segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Elipse

 



Se você olha e não percebe, no mínimo desatento esta.

Cego pela arrogância ou realmente se acha um lobo líder de uma matilha.

Uiva e os outros seguem.

Mas eu sempre fui um lobo solitário.

Seguir idiotas jamais.

Quando você deixa ser guiado por esse tipo, você ajuda um sistema doente.

Você vai assistir vários serem julgados e excluídos, enquanto seu suporte é parte do que faz ele forte.

Esse suporte faz de você cúmplice.

Participe disso calado, recebendo seus tapinhas nas costas.


Mas saiba de uma coisa.


Você será o próximo a ser aniquilado.

Ta tudo ali, não precisa ser falado.

Às vezes o não falar, diz mais que palavras bonitas e planejadas.


Você precisa entender o seu lugar.


Precisa direcionar sua vida para onde você possa ser você mesmo, sem ter que se esforçar para se encaixar.

Sem ter que esconder quem você verdadeiramente é.


Se você abre muito mão da direção que quer seguir, sozinho ou rodeados de pessoas, você continuara perdido.


Pessoas podem ser apenas números.


Está lá, omitido, mas está lá.


Não importa se uma ou mais palavras sejam omitidas nesse discurso, o ideal está lá.


E não existe coisa mais forte que um ideal.


Não se perca por falsos profetas.


Faith é ótima com elipses.


O que é engraçado, pois é do grupo, o discurso mais fácil de se assimilar sempre.


E ela estava aqui com aquele sorriso de sempre e uma leveza que Gandhi nem chegou perto.


Confiante e disposta a me tirar daquela fase confusa, la estava ela analisando as luas e coisas relacionadas ao meu signo.


- “Convém evitar forçar enfrentamentos sobre temas complicados, respeitando o espaço e o tempo de cada um. 
Lua e Mercúrio se encontram na área de relacionamentos, podendo contribuir com vínculos pautados no diálogo e na cumplicidade.” - Ela lia compenetrada como se achasse a solução dos meus problemas naquelas palavras.

Eu apenas sorria de desespero daquela situação.

Ela levava isso muito a sério, e se eu não fizesse o mesmo com ela, seria vítima dos seus socos cheios de raiva no meu ombro tão sofrido da vida.

- Você realmente se encontra em um labirinto, ou melhor, você é o labirinto.
Mas se você consegue ser o labirinto, também pode tentar ser Teseu, o herói dessa historia.
Eu serei sua corda e não vou deixar você se perder. - Faith tinha convicção nas suas metáforas.

Mas tinha um problema nessa comparação.

Meu labirinto do momento, não tinha um minotauro, e sim três.

A loucura disso era que esse não era exatamente meu perfil.


Eu era total monogâmico.


Vinha até de uma fase bem tranquila fora desse campo de guerra chamado relacionamento.


Pois bem!


Nada era oficial, por isso tinha me deixado se enrolar desse jeito, em encontros esporádicos sem nenhuma forma de responsabilidade.


Você me conhece, sabe que isso não funciona para mim.


Aquele tempo que eu andava louco por aí, me jogando em qualquer ménage que pudesse ser uma boa história para contar, não me atraia tanto mais.


Nem a ilha de Creta era capaz de imaginar um labirinto com três minotauros.


La estava eu novamente pirado, lidando com perfis completamente diferentes.


A primeira, a liberdade em pessoa.

Sua casa era o mundo.


A cada semana estava em um lugar diferente.


Difícil até mesmo de acompanhar os pensamentos.


Tinha conhecido pelo mundo na última viagem com Ari.


Ela resolveu tirar um tempo sabático, que no caso dela, significava parar em um lugar por um tempo.


Então, teve a brilhante ideia de ficar na cidade e vir me visitar algumas vezes na semana.


Mas ela era uma nômade e dizia ser uma ladra de corações.


Quando conseguia o do momento, voltava a se jogar pelo mundo.


Então com essa ameaça, resolvemos ser amigos que fodem, palavras dela.

Ela seria a famosa gato preto.


Faith gargalhava enquanto traçava os perfis das psicopatas que estavam na minha vida no momento.


No nosso divã, montamos como Faith gostava.


Ela colocava Ramones para tocar de fundo na minha vitrola, com um som bem agradável, nada muito alto.


Eu preparava seu sanduíche preferido e ia lhe contando detalhes de cada uma das três.


Faith parecia chegar próximo de um orgasmo com esse nosso ritual e tudo que ouvia.


No lockdown eu criei um sanduíche para Faith, e ela desde então criou esse caso de amor eterno comigo na cozinha.


- Não existe coisa melhor que Ramones, uma cervejinha e meu sanduíche preferido. - Ela transbordava felicidade enquanto dava mais uma mordida.


Seu sanduíche era bem simples, mas tinha duas coisas que ela amava, tomate seco e lagosta.


A receita era fácil.


Um pão brioche bem fofinho.


Um molho que era uma junção de mel, limão, maionese e cebolinha da mais fininha e menor que tem.


Aqui na Irlanda, se encontra como Chives.


Mistura se uns camarões, um pouco de carne de caranguejo e aquela carne linda que uma boa lagosta pode dar.


Tomate seco, picles e um pouco de coentro para realçar essa mistura louca.


Assim eu cuidei de Faith todo o lockdown.


A segunda, eu podia dizer que era um caso mais fácil de entender, mas como não entendi, o caso se complicou.


Já conhecia a bastante tempo.


Houve umas épocas de encontros e outras de desencontros.


