terça-feira, 27 de agosto de 2024

O passarinho que acompanhava morcego




Quando eu era moleque, minha mãe adorava dizer: “Passarinho que acompanha morcego, acorda de cabeça para baixo”.


Deste então fui esse pássaro


O pássaro que brilhava os olhos assistindo à liberdade marginal do morcego.


Nesse ditado que minha mãe usava para me assustar e me manter em uma gaiola, o morcego era quem de alguma forma estava no mundo.


Era quem podia bater as asas livre de amarras, livre de uma cartilha obrigatória.


O morcego tinha essa imagem distorcida.


Era um egoísta por natureza, simplesmente por fazer suas escolhas baseadas apenas no seu bem-estar.


Era colocado as margens da sociedade, um marginal de carteirinha.


Nesse ditado, eu era o pequeno pássaro.


Frágil e influenciável.


Eu sempre era colocado nesse lugar.


E o mundo era descrito como um lugar perverso e toxico.


Eu não tinha as asas cortadas, mas elas eram estimuladas a atrofiar desde sempre.


Quando um morcego se aproximava, vinha todo esse discurso novamente.


“Você vai acordar de cabeça para baixo…” - Sempre com aquele tom de manipulação emocional.


Acordar de cabeça para baixo era ver minha vida fora dos padrões que as pessoas acham como natural.


Se matar de trabalhar.


Juntar dinheiro.


Viver a vida baseado em princípios religiosos que não eram meus.


Abdicar das próprias escolhas para viver a vida em função de outros.


Sair desse roteiro padrão que conhecemos era o novo pecado capital do momento.


Imagina você, ousar em não querer ter uma família.


Pode jogar esse pecador na fogueira.


Imagina uma mulher optar por não querer ter filhos e viver a vida baseada nessa escolha tão envenenada.


As bruxas de salém ressuscitariam apenas para serem queimadas vivas de novo.


Cenários comuns como casais que vivem de aparência.


Passando por cima de agressões, abusos e desrespeitos, simplesmente porque existe um mandamento não escrito na pedra que manda você aguentar tudo para ter algo que chama de família.


Imagina só você usar seu dinheiro para viajar o mundo, conhecer culturas diferentes ao invés de juntar pobreza em um padrão falido e você nem saber o porquê fez essa escolha.


Mas para ver esse mundo, só saindo da gaiola.


O tempo foi passando e eu fui virando um pássaro maior.


Minhas asas imploravam por voar.


Era da minha natureza.


Mesmo aquele encanto que eu tinha pela liberdade dos morcegos não eram suficientes.


E a vida foi indo, e a cartilha foi sendo seguida.


Minhas asas pareciam que nunca iriam exercer sua função natural.


Às vezes a proteção é a pior prisão.


E la estava eu, preso naquele gaiola por excesso de cuidados.


Mas eu via uma vida la fora, meio mundo de distância e sorria um sorriso triste.

Meus olhos brilhavam, mas agora porque lagrimas desciam.


Não tinha mais os morcegos que pudessem me incentivar a tentar aquela liberdade.


Alguns amores apareciam no decorrer da vida e me traziam algumas ilusões.


Junto, grilhões nas pernas.


Lançava meus assobios ao mundo, aguardando uma resposta ou um convite para mergulhar em um futuro sem amarras.


Eu me encontrava tão sem vida, sem alma, que não podia chamar aquilo de canto.


Um dia, um gato preto parou de frente para minha gaiola.


Despretensiosamente.


Exalando liberdade, era um perfil tão perigoso quando o morcego.


Mas para mim, não existia mais nada a perder.


E com o passar do tempo, aquela amizade foi crescendo.


A liberdade era algo tão natural para o gato preto, que podia ser facilmente confundida como se ele fosse bem blasé.


Mas aquilo era o poder que a liberdade tinha.


Em nossas conversas, todo dia minhas expectativas explodiam mais.


Meu mundo expandia mesmo que na minha cabeça.


