Um mês
completamente fora dessa dimensão.
Na minha
pequena casa no meio do nada na Noruega.
Faith
resolve aparecer junto com Maeve quebrando a regra de nunca incomodar a minha
fuga do mundo.
Elas eram
insuportavelmente convincentes quando achavam necessário.
E dessa vez
eu agradeci por esse resgate.
Toda aquela
bagunça emocional gerada depois dos acontecimentos em Florença tinha se
ajeitado.
Eu estava
um cara estranho do meu habitual.
Me sentia opaco,
apático e sem estímulo até para beber.
Pela
primeira vez em muitos anos, não tinha nenhum sentimento por ninguém.
Nada.
Não ficou
sequer aquele sentimento de admiração.
Também não
parecia ser mais depressão.
Dos meus
demônios eu sou íntimo.
Era
estranho experimentar esse sentimento ou falta dele.
Vigário que
sempre sobreviveu de amor, agora estava em greve de fome.
Resquícios
de uma confiança abalada, de um autoflagelo por deixar situações existirem sem
o mínimo sentido ou mesmo o sentimento ridículo de arrependimento de ter se
aberto demais poderiam ser parte do início desse problema.
Mas nada
disso me afetou.
E isso é
algo a se preocupar no futuro.
Não doía.
Faith
precisa de um minuto comigo para lutar por mim ou me abandonar.
Se eu estou
me culpando demais, uma crise de “drama queen” como ela gosta de dizer, ela dá
as costas e se vai.
E não era o
caso.
Eu estava
ali pronto para voltar depois de todo o turbilhão que enfrentei.
Maeve
olhava incrédula para o número de garrafas fechadas que permaneciam intocadas
na minha residência.
A minha
fuga sempre foi prática demais.
Isolamento
social e álcool.
Dessa vez
eu só estava limpando minha mente e corpo.
Logo cedo
já estava dentro de um avião novamente com Faith agarrada no meu braço e Maeve
sentada mais afastada com um ar de preocupação que parecia ser o seu habitual.
Maeve além
de minha editora, gerenciava minha carreira, então preocupação era sua rotina.
Tinha algo
a mais no ar, mas podia ser só minha cabeça fora de órbita.
Chegando no
aeroporto na Irlanda, Maeve informou que já tinha um carro para nós levarmos
para casa e que ela nos encontraria mais tarde.
Então fui
em direção ao meu velho e guerreiro apartamento em Limerick.
Eu sabia o
quão difícil seria entrar pela porta daquele prédio e vinha me preparando para isso,
mas mesmo assim não foi o suficiente.
Já no hall
de entrada, no meu primeiro passo, a porta se abriu e ali estava a minha
vizinha holandesa.
Me
encarando com um olhar sem brilho e nenhuma expressão no rosto.
O silêncio
tomou o lugar como uma névoa tóxica por segundos.
Mas aquele
momento pareceu uma eternidade.
Ela então
caminhou lentamente em minha direção, ainda em silêncio e com um semblante se
modificando a cada passo, com o que parecia ser raiva.
Parou na
minha frente, olhou dentro dos meus olhos como se invadisse minha alma por
alguns segundos.
Socou meu
peito cinco vezes seguidas, até que desabou em choro e me abraçou.
Aquele
momento era muito difícil.
Mas eu
precisava passar por ele.
- Você não precisa se culpar. Não leve esse
peso para o seu coração - ela resmungava soluçando em choro.
E me
abraçava mais forte.
Foram
minutos onde todo o peso do que eu vinha encarando nos últimos tempos se deixou
pesar.
E depois de
muito tempo eu senti algo novamente.
A minha
auto culpa era cega, e me colocava em uma posição muito pior do que eu deveria
estar naquele momento.
Mesmo que
fosse para apoiá-la ou apoiar os amigos.
Tomamos um
chá juntos e conversamos bastante depois de tudo aquilo.
As coisas
estavam voltando ao normal que era possível naquele momento.
No meu apartamento,
sentei no meu sofá e fui recebido por filé de peixe que não se mostrava
rancorosa pelo meu sumiço como de costume.
Pelo contrário,
estava no auge da sua demonstração de carinho.
Ali deitada
no meu colo com um olhar de satisfação por aquele momento.
Eu devia
isso a ela e muito mais.
Então Maeve
chegou na sala com aquele mesmo ar de preocupação de antes.
- Vigário preciso que seu próximo passo seja ir
morar um tempo em Nova York. - Ela falava com o mesmo ar tenso, mas de quem estava aconselhando.
Eu não
questionei mesmo ficando surpreso.
- Ok, Central Park talvez seja o melhor lugar
para recalcular rota. - Retruquei.
Ela me
olhava desacreditada com minha aceitação de primeira.
- E como você não é nada curioso, não vai
querer entender o porquê? - Ela me fuzilava com os olhos.
- Não, confio no seu gerenciamento.
Minhas
palavras pareceram pedras tacadas na direção de Maeve.
E com quase
um rosnar, ela jogou de volta em mim as pedras imaginárias.
- Deveria estar no mínimo ansioso, porque vamos
para Nova York atrás do amor da sua vida e um jovem que se parece muito com o
pai e precisa de ajuda. - Ela deixou as palavras saírem com um misto de raiva, alivio e
tristeza.
E eu fiquei
ali nocauteado com aquelas palavras.
Faith de
cabeça baixa como se já soubesse da notícia e não tivesse controle sobre ela.
Eu estava
voltando para casa disposto a recalcular a rota da minha vida e nesse momento
parecia que tinha batido com o carro no poste.
Uma vez a
muitos anos atrás eu ouvi dela, o amor da minha vida que ela não queria um
engenheiro de obra pronta.
Que seu
quisesse ficar do lado dela e fosse lhe dar suporte precisava entender que a
construção ia ser do zero.
Com problemas,
com insatisfações, com coisas dando errado e que mesmo assim a meta seria o
amadurecimento e evolução até que tivéssemos algo sólido e seguro.
Eu pareci
não entender isso na época.
Na primeira
dificuldade queria que minha casa já estivesse perfeita.
Hoje vejo o
quão estúpido era meu pensamento.
E com o
decorrer da vida fui pulando de uma obra sem estrutura para outra, achando que
só uma mobília bonitinha ia ser satisfatório.
Ledo
engano.
Agora via
aquele prédio antigo, que ficou abandonado lá no final da rua sem saída
desmoronar de vez na minha frente com todas aquelas palavras.
E parecia
que uma nova e louca fase estava se iniciando na vida de Vigário.
La estava
eu indo para o aeroporto mais uma vez encarar os problemas da minha vida adulta
do qual nesse momento eu nem sequer sabia que os tinha.
Cada vez
mais parecia se aproximar o dia que vigário entregava os pontos para uma
terapia ou para um manicômio.
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