Alternávamos relacionamentos


Quando ela ficava solteira, eu me envolvia com alguma das minhas exs.


A liberdade cantava e la estava ela com uma aliança enorme no dedo.


Nos parecíamos ser amaldiçoados em relação a ficar junto.


Aí aquela porta se abriu.


E fomos pegos de surpresa.


3 segundos e estávamos na cama, mas traumatizados demais para achar que poderíamos lidar com o trauma do outro.


Logo, fomos fazer aquele velho e idiota acordo de cavalheiros.


Nada de sentimento, só diversão.


Ela gostava de dizer que me amou primeiro, mas nem isso era suficiente para ela querer tentar um relacionamento de verdade.

Vou chamá-la de meu doce pecado.


Ela trabalhava em Londres e só aparecia aos finais de semana.


E aí vem a terceira.


Essa eu tenho que admitir que até tentei no início.


Mas era impossível.


E ela não parecia ser alguém que iria lidar com um término tranquilo.


Então ela mesmo resolveu, que se não tivesse um início, não existiria final.


A menina da neve, era uma bomba.


Linda, meiga e carinhosa, mas só quando estava quente.


E ela parecia morar na sibéria.


Fazia nevar diariamente.


Era uma viciada compulsiva em cocaína.


Aparecia na minha casa sempre de madrugada.


Ela tinha duas versões.


A apaixonante e super inteligente quando estava sóbria e a que trazia todo o caos do mundo nas costas quando estava usando a droga.


Ela lidava bem, mesmo quando usava, mas aquilo me assustava.

Tudo era potencializado, e eu pisava em ovos.


Como fui parar ali?


Não tinha ideia.


Nenhuma das três queriam relacionamento naquele momento.


Eu queria paz.


E relacionamentos geralmente era onde eu encontrava isso ou uma vida de celibato forçado.


Era difícil lidar com aquilo e Faith achava aquilo complicado até mesmo para mim.


- Já vi você com casos bem complicados antes, mas nada como essa situação atual.

Às vezes omitir não é tao bonito como uma elipse se diz ser.


Muito menos é clara no sentido.


Depois de tantos anos, fazia tempo que não me via em uma situação dessas.


Na época da Cartomante e da Mafiosa, eu meio que escolhi a Mafiosa.


O que só prova que minhas escolhas são bem questionáveis.


Faith sempre foi time Cartomante.


Tirando toda essa história de signos, Faith era ótima em apontar e dizer que aquilo era uma furada, pelo menos para mim.


Porque para ela, nunca vi um dedo tão podre.


E claro que chegamos ao ponto onde, seguindo roteiros de filmes, Faith achava de bom tom eu fazer uma lista de pós e contras das três para chegarmos a uma pontuação.


Eu jamais faria aquilo, e ela sabia, e sorria sabendo o quão errado aquela ideia era.


- Tudo bem, admito que não é uma ideia boa, já aprendemos isso nos filmes.
Então me diz algo que te venha na cabeça sobre cada uma. - Ela apostava que, com a imaginação de um escritor, viesse algo que a descrição resolvesse as dúvidas que apareciam na sua investigação.

Fiquei intrigado com aquele pedido.


Tomei um gole da minha cerveja, foquei no “Hey ho, let's go!” e sua batida de fundo e me coloquei naquele cenário com cada um e deixei vir o sentimento que me vinha pensando em cada uma.

Minha cabeça não funciona como de uma pessoa normal.

- A gato preto chega perto de mim e incendeia minha alma com liberdade.
Eu viro uma pessoa diferente, ela me leva para uma dimensão onde eu não tenho mais medos.
Mas, ao mesmo tempo, ela me passa a sensação de que vai embora a qualquer minuto e nem vai dizer adeus.

Faith ouvia atentamente sem nenhum tipo de gracinha, ela estava focada em entender o porquê eu estava naquele labirinto após parecer ter achado meu caminho.

- Meu doce pecado tem o toque que me tranquiliza, parece uma aura onde eu fico protegido de tudo e de todos.
Posso ficar horas conversando com ela sem me entediar.
E você sabe como isso é raro para mim.
Ah e claro, e não menos importante, eu tenho uma queda absurda pelas sardas dos seus seios.
Acho aquela beleza digna de Afrodite no auge do Olimpo.

Faith agora sorria.


Me conhecendo bem, ela sabia que aquilo era menos sexual do que parecia.


Eu realmente sabia apreciar pequenos aspectos de beleza como um relojoeiro com um relógio


- A menina da neve estava sempre com aquela nuvem negra de caos, mesmo que sorrindo inocentemente.
Ela parecia falar e mexer mais com os meus demônios.
Só que ela tinha aquele ar de ser a música que ninguém canta, só você.

Faith parecia intrigada.

Pegou o papel onde fazia suas anotações, amassou e jogou fora.

- Precisaria de um mapa astral de umas três gerações de cada uma delas para entender alguma coisa nessa historia.
Vigário, não lembro de falar isso para você antes, mas parece que dessa vez você esta fudido mesmo. - E ela gargalhava bebendo sua cerveja e tocando sua bateria imaginaria seguindo a música de fundo.


Em outros tempos resolveria isso bebendo em todos os bares da cidade.


Mas essa fase tinha ficado no passado.


Então chegamos a conclusão, que o ideal era eu deixar rolar e jogar o jogo.


Não parecia ter algo melhor para fazer, então resolvi segui a canção.

“Hey ho, let's go!

Hey ho, Vamos la!”


Nenhum comentário:

Postar um comentário