O gato achava um absurdo o meu medo do mundo e eu achava emocionante cada aventura que ele me narrava.


Eu estava apaixonado pela aquela sensação de cada lugar novo que o gato me narrava.


Aquela adrenalina realmente me afetava.


Mas o gato sempre foi muito cuidadoso comigo também.


Sabia que para quem sempre foi preso, a liberdade podia ser o fim.


Aos poucos ele me treinava para o mundo, mesmo que apenas com simulações e contos bem narrados.


Se com o morcego eu acordaria de cabeça para baixo, para minha mãe, seguindo o gato preto, eu seria engolido.


E eu cogitei que mesmo se aquele fosse o resultado, talvez valeria a pena arriscar.


O gato preto era encantador, tinha seu charme.


A liberdade é sempre um plus, traz uma energia diferente.


Tinha uma fala segura, um pelo brilhoso, um humor cativante e um miado hipnotizador.


Mas sempre bem honesto nas suas palavras.


Me vendia um mundo que o emocionava ao descrever.


Tive anos nessa amizade.


E por mais ameaçador que pareça a amizade de um gato preto com um pássaro, la estávamos nos sempre nos apoiando, mesmo em mundos diferentes.


Mas o fatídico dia chegaria.


O gato preto resolveu me fazer uma pergunta que ele nunca tinha feito.


- Por que você não vem comigo?

Suas asas são saudáveis e a gaiola sempre esteve aberta.


E foi ali que caiu minha ficha e resolvi arriscar pela primeira vez.


Uma única pergunta, e minha cegueira se curou.


Minha coragem se mostrou e o gato sorriu feliz por fazer parte daquela minha nova fase.


Minha prisão foi estimulada, mas quem se prendeu la fui eu.


Era fácil colocar a culpa no ditado da minha mãe, e me esconder atrás de uma covardia que eu alimentava.


O medo do arriscar.


O medo do viver.


Aquele medo de sentir novas sensações, sentir o sangue correndo nas veias e o ar batendo no rosto.


De cair, se machucar, sentir pela primeira vez uma dor que nunca tinha sentido.


Conhecer um sorriso novo que mexeria músculos nunca usados no meu rosto.


Viver de verdade.


Sem culpar ninguém pelos meus medos.


La estávamos nos dois lado a lado.


E aquela era a companhia mais leal que eu teria naquela nova vida.

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Biblioteca do ódio

 




Para uma entrevista, foi solicitado que eu fizesse um resumo da minha bibliografia e trabalhos com a escrita.

Eu perdi as contas de quantos romances eu já tenho escrito. 

Contos soltos por aí em blog e jornais onlines, roteiros de filmes e livros do qual mesmo sendo sucesso, não são minha praia.

A surpresa do amanhã, é um livro que me persegue como um pecado que você não consegue mais esconder do mundo.

Virou programa de tv e desde então todos os nerds do mundo acham que eu sou um artista intocado.

O tema foi uma aposta, esse mundo apocalíptico nunca foi um tema que me desse tesão.

Pode soar arrogante, mas se me comprometo em algo, realmente faço bem.

E por isso essa obra atingiu outras atmosferas.

Mas eu sou o cara que respeita mais a velha guarda, aqueles que gostam dos meus romances antigos.

Também mexe um pouco com meu ego, se você vem falar sobre algum conto relíquia que saiu naqueles jornais underground que eu adorava escrever.

O espirito rebelde sempre esteve ali.

Deus me ofereceu as drogas do sucesso e eu recusei.

Com um sorriso no rosto e o dedo do meio.

Eu sabia que não ficaria impune.

Meus textos foram sucesso porque cada palavra que sai daqui é como um tiro profissional.

Eu descobri que existe um mundo dentro de você.

E por isso todo mundo busca alguma coisa.

Esse mundo ta pulsando em você e você não entende o que é.

Se você não entender isso logo, virará um fraco.

E os fracos só tem serventia para justificar os fortes.

Eu não sei como cheguei aqui, mas aqui estou.

