Depois de Florença, eu tive meu tempo de “reabilitação”.
Foram dias sombrios.
Desci diretamente ao inferno e sentei com meus demônios.
Era certo de que não sairia ileso daquilo.
Depois de algum tempo morando sozinho em uma cabana no interior da Noruega, era hora de voltar.
Voltar?
Como se eu tivesse controle da minha vida.
Maeve estava ali de frente para mim me dizendo que precisava ir para Nova York.
Em circunstâncias normais eu diria foda se e até rasgaria meu passaporte para não viajar.
Mas aquilo parecia uma responsabilidade que não poderia ignorar, mesmo ignorando por anos sem saber.
Uma sexta-feira 13 a noite, eu estava na “cidade que nunca dorme” e em vez dos filmes de terror eu falava sobre uma história de amor.
Mas não essas com finais felizes.
Talvez bem mais próximas dos mesmo filmes que a gente adorava assistir juntos.
Horror sempre foi nossa pegada.
Os desajustados funcionam melhor nesse ambiente.
Latini e Elliot estavam comigo em um pub irlandês em Nova York, que era mais comum do que se imagina.
Mas esse era um especial.
Bem antigo e barato.
Frequentado pelos coroas mais tranquilos e gente fina da cidade.
Ali, só aposentados, sempre com sorriso no rosto.
Eu ia sempre que estava na cidade.
O dono do bar, aquele senhorzinho sorridente e simpático, sempre estava la para me atender.
Ele era um pouco surdo e sempre reclamava de como estava quente em Nova York.
Era tempos de verão, então a reclamação seria por um bom tempo.
Eu sempre o chamava de Chef, já que minha memória para nomes não era das melhores.
E no restaurante aprendi que esse era o jeito mais fácil de lidar com a rotatividade de funcionários.
3 doses de Jameson e 3 cervejas, era assim que íamos nas nossas rodadas na mesa.
O Chef não bebia mais há 30 anos, então só se divertia nos servindo e lançando umas pequenas piadas.
- Vocês bebem como irlandeses.
Foi bebendo assim, que resolvi parar. - Ele se divertia com sua própria maldição.
Um irlandês que não pode beber mais.
Essa era a sua história de vida.
Latini tentava oferecer dinheiro para que ele tomasse uma dose.
Esse humor errado de Latini, às vezes passava dos limites morais aceitáveis.
Chef sorria e no topo da sua experiência de vida, já conseguia identificar Latini como uma idiota.
Ele negava a proposta com um sorriso tranquilo enquanto ia se afastando e fazendo com a cabeça para mim que estava tudo bem.
Elliot então tomava a frente para não deixar que Latini acabasse com aquele clima de amigos trocando ideia no bar.
- Você me prometeu que um dia me contaria sobre o amor da sua vida, se eu tomasse conta dela, hoje parece ser um bom dia para essa história. - Elliot com uma coragem rara me cobrava de uma dívida.
Latini então engasgou com a bebida enquanto arregalava os olhos.
Todo mundo do nosso grupo de amigos, sabia que eu não falava sobre isso.
Era um assunto proibido, não oficialmente.
Mas se alguém podia me perguntar sobre isso, era Elliot, e esse era o dia correto.
Nem mesmo Faith tentava.
Em algum momento da vida, eu dei a Elliot a missão de cuidar de longe, dela por mim.
Ele era uma espécie de anjo da guarda, já que ela não via e não sabia sobre.
Parece uma coisa meio doida e até meio errada.
Mas eu fiz uma promessa e ia cumprir ela ate o fim.
E dessa forma, sem nenhum tipo de intervenção, ele acompanhava sua vida de forma afastada.
Eu não queria nenhum tipo de relatório, apenas a orientação, qualquer problema informe a John.
Não soube notícias dela por anos.
Mas John, que também foi amigo dela, sabia dos meus temores e da minha promessa.
Eu parei por uns segundos pensando sobre aquele questionamento, e conseguia perceber o semblante desesperado de Latini e o arrependimento de Elliot, como se tivesse me ferido.
- Pois bem, porque não escrever essa história para você em uma noite de sexta-feira 13.
Uns chamam de meu primeiro amor, outros falam sobre o amor da minha vida.
Acho que tudo isso se aplica de alguma forma.
Era incomodo e até um pouco dolorido reviver esses sentimentos.
Pensar sobre eles me davam um pouco de taquicardia.
