução e mesmo para não se apegar.

Não poderia atrapalhar.

Aquela garçonete com sua educação e sorriso peculiar dos orientais, aproveitava para começar o que parecia um flerte comigo.

E eu ali, completamente constrangido com o fato de no auge da minha experiência de vida, ter sido enrolado por um aplicativo.

-Acho que vou continuar nossa conversa em outra hora, sua companhia chegou. – A garçonete se despedia da minha mesa sorrindo.

-Desculpe pelo atraso, mas pensei algumas vezes antes de resolver vir. - Minha primeira experiência em um aplicativo de relacionamento falava timidamente ao se aproximar da minha mesa.

Ela se sentou, pedimos um copo de uísque cada um e começamos a conversar sobre a vida.

Sempre fui bom em decifrar incógnitas.

Nasci com esse dom como o dom com as palavras.

E toda minha análise ,por palavras e expressões faciais anteriores estavam corretas.

Ela estava machucada.

Vinha de um termino de um relacionamento longo que a afetou bastante.

Ela não queria sentir mais afeto por ninguém.

Como um cão de rua que foi abandonado e espancando pelo seu antigo dono.

Nossos olhares quando se cruzaram formaram faíscas de primeira.

Eu me senti incendiado, e podia ver isso nela.

Não demorou muito e fomos para a casa dela.

Ela abriu uma garrafa de uísque e ficamos ali até de manhã.

Apenas curtindo um ao outro e a nossa bebida.

Repetimos a dose no meu último dia.

Mais uísque, sexo e aquele afeto que estávamos criando um pelo outro.

Acordo com o celular do aplicativo berrando.

Era Maeve dizendo que precisávamos ir para o aeroporto.

Acordei ela com um beijo e me despedi.

Ela tinha o mesmo sorriso triste que vi pela primeira vez no seu perfil.

- Não se preocupe, não há dor que o uísque não resolva. – Ela debochava.

Ela abraçou-me, deu um beijo quente e um tapinha na minha cabeça.

Qualquer coisa te acho na Irlanda, vou atrás do maior consumidor de álcool daquelas bandas e chego até você. -  Ela falava agora pela primeira vez com um sorriso com bons sentimentos.

Sai da casa dela com a cabeça explodindo de ressaca, garganta seca e uma sensação de que dessa vez, não queria ir embora.

Eu e Maeve nos encontramos e fomos direto para o aeroporto porque tínhamos o casamento no dia seguinte em Nova York com Latini.

No avião, a aeromoça me ofereceu uma dose de uísque.

- Não obrigado, mas dessa vez acho que o uísque não vai resolver. - Falava com ela como se ela pudesse entender aquela piada interna.

Peguei uma garrafa de agua e fui tentando me livrar pelo menos daquela ressaca maldita.

Um comentário:

  1. MAIS UMA VEZ UM SURPREENDENTE E BELO TEXTO... PARABÉNS E FORÇA NA SUA JORNADA!!!

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