Revisando meu material antigo, eu achei várias fases diferentes e sentimentos difíceis de explicar.

Textos sobre antigos relacionamentos são divertidos.

Eu tenho um pouco de constrangimento por alguns.

Porque parece que eu estava em um piloto automático na maioria.

Como uma rotina de um viciado.

Alguns amores estragados.

Outros mais do que eu merecia.

Mas no final, nos somos ninguém querendo ser alguém, e por isso tanto altar para esses relacionamentos.

A época da depressão tem uns textos bons, são mais viscerais e consigo senti meu estomago se recolher só de ler.

Os que tem um lugar especial na minha biblioteca são os influenciados por alguma droga.

São poucos, essa fase se resume a quase nada.

Revisitar minhas obras, ler minha escrita, ouvir áudios daqueles meus sentimentos sendo narrados foi muito esquisito.

Não lembrava de uma experiência assim.

Mas tem um ponto que me deixou intrigado.

Minha escrita não ficava melhor com a dor ou tristeza.

Ela ficava florida quando tinha raiva.

E olhando os números, vocês que alimentavam isso.

Vocês me criaram, não se arrependam agora.

Muitas pessoas passaram na minha vida, algumas parecem que com uma vingança de outra vida.


Mas não tem problema, jogue seu ódio em mim.

Alguns nunca acreditaram em mim e falavam coisas sem pensar que me faziam pensar por dias.

E por essas pessoas, hoje vai ser no ódio.

Sem amor para amanhã.

Farei uma análise rápida sobre sua vida.

E acredito que depois disso você se calará para sempre.

Porque sua vida de merda vai ser mostrada no espelho.

Você vai descobrir que tudo de errado que é esse cenário da sua vida, foi montado pelas suas escolhas idiotas.

Porque você não pensa.

Deixou a ambição te cegar.

Ouviu um falso deus, que te prometeu o mundo e você abandonou o seu.

Tenho pena de você.

E ser digno da pena de alguém é realmente deprimente.

Hoje vive de restos, comendo as migalhas que sua beleza ainda te dá.

A beleza que existia até ontem, hoje já está desmoronando como um castelo de areia.

Eu tenho um lado bem negativo, o que alimento com ódio.

Se você tem o equilíbrio disso, pode ser motivador.

Isso te salva de cada idiota que possa vir aparecer no seu caminho.

Eu não aguento mais ouvi ninguém com esse tom de soberba ou que se sinta superior a alguém do meu lado.

E isso parece que virou uma moda.

Pessoas estupidas.

Que não quero conviver.

A futilidade virou a nova pandemia.

E eu estou saturado de pandemias.

Se afaste desses merdas e você sentirá a liberdade que eu sinto.

Pare de deixar as pessoas planejar seu futuro.

Seu mundo continua aí, fácil de acessar.

É só você deixar de ser narcisista e olha para si de uma forma real, sem filtros.

Pode passar 2 ou 10 anos, mas eu vou conseguir te mostrar o lado ruim deles.

Se eu estivesse na sua frente, com certeza eu conseguiria socar a sua cara.

Mesmo sendo o cara mais pacifista que você conhece.

E não me sinto culpado, pelo contrário.

Foi difícil chegar nesse lugar.

Não há nada mais para se dizer.

Você não merece mais nenhuma palavra minha.


Os contos com essa raiva e ódio limpam minha alma.


Me renovam e mostram um mundo real novamente.


Para derrubar Vigário, vai ter que ralar para caralho.


Vai ter que fazer um conluio com os deuses e vir preparado para uma guerra nunca vista pela humanidade.


Porque é só isso que você pode fazer.


Ser um fraco e manipulável como sempre.


Nos encontraremos por aí.

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Será que todos meus dias serão iguais?


 


O fato de eu conseguir te ler, não faz de mim alguém que vê o futuro.

Eu te leio, cada linha de expressão sua.

Cada energia que você emana, eu estou la interpretando.

E sempre, estou dois passos a sua frente.