Mas eu estava em uma fase melhor.
A fase onde eu trocava uma garrafa por outra talvez não fosse o tempo de revisitar isso.
Ela era algo potente demais na minha vida.
Talvez a essência vital do Vigário que existe hoje.
Nos conhecemos jovens e foi amor a primeira vista.
Nunca tinha sentido nada parecido.
Uma avalanche arrebatadora.
A loucura dela se encaixava perfeitamente com a minha.
Era um encontro de almas que se amavam de outra vida.
E talvez por isso não tenha dado tão certo.
Viemos para essa vida com esse desgaste de outras tantas vidas.
Tivemos momentos que dinheiro nenhum no mundo compraria.
Não trocaria nem um segundo que passei com ela por nada, nem mesmo os piores segundos.
Ela era calma e doce de um jeito que parecia ter uma aura de paz em volta.
Nos tínhamos uma química que nenhuma tabela periódica conseguiria explicar.
Tínhamos cumplicidade, amizade e amor na mesma medida um pelo o outro.
Isso era raro de se ver.
Não tínhamos brigas e estávamos sempre conversando sobre tudo.
Isso parecia o relacionamento perfeito.
Até não ser mais.
Em algum momento, começou a aparecer seu lado obscuro.
A depressão.
E a depressão dela era um buraco negro.
Sugava tudo a sua volta.
Principalmente a minha força vital.
Então outras fases foram se acumulando a isso.
Drogas, tentativas de suicídio e depressões profundas.
Meses sem sair de casa.
Ela não tinha mais vontade de viver.
Eu me sentia responsável de alguma forma.
Como assim eu sou o amor da vida dela e não consigo salvar ela disso?
Esses questionamentos e cobranças me criavam um buraco negro tão grande quanto o dela.
No meu caso, o álcool foi o amigo que estaria la para me consolar.
E assim fomos se perdendo um do outro.
Foram anos de relacionamento e segundos para vê-lo definhar.
Ela foi virando um livro de promessas vazias.
Eu fui mudando com ela ao invés de trocá-la.
Jamais deixaria de brigar pelo amor da minha vida.
Antes eu parecia ser a razão dela respirar e no final eu parecia ser a razão para ela chorar.
Ver ela naquele estado me destruía.
Parecia que eu estava esperando pelo amanhã com a esperança de que tudo melhorasse.
Mas o amanhã nunca veio.
O amor dela por mim continuava la ate o final.
Mas ela sempre foi mais razão que emoção, essa era nossa diferença.
Em algum momento, ela entendeu que o problema dela estava sendo demais para eu suportar.
Dai o fatídico dia, da carta de despedida na minha cama.
No auge da sua depressão profunda, ela decidiu que só faria mal a ela mesmo, e me deixou.
Desde então nunca mais a vi.
Mas prometi a ela que cuidaria dela pelo resto da minha vida.
Não importaria onde ou como, eu estaria la de alguma forma.
E tenho feito isso desde então.
Antes por John e hoje em dia por Elliot.
Depois da sua despedida, ela ficou alguns bons anos lidando com sua depressão agressiva.
Anos sendo demitida das empresas que trabalhava devido às licenças medicas intermináveis.
Eu respeitei sua despedida e nunca mais cruzei seu caminho.
Procurei não saber nada sobre ela.
Apenas a mesma pergunta de sempre.
Ela está bem?
Era só o que eu precisava saber.
Até aquele momento onde Maeve me trouxe para Nova York para encontrá-la.
Eu jamais iria se não fosse pelo que ouvi.
Se ainda havia alguma coisa a dizer, era para esse dia que estava sendo guardado.
Aquele encontro e aquela revelação fariam de mim uma pessoa diferente a partir daquele momento.
Elliot me olhava hipnotizado ouvindo a cada palavra e respirar meu.
Ele sabia do peso e da importância daquele momento.
Eu tinha encontrado ela no dia anterior dessa conversa de boteco.
E me preparei para a sexta-feira 13 como um sobrevivente de um filme de massacre.
Latini que perdia o amigo, mas nunca a piada, não conseguia deixar de brincar com aquela notícia do dia anterior.
- Desculpa Vigário, mas é por isso que eu sempre digo, não seja o primeiro e não seja o ultimo. - Falava enquanto gargalhava.
Aquele encontro foi um divisor de águas na minha vida, mas acima de tudo provou para mim algo que eu sempre desconfiei.
Que seria para sempre.
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