segunda-feira, 13 de abril de 2020

O jovem amor cigano





Ainda na época da Irlanda.

Estava ali parado sem nenhuma noção do que estava fazendo.

Aguardando alguém que eu nem sabia as formas do rosto.

Parado em um terminal de desembarque do aeroporto.

Raramente John me pedia algo que não fosse para o meu próprio bem.

Era sempre focado em minha vida, poucas vezes era algo para ele.

Então mesmo sem  muita paciência, aceitei seu pedido de ajuda.

John tinha o péssimo habito de criar histórias para tentar me convencer a algo.

Uma compulsão que advogados adquirem com o decorrer da faculdade.

E eu tinha um movimento automático de acreditar.

Pois bem, John me pediu para ir ao aeroporto busca alguém que tinha novas pistas sobre a nossa investigação.

- É algo delicado, então preciso de alguém de confiança lá.
Eu estarei em um compromisso que não posso desmarcar
– falava em tom de seriedade.

John estava estranho já algum tempo, tanto que pela primeira vez não foi acompanhar Ari em uma viagem.

Ari por sua vez ia passar um tempo na Itália ,onde encontraria Rudolph e tentariam avançar em uma pista.

Parecia tudo uma grande armadilha para urso, e eu era o urso sonolento passando naquele momento.

Estava lá de frente para aquele enorme terminal esperando por algum burocrata com documentos formais que de nada ajudariam na nossa busca.

De repente vejo aquela cena surreal.

Elliot com seu gigantesco sorriso metálico no rosto mastigando algo que parecia um alcaçuz vermelho como um canudo.

Pessoas com aparelhos no dentes deviam ser proibidas de consumir o tanto de açúcar que Elliot consumia.

Mas a cena ainda tinha a cereja do bolo.

Ele segurava a coleira com Bacon, que usava um chapéu e sapatinhos.

Bacon era seu porco de estimação que segundo ele, era de uma raça que não crescia.

Sempre que nos encontrávamos, Bacon estava mais esticado e gordo, só Elliot não percebia.
Na outra mão uma placa “ Bem-vindo Vigário”.

-Talvez você tenha vindo de uma viagem de ácido, mas quem está chegando é você Elliot. – Falei antes do abraço de boas-vindas.
- A placa de bem-vindo, foi ordens dela, para te dar as boas-vindas ao mundo dela – Elliot falava sorrindo como se toda aquela informação fizesse sentido.

Antes que eu tivesse tempo de perguntar o que significava aquela cena sem sentido, duas mãos tamparam meus olhos por trás.

Ficou aquele silencio, como na brincadeira de criança que você tem que descobrir quem é.

Eu sempre chutava minha vó.

- Eu sempre arrisco que é minha vó, mas esse cheiro é como uma identidade para mim.
Faith
– falei matando a charada.

Ela tirava as mãos e com um grande sorriso no rosto e uma surpresa no colo.

Filé de peixe ali me encarando com aqueles olhos de quem dizia “Não adianta fugir de mim seu filho da puta”.

Peguei minha gata no colo e ela parecia um pouco magoada comigo nos primeiros segundos.

Logo em seguida me deu duas lambidas e uma cabeçada.

Aquele era seu sinal de aprovação novamente.

Quando percebi Bacon estava se roçando nas minhas pernas como sinal do que parecia ser saudade.

Não faltava mais nada nesse hospício.

-Como está sua vida sem seu braço direito?
É o amor Vigário, sempre afasta os amigos.
– Faith falava sobre algo que eu não tinha ideia.

Ela percebeu minha cara de surpresa e ficou mais surpresa ainda.

-Você não sabia do John?
Ele está namorando a turca que trabalha com você.
A turca do dia do ácido.
– Ela falava e se divertia com toda aquela informação sendo processada por mim.

- Filho da puta – foi a minha reação.

John era o mais reservado de todos nós, diria até meio misterioso.

Ele tinha como praxe nos seus relacionamentos, manter o mais fechado e reservado possível.

Até um momento onde ele se sentia confortável com a relação e não era mais aquela coisa de começo de relacionamento.

-Depois que voltei para o Brasil, continuei conversando com ela.
Hoje é o aniversário dela e eles iam viajar, talvez ele ainda não esteja na fase que ele se sente confortável a falar sobre.
– Faith explicava como tinha toda essa informação.

Faith com um sorriso diferente aproveitava para comunicar que tinha terminado com o babaca da balada, que segundo ela era só mais um babaca mentiroso.

E que a partir de hoje o mundo era da nova trinca, como ela mesmo intitulou.

Todos nós, Faith, Elliot e eu, solteiros e pelo mundo, palavras dela.

-Para onde vamos primeiro? – Faith perguntava completamente excitada.

E eu com aquele ar cansado e entediado não teria muita escapatória.

-Elliot escolhe, afinal é sua primeira vez aqui – Falei achando que Elliot poderia ser uma escolha mais moderada.

Ele concordou com a cabeça e disse que nos explicaria uma pesquisa que ele andava fazendo antes de chegar.