Porque essa habilidade me dá uma certa vantagem em relação as minhas ações.

Eu sei sempre quando você esta prestes a explodir.

Quando você vai fechar portas ou fazer apostas descontroladamente.

Ignorar essas mensagens no geral é sempre uma opção, mas a leitura estava feita anteriormente.

Eu tenho lapsos de fé, uma fé aleatória difícil de explicar.

Considero uma fé burra, porque sempre aparece me levando a ignorar minhas leituras.

Mas que seja, não uso disso para viver uma vida montada como uma estratégia de guerra.

Não estou escrevendo o novo a arte da guerra.

Sun Tzu virou o padroeiro de empresários exploradores e coaches motivacionais insuportáveis.

Mas facilita para entender o mundo e seus caminhos.

Até porque não importa que facilidade você tenha, você sempre será pego desprevenido.

Todo dia levanto esperando que essa surpresa venha mudar minha vida.

Mas a sensação que tenho é que todos os dias são iguais.

Mesmo que completamente diferentes.

O sentimento final é o mesmo.

Eu tinha um compromisso que poderia mudar essa forma de encarar essa minha conclusão diária.

Algo que eu sabia que impactaria meu dia e com isso talvez tivesse esse poder de responder essa minha questão.

Será que todos meus dias serão iguais?

Em um primeiro momento, eu não pensei sobre isso.

Eu nem ao mesmo me atentei ao fato de que nunca tinha me colocado naquela situação.

E la estava eu, em uma visita de hospital.

Uma experiência nova com todo o potencial de ser algo traumático.

Trauma esse que talvez mudasse a forma que eu via meus dias.

Desde a porta de entrada até a recepção, meus passos foram contados.

Uns 17 mil passos em uma distância de 2 metros.

Parecia um caminho infinito.

Do momento que entrei, meu ouvido ficou com aquela sensação de quando se sobe a serra de carro em um final de semana com seus pais.

Aquela pressão que deixa seu ouvido tapado, eu estava no mono e não mais no estéreo.

Ali eu já sabia que ia ser difícil.

Eu precisava chegar no quinto andar, mas todas as paredes e portas tinha avisos enormes sobre contaminação.

Infecção de hospital sempre foi um vilão conhecido, não queria entender o porquê ou como agia.

Então, resolvi não usar o elevador.

Eu tinha uma máscara, que depois da Covid parecia ser seu colete a prova de bala em um tiroteio.

Mas ela durou 3 segundos no meu rosto.

Eu não estava nem no segundo andar e eu já estava com o coração acelerado e aquela sensação conhecida.

Estava com um mini ataque de panico.

Tirei a máscara porque parecia não respirar com ela e tentei me acalmar enquanto subia o primeiro andar de escada.

O engenheiro daquele prédio merecia um lugar no inferno.

Você subia um andar de escada e para subir o próximo tinha que atravessar todo um corredor para o outro lado.

Não fazia sentido, a não ser sadismo.

Cada andar, um corredor diferente.

Parecia os vários infernos de Dante.

Faltou só o aviso do portão do inferno.

"Abandone toda esperança aquele que por aqui entrar"

Era esse o sentimento desde que atravessei aquela porta de entrada.

Corredores com pessoas jogadas pelos cantos, esperando pelo momento que aquela dor fosse cessar.

Corredores cheios de avisos de radiação e contaminação biológica.

Funcionários andando com semblantes triste e um peso no caminhar que deixava você mais apreensivo.

Eu olhava para os rostos sem faces, como fotos rasuradas.

Conseguia ouvir aquela respiração alta auxiliada por uma máquina, e aquilo era como uma trilha sonora de fundo enquanto atravessava outro corredor de encontro a uma nova escada.

Cada tosse parecia um meteoro caindo la fora, tinha um tom desregulado que fazia seu cérebro questionar aquela informação.

Ouvia choros, gemidos e lamentar.

Tudo isso me remetia a uma visita ao submundo.

