quarta-feira, 11 de setembro de 2024

O luto de um eremita

 



Acabei de rezar para um Deus no qual não acredito.

Apenas para não sentir mais essa sensação de aperto no coração.

Uma angústia sufocante que machuca e me enfraquece cada dia mais.


Preciso lidar com o luto.

Luto esse, que ignorei por meses.

Luto que fingi não existir.

Entrei em uma série de lugares que achei que poderiam me esconder ou tirar esse sentimento.

Quando me acovardo com algo que tem o potencial de me destruir, vou para o meu jardim da insanidade.


Fico recluso la.

Excêntrico, diria o poeta.

O jardim que criei como refúgio, onde me afogo em exageros e estou rodeado de flores mortas.

Não existe a beleza das rosas.

Apenas aquele dia nublado e o ar pesado.


La minha ansiedade fica fora de controle.

Tira o ritmo dos meus batimentos.

Minha respiração é dificultada como se eu tivesse uma crise séria de asma.


Passo o tempo todo la com aquele choro preso mesmo sem entender o motivo.


Por alguns segundos tenho a sensação de que vou perder a consciência.

E isso se repete várias vezes no dia enquanto estou la.


Tremo sem nenhum controle.

Os dias se passam devagar e esse peso me segue por meses.

Com o passar do tempo, eu vou mais vezes ao meu jardim do que deveria.

E com isso vou me envenenando assim como toda aquela vida que já existiu ali.

Sem perceber, estou me amaldiçoando por não combater aquela sensação ruim.

Sinto aquele gosto amargo na boca de que eu não pertenço ali, e essa é a primeira luz no fim desse túnel.


Essa lição é demorada, mas ela me pega.

Eu preciso da sua companhia como preciso da luz do sol de volta ao meu jardim.

E perceber que isso não é mais possível é o que deixou meus olhos sem brilho e vazios.

Nos seus últimos dias estávamos bem próximos do nosso jeito.

Eu podia ter me preparado melhor.

Eu deveria ter feito suas últimas vontades.

Mas achei que estaria ajudando você a desistir da sua luta pela vida.

Sempre soube da dívida que teria com você mesmo antes de te conhecer.

Nos seus últimos minutos, eu não estava la dê mãos dadas com você.

Mas o seu último suspiro eu pude sentir do outro lado do mundo.

Aquela noite meu quarto tinha sua presença.

Sua energia estava ali.

Aquilo me pegou de surpresa, eu não tinha ideia do porquê daquele sentimento.

Voltei a dormir, até ser acordado com o anúncio do final do seu livro.

Livro que fiz parte de vários capítulos, e me orgulho enormemente de ter sido escolhido para essa história.

Seu sorriso não perdia o poder nem com toda aquela morfina.

Nem as suas dores deixavam você desistir de se preocupar comigo.
Você tinha o poder de trazer todo mundo de volta e eu consigo sentir sua decepção em me ver naquele jardim.

Você conhecia aquele jardim.

Já me pegou pela mão varias vezes, me trazendo de volta.

Depois que você se foi, me senti responsável.

Me culpei.

E com isso perdi minha esperança.

Talvez meu jardim não fosse tão ruim assim.

Mas ali, fingindo que o meu mundo não estava tão acabado, consegui ouvir você.

“Olha para o céu, procure as estrelas e foque na beleza delas.”

Você sempre dizia isso, seguido de um socão no meu ombro.

Sempre intercalando com uma voz doce e gestos não tão doces assim.

Essa sempre foi sua forma de tentar me trazer de volta.

As últimas palavras que ouvi de você ecoou minha cabeça a manhã inteira.

“Eu te amo, você me deixa muito orgulhosa”.

Esse amor puro e verdadeiro que você dedicou ao seu amigo vai continuar sendo meu resgate.

Foi aí então que resolvi encarar meu luto.

Era como se eu conseguisse ouvir você mandando eu levantar e parar de chorar.

Porque chorei.

Chorei como nunca.

E aquele peso no peito foi aliviando.

Voltei a passar o cadeado na porta do meu jardim.

Minha nuvem negra se dissipou.

Eu continuo pensando em você sempre, mas agora com mais alegria.

Eu entendi que, de alguma forma, eu ainda posso viver por você.

Pegar alguns dos seus sonhos e fazer deles, os meus.


Era hora de deixar de lado meu lado eremita e voltar a viver.

Cada segundo conta.

Por nós

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