Fomos para casa com o combinado de arrumar as coisas, alimentar os animais e pensar nesse próximo roteiro.

Faith estava bastante empolgada com o que ela chamava de “os mais loucos dias das nossas vidas”.

Elliot apenas sorria como se não tivesse preocupação com nada.

E eu estava ali com um misto de cansaço e receio com esses “dias loucos” que viriam.

Faith é maravilhosamente doce, linda e centrada, mas ela tem umas fases onde gosta de viver a vida como um trem desgovernado.

E na sua concepção ,eu sempre sou a melhor companhia para essa fase.

Subindo as escadas para o meu apartamento, encontramos com minhas vizinhas holandesas.

Faith e as meninas se abraçaram, felizes por se reencontrar.

Eu apresentei Elliot, que estava completamente congelado em uma espécie de transe.

Pobre jovem, foi flechado pelas minhas vizinhas.

Ele com muito esforço conseguiu falar um oi.

A mais nova parecia ser a responsável pela bela pontaria.

Enquanto ela estava ali abaixada brincando com Bacon, a mais velha estava apaixonada trocando carinhos com Filé de peixe no meu colo.

Que como sempre se mostrava muito social a pessoas desconhecidas.

Depois de uma conversa rápida e louca ,como de costume, perguntei se elas poderiam ficar com Filé de peixe uns dias por causa da viagem.

A irmã mais velha com um sorriso enorme concordou, como se fosse a melhor notícia do seu dia.

Bacon ,eu já sabia que ia viajar junto ,porque Elliot ficou 1 ano organizando documentos para entrar com ele pelo mundo.

Além disso ,Elliot ia para cima e para baixo com Bacon.

Eu já estava acostumado, já que Lúcifer, o Bulldog de John costumava viajar com o grupo.

Chegando ao meu apartamento, sentamos para ouvir o que Elliot tinha em mente.

- Vamos para País de Gales, em uma cidade chamada Holyhead.
Já tenho tudo planejado.
Nós vamos a uma espécie de parque de diversões com circo itinerante, daqueles que chegavam nas cidades antigamente, só que esse é todo controlado por uma família cigana romena tradicional. –
Ele explicava todo seu planejamento feito metodicamente.

Alugamos um carro e fomos dirigindo até o porto de Dublin, onde pegaríamos uma espécie de balsa.

Faith fez questão de ir dirigindo, e aquilo parecia demonstrar que realmente não seria uma viagem comum.

Faith era do tipo motorista de F1.

Raramente estava abaixo de 100 km por hora.

A viagem na balsa era mais ou menos umas 3 horas.

Chegamos a cidade, fomos a uma casa pequena que eles tinham alugado.

A noite, bebemos umas cervejas em casa e fomos ao tão esperado parque de Elliot.

Eu ainda não tinha entendido bem a escolha, parecia ser tudo meio exótico pra mim, porem eu estava ali para essa experiência.

Chegando lá, tinha todo aquele ar de parques de cidade pequena dos filmes.

Alguns brinquedos padrões como carrossel, barracas de comidas e doces, maquinas de disputa de força e jogos de sorte.

O parque estava bem cheio e eu conseguia ver o quão particular os funcionários eram.

Era uma comunidade cigana vinda da Romênia ,que viajavam por ai com sua estrutura.

Elliot estava fascinado andando pelo parque, enquanto eu e Faith parávamos em uma barraca para comer Goulash e beber cerveja preta.

Conseguíamos ver Elliot de longe, porque Bacon era uma atração à parte naquele lugar.

Todos queriam fazer carinho e tirar foto com ele.

Depois de algum tempo eu e Faith já estávamos alcoolizados e Faith me aporrinhava para ganhar um urso para ela na barraca de tiro ao alvo.

A arma atirava rolhas e parecia estar levemente alterada para te atrapalhar na missão.

A menina da barraca que era responsável, era uma loirinha muito tranquila, de sotaque bem diferente e que estava ali descalça.

Eu já tinha tentado 3 vezes e nada.

Faith não queria tentar porque sempre quis ganhar um urso desses no parque.


Eu já estava bêbado, gastando todo meu dinheiro, e a cigana ali na frente se divertia com nossa derrota.

Elliot chegou com um algodão doce enorme rosa, com uma felicidade que não via há tempos.

Ele realmente estava se divertindo.

Bacon com a sua falta de noção padrão, chegou invadindo a barraca e trombava em tudo com seu tamanho não percebido.

Eu estava exatamente no terceiro tiro, com dois acertos, depois de várias tentativas, quando Bacon entrou.

O jogo para ganhar o urso gigante, se resumia em três tiros e três acertos

No terceiro tiro a arma sempre perdia a pressão para te atrapalhar na vitória.

Bacon entrou causando e esbarrou na prateleira de madeira, nesse momento resolvi atirar.

O tiro foi certeiro na placa que simbolizava um pato amarelo, que era o alvo.

Mas como a arma perdia a pressão, a rolha bateu sem nenhum poder de derrubá-la.

Porem no esbarrar de bacon ,esse mesmo alvo resolveu cair.