Alguns eu já via como almas.

Em algum momento cheguei a questionar minha sanidade, pois parecia perceber que algumas pessoas já não mais faziam parte daquele plano astral.

Após chegar finalmente ao quinto andar, percebi que tinha mais uma semelhança com o quinto level criado por Dante.

O rio Estige é o quinto círculo do inferno de Dante, e lugar reservado para os que cederam ao rancor e a raiva.

E ali naquele corredor, o clima era de revolta.

As pessoas estavam dias abandonadas com dor e sem medicação e aquela raiva consumia o ar.

O tom das palavras que se ouviam ali era mais elevado e agressivo.

Algo que você não conseguiria imaginar para uma area de internação de um hospital.

O corredor era enorme e eu caminhava entre aquelas ondas pesadas no ar e presenciando pequenas confusões pelo caminho.

A dor era como uma entidade ali, eu conseguia ver ela se materializando em um ser que sorria no canto da sala.

A pessoa que fui visitar estava no final do corredor, em um quarto com mais 5 pessoas.

Um quadrado dividido em 6 quadrados menores.

Uma cortina fina como véu da noite era o que separava os diferentes mundos daquele quarto.

Eu tinha um banquinho desconfortável ao lado da cama que era o melhor lugar de todo aquele hospital até então.

A sensação era que eu tinha sido dividido em várias versões minhas, cada uma, ficou em um andar preso, e ali sentado no meu banquinho eu sentia o peso de cada particularidade de cada andar.

Tudo de uma vez.

Era muita coisa para minha cabeça.

Aquele respirar de máquina alto voltava a me assombrar.

Os choros, os gritos de dor, gemidos e sussurrar.

As palavras raivosas que rasgavam o ar.

Novamente minha respiração viria a falhar.

E mais uma vez, meu primeiro movimento foi tirar a máscara que já não estava no meu rosto desde o início daquele caminho.

Por algumas noites, aquele apito ritmado de uma das máquinas de batimento cardíaco me perseguiu em meus sonhos.

A única boa sensação era que parecia que a minha presença ali, criava uma camada de proteção para quem eu fui visitar.

Por algumas horas a dor foi esquecida.

A tristeza dispersada.

No meio daquele lugar sem esperança, eu via um pequeno sorriso.

E já valia todo aquele esforço.

Na minha visita, eu ajudava na missão de levar ela para longe dela mesmo.

E perceber que minha visita fazia bem, era o melhor lugar que eu podia estar naquele momento.

Com minha oratória robusta de clichês, eu conseguia criar nela uma revolução.

A revolução que vem da cama é uma das mais fortes.


Você revisitou toda a sua vida e escolhas, e dali, do lugar mais confortável que você poderia estar, a sua cama, você decide revolucionar o seu mundo.


Não existe algo mais potente que isso.


O hospital talvez seja um dos lugares com maior potencial para destruir sua alma e sua esperança.


Mesmo para mim que fui só visitar.


Me afetou profundamente, ao ponto de voltar para casa com o corpo destruído, como se tivesse em uma punição eterna de quebrar pedra no calor do inferno.


Mas não foi um sacrifício quando se pensa que fiz por alguém que quero bem.


Nesses momentos você conhece de verdade os seus.


E perceber isso também é um presente.


Não estou aqui demonstrando como ser um grande amigo ou um ser superior, longe disso.


Mas comigo sempre funcionou assim.


Sua luta é minha luta.


Sua tristeza me deixa triste também.


E sua felicidade vai me deixar feliz.


Se eu não compartilhar isso com você, significa que você é só mais uma face sem rosto.


Você é só mais um dia igual, e eu vim para revolucionar o sistema.


Vou começar a revolução da minha cama enquanto mundo a dinâmica dos dias e trago de volta as expressões para os rostos.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

O canto da sereia

 







Fui perguntado em uma entrevista como controlava o futuro.

As pessoas achavam que falavam com algum estoico dos tempos gregos.

