terça-feira, 13 de agosto de 2024

Será que todos meus dias serão iguais?


 


O fato de eu conseguir te ler, não faz de mim alguém que vê o futuro.

Eu te leio, cada linha de expressão sua.

Cada energia que você emana, eu estou la interpretando.

E sempre, estou dois passos a sua frente.

Porque essa habilidade me dá uma certa vantagem em relação as minhas ações.

Eu sei sempre quando você esta prestes a explodir.

Quando você vai fechar portas ou fazer apostas descontroladamente.

Ignorar essas mensagens no geral é sempre uma opção, mas a leitura estava feita anteriormente.

Eu tenho lapsos de fé, uma fé aleatória difícil de explicar.

Considero uma fé burra, porque sempre aparece me levando a ignorar minhas leituras.

Mas que seja, não uso disso para viver uma vida montada como uma estratégia de guerra.

Não estou escrevendo o novo a arte da guerra.

Sun Tzu virou o padroeiro de empresários exploradores e coaches motivacionais insuportáveis.

Mas facilita para entender o mundo e seus caminhos.

Até porque não importa que facilidade você tenha, você sempre será pego desprevenido.

Todo dia levanto esperando que essa surpresa venha mudar minha vida.

Mas a sensação que tenho é que todos os dias são iguais.

Mesmo que completamente diferentes.

O sentimento final é o mesmo.

Eu tinha um compromisso que poderia mudar essa forma de encarar essa minha conclusão diária.

Algo que eu sabia que impactaria meu dia e com isso talvez tivesse esse poder de responder essa minha questão.

Será que todos meus dias serão iguais?

Em um primeiro momento, eu não pensei sobre isso.

Eu nem ao mesmo me atentei ao fato de que nunca tinha me colocado naquela situação.

E la estava eu, em uma visita de hospital.

Uma experiência nova com todo o potencial de ser algo traumático.

Trauma esse que talvez mudasse a forma que eu via meus dias.

Desde a porta de entrada até a recepção, meus passos foram contados.

Uns 17 mil passos em uma distância de 2 metros.

Parecia um caminho infinito.

Do momento que entrei, meu ouvido ficou com aquela sensação de quando se sobe a serra de carro em um final de semana com seus pais.

Aquela pressão que deixa seu ouvido tapado, eu estava no mono e não mais no estéreo.

Ali eu já sabia que ia ser difícil.

Eu precisava chegar no quinto andar, mas todas as paredes e portas tinha avisos enormes sobre contaminação.

Infecção de hospital sempre foi um vilão conhecido, não queria entender o porquê ou como agia.

Então, resolvi não usar o elevador.

Eu tinha uma máscara, que depois da Covid parecia ser seu colete a prova de bala em um tiroteio.

Mas ela durou 3 segundos no meu rosto.

Eu não estava nem no segundo andar e eu já estava com o coração acelerado e aquela sensação conhecida.

Estava com um mini ataque de panico.

Tirei a máscara porque parecia não respirar com ela e tentei me acalmar enquanto subia o primeiro andar de escada.

O engenheiro daquele prédio merecia um lugar no inferno.

Você subia um andar de escada e para subir o próximo tinha que atravessar todo um corredor para o outro lado.

Não fazia sentido, a não ser sadismo.

Cada andar, um corredor diferente.

Parecia os vários infernos de Dante.

Faltou só o aviso do portão do inferno.

"Abandone toda esperança aquele que por aqui entrar"

Era esse o sentimento desde que atravessei aquela porta de entrada.

Corredores com pessoas jogadas pelos cantos, esperando pelo momento que aquela dor fosse cessar.

Corredores cheios de avisos de radiação e contaminação biológica.

Funcionários andando com semblantes triste e um peso no caminhar que deixava você mais apreensivo.

Eu olhava para os rostos sem faces, como fotos rasuradas.

Conseguia ouvir aquela respiração alta auxiliada por uma máquina, e aquilo era como uma trilha sonora de fundo enquanto atravessava outro corredor de encontro a uma nova escada.