- BOOM, o urso é nosso – Eu falava com o meu sorriso mais cínico para a cigana.

Em um primeiro momento ,eu vi no semblante dela que aquele tiro seria anulado, e ela não aceitaria a nossa vitória suada.

Mas Bacon continuava lá, fazendo sua bagunça de uma forma que a cigana o achasse fofo.

E claro, jogando na balança o tanto de libra esterlina que eu já tinha dado a ela, a situação embaraçosa com bacon e o olhar choroso e pedinte de Faith ,ela resolveu reconhecer aquele nosso merecimento.

Ela pegou o maior urso da barraca e entregou aos braços de Faith.

Era realmente enorme.

O urso era branco, com um moicano verde e tinha mais de 1 metro.

Faith parecia uma criança que ganhou o seu mais esperado presente, com olhos marejados.

Vale lembrar, que ela já era um misto de emoções infantis e cerveja preta  acumulada.

Eu e Faith saímos dali com a nossa conquista, antes que algum cigano mais velho aparecesse para anular aquela merecida vitória.

Elliot estava com aquele mesmo olhar que ele tinha ao conhecer minha vizinha.

E ficou por lá conversando com a cigana, enquanto Bacon, continuava causando dentro da barraca, mas agora com autorização e liberação total da mesma, já que ele tinha atraído mais pessoas para a barraca.

Eu e Faith voltamos para nossa  parte preferida do parque.

A barraca de Goulash e cerveja preta.

Horas passaram e lá estávamos nos sendo convidados a ser retirar da barraca.

Basicamente todo o parque já estava fechado quando recebemos esse convite de uma cigana mais velha que sorria ao ver seu lucros com esses dois sem limites.

Até porque saímos de lá com uma sacola com mais Goulash e cervejas pretas.

Quando saímos da barraca ,vimos Elliot vindo em nossa direção.

Ele vinha com bacon dormindo no colo, e com a cigana ao lado com vários algodões doces e seus pés descalços de sempre.

Fomos até a saída do parque, ela entregou os algodões doces para nós e ficou com um.

Elliot havia comprado para todos.

Nos despedimos, e fomos saindo, e nessa percebemos aquela cena que não esperávamos.

Elliot e a cigana se beijaram se despedindo.

Aquela cena realmente me impressionou.

Parecia que estava vendo um filho crescendo.

Mas ao mesmo tempo, sabia o filho que tinha, e que ainda precisava de uns pequenos empurrões.

- Compramos Goulash e cerveja preta suficiente para uma grande família, porque você não se junta a nós?
– Eu perguntava surpreendendo a jovem cigana.

Faith me dava um soco no braço com uma piscada de olho, aprovando minha ação.

Elliot estava congelado, mas no fundo do seu olhar perdido eu conseguia ver sua aprovação.

Ele apenas repetia o convite com aquele gaguejar nervoso.

Ela nos pediu uns minutos para avisar no parque e nos seguiu para a nossa social inesperada.

Ficamos la na mesa de casa mergulhados no Goulash e cerveja preta, ouvindo as histórias que ela tinha para contar da sua vida cigana.

Ela contava como era sua vida seguindo, aquele parque itinerante que era da sua família por três gerações.

Ela falava a língua cigana que ela chamava de romani, além de romeno que era sua origem e inglês porque desenvolveu por causa do trabalho itinerante pela Europa.

Ela explicava com naturalidade coisas como sempre andar descalça, e aquilo era realmente muito enriquecedor.

Eu e Faith já tínhamos bebido e comido o suficiente, e fomos nos despedimos bem cedo, deixamos os dois lá naquele clima romântico.

No dia seguinte, acordei com a cabeça explodindo.

A cigana já tinha se despedido, e Elliot estava lá na mesa tomando café com um misto de emoções.

-Já estamos prontos, só você dizer quando podemos ir.
Faith está no carro arrumando a coisas. –
Elliot me atualizava dos próximos passos.

Nos iríamos de carro para capital de Gales, a cidade de Cardiff.

Peguei minhas coisas e uma garrafa de agua para sobreviver aquela viagem.

Chegando no carro era realmente algo digno de um hospícios.

Faith sorrindo ,Elliot meio triste pela despedida da cigana e Bacon andando de um lado para o outro.

O carro ainda tinha um monte de algodões doce e um urso gigante, que Faith não queria colocar no porta mala.

Era visualmente perturbador aquele ambiente.

Faith gargalhava, aumentando o som no rádio e acelerando o carro, com o pé que parecia ter toneladas de tão pesado.

-Se a polícia nos parar eu vou dizer que fui sequestrado por vocês.
Eu jamais vou admitir para alguém que entrei aqui por vontade própria
. - Eu demonstrava meu mau humor matinal.

Faith apenas sorria e continuava.

Elliot depois de um tempo dormia com bacon no seu colo.

Ambos com o que parecia ser um sorriso.

E aquilo foi o suficiente para ir diminuindo meu mau humor e me colocando de volta naquela aventura.

Próxima parada, Cardiff.

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