O escritor tem essa imagem, para alguns, de grande sábio, no meu caso ainda tinha esse plus de ser quase um eremita.

Essa fuga da mídia, só potencializava essa imagem.


No meio da entrevista eu via nos olhos da radialista, aquele sentimento de devoção e atenção a cada sílaba que eu pronunciava.

- Talvez um Nietzsche moderno - Ela falava me tirando um sorriso sem graça e um revirar no estômago.

Para aquela senhora, minhas palavras soavam como a de um filósofo insano.


Maeve adorava me colocar nessas situações constrangedoras.

Me encontrando sem saída nessas arapucas, jogava o jogo.

O famoso entrava no personagem.


- O sentido da vida é seguir sempre a procura do prazer, o hedonismo seria o caminho correto - La estava eu me divertindo naquela entrevista enquanto a entrevistadora se derretia em emoção como se realmente tivesse em frente a um grande pensador moderno.


Meu personagem era difícil de se manter, já que a ressaca naquela manha era gigantesca.


Mas aos olhos da entrevistadora, até isso ela confundia com algo apaixonante.

Fui vendido por duas horas como um dos escritores mais diferenciados do seculo.

Essas coisas me deixavam entediado e me irritavam sempre, mas segundo Maeve, a minha nova fase em qualquer mídia, era de uma educação refinada.

Sem ironias ou revirar de olhos.


As ironias fugiam às vezes, era mais forte que eu.

Ela também adorava se referir a mim como, um grande nome da contracultura.


Eu não fazia parte desse movimento, só era de uma geração diferente, e parecia que a nova geração do jornalismo não entendia a diferença disso.

O estoicismo também não fazia parte do meu eu, já que jamais aceitaria meu destino de bom grado.

Para mim, um livro nunca é definitivo.

Mesmo os meus, são palavras escritas que você reflete sobre, e pode ser levado para uma dimensão diferente da que eu me encontro.

Destino jamais seria algo como um livro já escrito.

No final da entrevista, todos no estúdio estavam hipnotizados pelas minhas palavras.

Mais uma vez eu não me orgulhava disso, mas fazia parte do personagem.

Na entrevista eu fui muito perguntado sobre futuro e então a ideia desse conto era falar sobre o futuro.

Mas 3 segundos a frente e a ideia já estava afundada no passado.

É muito difícil para nos, meros mortais, entender que não conseguiremos alcançar o futuro.

Se você conseguir planejar algo para o futuro e alcançar esse ponto, ele será, por milésimos de segundos, seu presente e virará passado sem você nem perceber.

O futuro vai estar la sorrindo e te assistindo de bem longe.


Às vezes é tudo mesmo sendo por nada.


Você pode tentar traçar seus passos novamente.


Uma logística.

Uma estratégia, dizem por aí que ajuda.

Parar e ouvir seus pensamentos.


Quando você fica em silêncio, consegue ouvir o caos que está rolando na sua cabeça.


Esse é um primeiro passo inteligente para se direcionar nessa busca perdida.


Você tem que entender que qualquer movimento que você faça no presente, altera seu futuro.


O menor que seja.


O efeito borboleta funciona bem para ilustrar.


Mas você precisa colocar isso em prática nas suas atitudes.


Porque você continua afetando seu futuro com escolhas erradas ou simplesmente se negando a escolher por algo.


Se omitir e jogar para de baixo do tapete para ganhar tempo, é o bater de asas de uma borboleta digna de clássicos de monstros japoneses.


Você ta fudendo tudo, que nessa altura, já sabe o que quer.


Só está sendo covarde de assumir.


Largar a bolha.


Deixar o conforto do “certo”, para mergulhar na incerteza.

Viver algo que vai mudar seu espírito e renovar sua alma.


Não tem cartilha, assim como conceito de felicidade, o futuro é incerto.

Existe quem siga o padrão “perfeito” da sociedade.

Anos de estudo e anos de dedicação em uma escravidão profissional, quer dizer, "sucesso profissional", que teoricamente te levaria próximo do futuro tão almejado.

