Covardia?
Talvez.
Mas tudo é um ponto de vista.
Não se pode esperar clareza quando o mundo está
turvo e sem perspectiva a sua volta.
O que eu podia fazer?
Meu primeiro sentimento era frustração.
E fiquei nesse lugar por algum tempo.
Depois precisava me mover para algum lugar.
Dois caminhos apareciam para mim.
Ódio ou desprezo.
A primeira opção estava muito próxima de amor, e
esse sentimento já tinha se esvaído.
O segundo parecia ser o mais digno, alimentar um
desprezo que levasse a irrelevância.
Depois de tudo, parecia ser o mais saudável.
Pessoas vem, pessoas vão.
Só ficam te machucando as que você deixa lá.
Nesse ponto decidi não ir na prisão odiá-la ainda
mais.
Eu tinha resolvido apagar a existência dela da
minha vida.
A única ligação que ainda tínhamos era a parte
judicial e burocrática de toda a tragédia que foi Florença.
Nos jornais eu já tinha visto todas as desculpas
para ela.
Foi enganada.
Foi manipulada.
As drogas e a depressão foram a causa.
Síndrome de Peter Pan.
Não tinha ninguém ao seu redor e mesmo assim alimentava
uma falsa popularidade.
Uma família abusiva e tóxica.
Tudo era uma justificativa para uma mulher branca,
loira de olhos claros pudesse ser uma vítima da injusta sociedade.
Resolvi botar uma pedra em cima disso.
Fechei o caixão.
Apaguei a existência dela com um ar melancólico e
um som de banjo ao fundo.
Era hora de sair do fundo do poço.
Ouvi um dos conselhos de Faith e fui para terapia.
Talvez por sadismo.
Não era minha praia.
Mas me sentia responsável por toda a merda criada e
pelas pessoas a minha volta.
Deixando bem claro, nunca fui covarde, e não teria
problema em assumir se tivesse sido.
Mesmo a minha escuridão era uma escolha.
Sempre me responsabilizei pela merda dos outros.
Sempre me sobrecarreguei.
Mas não ia agir como um adolescente a partir dali
me justificando como se meus problemas fosse a causa disso.
Eu tinha opções e isso era raro nesse mundo.
Eu fui a primeira terapia às cegas, indicação de
Faith.
Nunca mais voltei.
Depois de uma sessão, eu tive a sensação que teria
que procurar uma terapia para me ajudar no convívio com minha terapeuta.
Ela com aqueles olhos que te invadiam e te despiam
em segundos, junto com uma técnica muito eficaz de invadir minha cabeça, eram
uma combinação perfeita para mais um problema.
Segundo terapeuta.
Um senhorzinho muito educado.
Começou a conversar comigo e logo me ofereceu um
drink.
- Não estou bebendo atualmente- respondi meio constrangido e
sacando a situação.
Ele me reconheceu.
Nos minutos seguintes, olhando para sua vasta
coleção de livros, me encontrei por lá.
Fazia sentido.
Eu era uma espécie de herói alcoólatra para uma grande
parte dos meus leitores.
Abandonei o doce velhinho também.
Tentei uma terceira vez.
Um doutor mais tradicional.
No auge dos seus trinta, um balzaquiano.
Muito formal e técnico.
Terminei a sessão de terapia com uma lista com tanta
tarja que me senti um anúncio erótico na tv.
Não fazia meu tipo tomar remédios.
Eu não queria perder minha empatia, minha libido e
mesmo minha sanidade, já que eu considerava a grande maioria que usava como
zumbis.
Resolvi abandonar a terapia.
Não parecia ser a ferramenta que consertaria o
fudido Vigário.
Fiquei limpo de álcool por algum tempo, e era
ridiculamente fácil não beber para mim.
Eu não era esse alcoólatra que falavam.
Resolvia meus problemas no álcool por escolha.
Criei algumas mudanças na rotina, para poder
“recomeçar”.
Uma caminhada de manhã.
Correção de horários para dormir.
Uma alimentação saudável.
Nada de bebidas alcóolicas.
E até boxe comecei.
Depois de uma semana, percebi que mesmo que a nova
rotina fosse mais saudável para mim, eu só estava me enganando.
Arrumando mudanças como se a mudança fosse me
salvar.
Voltei aos meus horários fudidos e a alimentação
despretensiosa.
A caminhada fazia as vezes, mais para me conectar
com uma desaceleração de ritmo mesmo.
O álcool eu continuei afastado.
As últimas ressacas me levaram para lugares
sombrios que eu não tinha intenção de voltar.
Saberia a hora de beber sem me preocupar com esse
lugar.
E o boxe virou uma atividade interessante que
perdeu o caráter diário, mas que fazia pelo menos duas vezes na semana.
Em um desses treinos, encontrei minha primeira
terapeuta.
E nosso constrangimento era visível.
Uma sessão foi o suficiente para explodir nossas
cabeças.
Ali achei melhor manter meu foco e apenas
cumprimentei com a cabeça enquanto ela sorria de volta.
Eu estava voltando para uma fase na vida onde eu
conseguia enxergar as coisas novamente.
Falta de controle da minha vida nunca foi problema.
Mas tudo ao meu redor tinha sido abalado pelo
terremoto que se passou.
A vida adulta me cobrava decisões responsáveis e eu
sempre gostei de manter esse quesito fora do discurso, e sim na prática.
Todas as minhas decisões irresponsáveis foram conscientes
e com objetivos claros.
Essa era a loucura da minha balança moral.
A Mafiosa não ia ficar muito tempo presa.
Família de mafiosos e podre de rica.
Eu tinha decidido não vê-la mais.
Matá-la da minha memória e vida.
Mesmo com toda a problemática que ela viria a
causar na minha vida.
Eu pensava nisso e ficava com vontade de fumar.
Costume esse que já estava afastado a bastante
tempo.
Eu entrei nessa dança sem querer dançar.
Fui jogado lá e apontado como todo o mal do mundo.
Virei um bode expiatório para quem quisesse.
Eu podia me lamentar por horas, mas isso só iria me
envelhecer anos em dias.
Além disso eu tenho um nó na garganta que me impede
e uma ferida aberta no peito.
Os dias vem sendo pesados.
Eu respiro com dificuldade e cada passo é 20 vezes
calculado.
A vida se tornou um pouco mais assustadora.
Minhas referências se bagunçaram.
Mas eu estava de volta.
Para onde?
Ninguém saberia dizer.
Nem mesmo minha ex terapeuta de uma única sessão.
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