Cada tosse parecia um meteoro caindo la fora, tinha um tom desregulado que fazia seu cérebro questionar aquela informação.

Ouvia choros, gemidos e lamentar.

Tudo isso me remetia a uma visita ao submundo.

Alguns eu já via como almas.

Em algum momento cheguei a questionar minha sanidade, pois parecia perceber que algumas pessoas já não mais faziam parte daquele plano astral.

Após chegar finalmente ao quinto andar, percebi que tinha mais uma semelhança com o quinto level criado por Dante.

O rio Estige é o quinto círculo do inferno de Dante, e lugar reservado para os que cederam ao rancor e a raiva.

E ali naquele corredor, o clima era de revolta.

As pessoas estavam dias abandonadas com dor e sem medicação e aquela raiva consumia o ar.

O tom das palavras que se ouviam ali era mais elevado e agressivo.

Algo que você não conseguiria imaginar para uma area de internação de um hospital.

O corredor era enorme e eu caminhava entre aquelas ondas pesadas no ar e presenciando pequenas confusões pelo caminho.

A dor era como uma entidade ali, eu conseguia ver ela se materializando em um ser que sorria no canto da sala.

A pessoa que fui visitar estava no final do corredor, em um quarto com mais 5 pessoas.

Um quadrado dividido em 6 quadrados menores.

Uma cortina fina como véu da noite era o que separava os diferentes mundos daquele quarto.

Eu tinha um banquinho desconfortável ao lado da cama que era o melhor lugar de todo aquele hospital até então.

A sensação era que eu tinha sido dividido em várias versões minhas, cada uma, ficou em um andar preso, e ali sentado no meu banquinho eu sentia o peso de cada particularidade de cada andar.

Tudo de uma vez.

Era muita coisa para minha cabeça.

Aquele respirar de máquina alto voltava a me assombrar.

Os choros, os gritos de dor, gemidos e sussurrar.

As palavras raivosas que rasgavam o ar.

Novamente minha respiração viria a falhar.

E mais uma vez, meu primeiro movimento foi tirar a máscara que já não estava no meu rosto desde o início daquele caminho.

Por algumas noites, aquele apito ritmado de uma das máquinas de batimento cardíaco me perseguiu em meus sonhos.

A única boa sensação era que parecia que a minha presença ali, criava uma camada de proteção para quem eu fui visitar.

Por algumas horas a dor foi esquecida.

A tristeza dispersada.

No meio daquele lugar sem esperança, eu via um pequeno sorriso.

E já valia todo aquele esforço.

Na minha visita, eu ajudava na missão de levar ela para longe dela mesmo.

E perceber que minha visita fazia bem, era o melhor lugar que eu podia estar naquele momento.

Com minha oratória robusta de clichês, eu conseguia criar nela uma revolução.

A revolução que vem da cama é uma das mais fortes.


Você revisitou toda a sua vida e escolhas, e dali, do lugar mais confortável que você poderia estar, a sua cama, você decide revolucionar o seu mundo.


Não existe algo mais potente que isso.


O hospital talvez seja um dos lugares com maior potencial para destruir sua alma e sua esperança.


Mesmo para mim que fui só visitar.


Me afetou profundamente, ao ponto de voltar para casa com o corpo destruído, como se tivesse em uma punição eterna de quebrar pedra no calor do inferno.


Mas não foi um sacrifício quando se pensa que fiz por alguém que quero bem.


Nesses momentos você conhece de verdade os seus.


E perceber isso também é um presente.


Não estou aqui demonstrando como ser um grande amigo ou um ser superior, longe disso.


Mas comigo sempre funcionou assim.


Sua luta é minha luta.


Sua tristeza me deixa triste também.


E sua felicidade vai me deixar feliz.


Se eu não compartilhar isso com você, significa que você é só mais uma face sem rosto.


Você é só mais um dia igual, e eu vim para revolucionar o sistema.


Vou começar a revolução da minha cama enquanto mundo a dinâmica dos dias e trago de volta as expressões para os rostos.

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