Existe a ideia megalomaníaca de futuro.


Essa me diverte.


Você vai para cama e junto dos seus pensamentos acordados e sonhos profundos, planeja a revolução na sua vida.


Pode ser para os próximos meses, mas também pode se traçar um planejamento de anos.


Essa visão realmente me agrada.


Gosto de exageros.


Mas sempre tive em mente que nunca alcançaria nem a felicidade e muito menos um futuro.


Isso me tirou uma tonelada das costas que vejo as pessoas ao me redor carregando.


É difícil não falar de futuro sem falar de responsabilidade.


Você sempre estará nessa corda bamba.


E responsabilidade aqui abre um leque enorme.


Seja de sobrevivência, seja de responsabilidade afetiva ou mesmo voltando para o ponto zero, responsabilidade de futuro.


Se você for jogar seu futuro com algum especialista nesses quesitos sobrenaturais, vai ser lhe vendido um livro fechado, com capa dura e tudo.


Que significa que seu caminho está traçado, não importa qual escolha você opte.


Como eu já disse anteriormente, essa não é a teoria que me cativa.


Eu prefiro continuar acreditando nas asas da borboleta.


Morreria de tédio se meu futuro já estivesse todo escrito.


É engraçado como você pode ter anos de carreira e daqui a uma semana estar trabalhando com algo que nunca imaginou e se encontrar de alguma forma.


Viver um relacionamento de 10 anos, e com um estalar de dedos, nem lembrar que aquilo existiu.


Seria esse o seu futuro?


Ou você pretende seguir uma planilha?


Vou repetir uma coisa que falo sempre.


Seu passado é peça fundamental para seu futuro.


Um passado que você não deixou de lidar, vai trazer um presente saudável e com isso mais ferramentas para caminhar rumo ao inalcançável futuro.


Seu presente é o furacão que pode mudar tudo.


Essa escotilha você abre para fazer as mudanças de rota.


Chegou uma carta para mim.


Único meio que essa pessoa conseguiria se comunicar comigo.


E mesmo assim, com muita ousadia e perspicácia, porque existem filtros de defesa para essa mensagem não chegar em mim.


Maeve, minha agente, era o maior.

Mas dessa vez até ela tinha sido enganada.


A carta tinha o potencial de afetar os três tempos.


Uma onda do passado, que chega como um tsunami no meu presente para deixar meu futuro destroçado.


Cartas eram o conceito de palavras jogadas para o futuro.


A carta era de um envelope simples, quase uma carta de cobrança.


Sem remetente e só dados básicos como selo e meu endereço nela.


Mas no toque, eu já sabia que ela não era uma carta normal.

Até que senti o que me entregava que aquela leitura seria um caminho sem volta.

Ela tinha um cheiro.


Impossível de não reconhecer.


Memorias afetivas são uma merda.


Mas piores que elas, eram as palavras que tive que ler.

Palavras bonitas e rebuscadas.


Programadas exatamente para atingir esse tipo de memória.


Um grande plano arquitetado por trás de cada frase.


Tenho que admitir que meu sorriso de canto de boca era apenas por entender a intenção de cada palavra ali na minha frente.

O teor não me pegou como era a intenção.


Não senti nada, a não ser desprezo, por alguém achar que eu poderia cair naquele encanto em forma de escrita.


Talvez minha empatia tivesse tomado proporções mais aceitáveis ou eu estava virando um coração de pedra.


Mas não era isso.


Eu sabia reconhecer essa sedução.


Essa tentativa de me hipnotizar pelas palavras.


Sorriso era meu fraco, palavras não.


Logo eu, que respirava o conto do vigário como ganha-pão, cair no canto da sereia.

No final, ela aguardava uma carta de volta.

Uma carta resposta sobre futuro.

Mas eu jamais escreveria.


Deixaria morrer no presente e virar passado.


Talvez uma nota de rodapé. 

Se tu não fez questão, porque eu teria que fazer.